quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

[#1245][Set/98] INCIDENTE EM VARGINHA

A matéria da Ação Games sobre esse jogo tem apenas um paragrafo, menos de 100 palavras, mas desencadeou uma das histórias mais insanas que eu já pesquisei em todos esses anos nessa indústria vital. Se existe um motivo pelo qual eu continuo fazendo isso mesmo após todos esses anos, mesmo após milhares de jogos e mesmo após ter jogado KING ARTHUR AND THE KNIGHTS OF JUSTICE, definitivamente é por momentos como esse.

Então, sem mais delongas, hoje orgulhosamente apresentamos a bizórrica, atrócida e morfonomenal história do ET de Varginha. Sim, eu estou falando muito sério que o texto de hoje será sobre isso.

Muitos países, provavelmente a maior parte deles, tem em um grau ou outro a sua versão do caso de Roswell. Apenas para colocar todos na mesma página, Roswell é uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos onde caiu um balão-sonda experimental do exército americano. A sonda fazia parte do Projeto Mogul, um experimento ultrasecreto do exército para empregar balões para detectar atividade nuclear soviética, e como estamos falando de 1947, é claro que isso era ultra segredo de Estado.


Pois muito que bem, é óbvio que quando a sua sonda experimental caiu o exercito agiu imediatamente para ocultar qualquer evidencia do caso já que era vital que informações que esse projeto sequer existia jamais poderiam chegar aos ouvidos soviéticos, então na prática os habitantes de uma pequena cidadezinha do interior um dia viram caminhões do exército e uma quantidade de homens do governo andando pra cima e pra baixo na cidade, todos parecendo muito preocupados e atarefados.

Os moradores locais viram que alguma coisa caiu do céu e em seguida o governo aparece todo nervosão, obviamente que eles concluiram que só podia significar uma coisa:


Esse é o mais famoso caso da ufologia que até hoje rende teorias da conspiração e temporadas inteiras de Arquivo X, alem de um turismo monstruoso para uma cidadezinha que de outra forma nem os próprios moradores lembrariam que existe, e provavelmente você já viu uma versão dessa história em algum lugar ou outro. Roswell é o mais famoso dos casos de conspiração do governo envolvendo ocultar a visita de aliens, mas definitivamente não é o mais bizarro: esse título vai, acredite ou não, para o Brasil-sil-sil.

Mas isso vc já sabia e é quase impossível que a essa altura vc já não tenha ouvido falar da história do ET de Varginha. Porém é bem possível que vc nunca tenha ouvido a história do que realmente aconteceu, e é aqui que as coisas ficam realmente loucas.

Numa tarde de sabado de 13 de janeiro de 1996, na cidade de Varginha em Minas Gerais, duas irmãs e uma amiga chegaram em casa apavoradas dizendo para a mãe que haviam visto um diabo. Era por volta de 15h quando as três voltavam para casa quando resolveram cortar caminho por um terreno baldio.


Quando passavam próximo a um muro, ao lado de uma oficina, as irmãs ouviram a amiga Kátia dar um grito. Olharam na mesma direção que ela e viram uma criatura agachada. Com o grito, ela virou a cabeça para as jovens e as encarou por alguns segundos.

"Era marrom, a cor. Era baixinho. Estava agachado, mas era baixo. Eu tinha a impressão que era uma coisa assim muito mole, que dava a impressão que ia estourar, com a pele lisa e os olhos vermelhos, que olhou para nós. Foi coisa assim, rápida, de você bater o olho e falar, é assim e pronto. E é isso. Mas não tinha como ser humano, nem ser um animal”, descreveu Kátia na entrevista.

A mãe delas estava em uma loja vizinha e correu para encontrar as meninas. “Aí eu falei: ‘Mãe, eu vi o capeta’”, relatou Liliane. “Aí ela disse: ‘Se ele apareceu para vocês, vai aparecer para mim também’”.

O caso virou atração turística na cidade

Que tipo de lógica isso faz, jamais saberemos. Quer dizer, existe um código de etiqueta que os capetas tem que seguir que eu não estou ciente? Eles são contratualmente obrigados a aparecer para um número minimo de pessoas uma vez que se revelam? Tantas perguntas, nenhuma resposta.

Mas então, não foi a primeira vez a primeira vez que uma pessoa religiosa do interior alegou ter visto o capeta, e com certeza não foi a última. Até aí, nada demais... exceto que essa história começou a se espalhar pela cidade e nas semanas seguintes todo mundo começou a lembrar que tinha visto algo assim naqueles dias. Não na hora, eles lembraram apenas semanas depois quando o boato já estava espalhado.

Assim, todo acontecimento rotineiro de uma cidade do interior acabou virando uma grande parte da conspiração emocionante. O corpo de bombeiros foi chamado para capturar um animal selvagem vagando na periferia da cidade - o que, numa cidade do interior, deve acontecer pelo menos umas 150 vezes no ano - logo virou uma conspiração do governo para capturar um ser misterioso indescrítivel.


Um fazendeiro acordou no meio da noite porque alguma coisa assustou o gado - o que acontece apenas 415 vezes por ano - algumas semanas depois esse evento comum virou uma superprodução onde o mesmo alega ter visto um "onibus voador" passando sobre a sua fazenda. Ou ele pensou que podia ser um submarino.

Eu não vou implicar muito em supor que um fazendeiro do interior em 1996 realmente saiba como um submarino se pareça, embora pq ele levou semanas para lembrar desse detalhe e só "lembrar" disso quando a história das criaturas na cidade já haviam virado uma lenda urbana diga bastante a respeito do que realmente importa para essa história.

E assim a coisa se tornou uma bola de neve onde tudo que acontecia na cidade era culpa da tal criatura. 3 meses depois animais morreram no zoologico sem uma causa clara? (e eu suponho que ninguem vá esperar que o zoologico de Varginha vá realizar uma autopsia muito profunda) Foi culpa do coiso.


Algumas semanas depois um policial militar morreu de pneumonia devido a algum problema no seu sistema imune que os médicos de Varginha não souberam identificar a causa? Culpa do coiso, obviamente. Alias meses após sua morte surgiram "testemunhas não identificadas" que alegam que viram ele não apenas capturando a criatura como teria acidentalmente tocado nela e essa teria sido a razão da sua misteriosa imunodeficiencia repentina.

Não precisou muito tempo para que o que começou como "o avistamento do capeta" se tornasse na Roswell brasileira, com todo mundo dizendo que tinha uma história para contar de que sabiam algo sobre o alienígina.


O mais engraçado disso tudo é que a Policia Militar de Minas Gerais abriram um inquérito para apurar se algo tinha acontecido, e a explicação mais plausível que eles encontraram foi que havia um morador de rua com problemas mentais em Varginha que frequentemente era visto na posição que as meninas haviam descrito o capeta. 

Porra, sacanagem com o cara!


Outra teoria é que nos dias anteriores aos acontecimentos, choveu pra caralho em Minas Gerais (como usualmente acontece essa época do ano) e a região possui um vasto sistema de cavernas. Assim, por causa das chuvas, vários animais foram desalojados das suas tocas nas cavernas (isso os que não morreram afogados, claro) e foram pra cidade cobertos de lama, galhos e sujeira - ao que seriam confundidos com capetas.

O que realmente me parece mais plausível do que um alienigina se encostar num muro. As três da tarde. De sabado. Em Varginha. Mas acredite no que achar mais provavel.

Mas calma que a história fica melhor: conforme o caso se espalhava pelo Brasil inteiro, mais e mais gente começava a "lembrar" de ter uma história para contar sobre o ET de Varginha, porém a chave de ouro veio das próprias primeiras testemunhas do caso.


Em uma entrevista para a EPTV Sul de Minas, as jovens relataram que cerca de 4 meses após o ocorrido, cinco homens todos vestidos de terno preto e gravata foram até a casa das irmãs, por volta das 22h, e as teriam feito uma proposta para que negassem o caso.

“Queriam que a gente desmentisse o que viu em frente a uma câmera. Pagariam pra gente”, contou Liliane. Não foi citado um valor, mas segundo elas, “com esse dinheiro daria pra gente sair do Brasil”. “Nós ficamos com medo”, continuou Liliane. “Mas nem cogitamos aceitar a proposta.”

Sim, senhores, senhoras e senhorio, os Homens de Preto não apenas vieram ao Brasil para abafar o caso como tentaram subornar as testemunhas. Porém estas eram moralmente incorruptíveis que jamais se venderiam por dinheiro algum, o que os fez dizer "ah, okay, tentamos" e abandonar a ideia. Porra Will Smith, tu já teve mais determinação no trabalho heim?


Bem, a versão oficial das jovens é que os homens as pressionaram com telefonemas e chegaram a seguir a mãe de Liliane e Valquíria. Para evitar que algo pior acontecesse, elas resolveram falar na televisão sobre o que estava acontecendo, e a perseguição terminou. Aparentemente o neuralizador estava sem bateria naquele dia.

Toda essa pataquada teria terminado como uma lenda urbana de cidade do interior, não fosse o fato que estamos falando dos anos 90 aqui. Sabe os anos 90, onde o Gugu falsificou uma entrevista com atores dizendo estar entrevistando membros do PCC? Esses anos 90.

Então, essa patuscada toda acabou virando pauta de revistas e jornais supostamente sérios pq se vc acha que o clickbait pagando as contas foi inventado junto com o Twitter, vc está muito enganado. O ET de Varginha teve matéria no Fantástico, reportagem na Isto É, o circo completo. Vc sabe esses veículos que numa página estão fazendo analises super sérias e adultonas sobre a geopolitica histórica do zeitergeist neocultural, e na outra estão fazendo uma linha do tempo sobre os relatos de todo mundo que lembrou de que tinha sim uma história pra contar sobre o ET de Varginha.


O Brasil não é para principiantes, eu te digo.

E o Brasil sendo o Brasil, é claro que a palhaçada viro um circo inteiro com piadinhas no Casseta e Planeta, charges, isso se tornou uma piada interna na Universidade de Campinas (onde supostamente o ET capturado foi levado) que ele ainda esta lá e é mantido em cativeiro - e os calouros da Unicamp frequentemente fazem a brincadeira nas festas que depois de uma cerveja ou duas vão lá resgatar o ET. 


Existe na Unicamp um prédio mais elevado que é o observatório, e é uma lenda urbana na faculdade que toda noite eles levam o Juca (o nosso ET tem até nome brasileiro, respeita) na colina do observatório pra ver se ele faz contato com a nave mãe. Mais de um calouro já pensou em passar a madrugada de tocaia pra ver se avistava o Juca, e certamente bem mais do que um afirma que já viu o mesmo.

Enfim, a própria cidade abraçando a brincadeira com várias referencias a alieniginas na sua arquitetura... e obras inacabadas supostamente que deveriam fomentar o turismo do tema mas esses aliens aqui só abduziram mesmo foi dinheiro publico... Enfim, o ponto é que hoje mesmo gerações que nunca souberam da história realmente reconhecem o nome do ET de Varginha.

O Museu do ET em Varginha é uma obra que começa e recomeça a 20 anos, segue sem previsão ainda de ficar pronta

Outra coisa pelo qual o ET de Varginha é conhecido, entretanto, é por ser o tema doq ue é chamado como "o primeiro brasileiro de destaque". Bem, considerando que as outras opções de jogos 100% brasileiros que eu joguei aqui são DUKE NUKEM 3D do Mega Drive, CASTELO RA-TIM-BUM e FÉRIAS FRUSTRADAS DO PICA-PAU... faz sentido esse ser o primeiro jogo de destaque. Não sendo uma bola doloros de sofrimento de dor como seus colegas da Tec Toy já o coloca MUITO em destaque, eu te digo.

Mas enfim, suponho que é importante que vc saiba que esse jogo foi criado inteiramente apenas por dois caras - Marcos Cuzziol, Odair Gaspar, que tem uma história bem interessante de como chegaram a esse jogo. Eu sei disso pq tem um podcast de 4 horas entrevistando o Odair Gaspar e eu assisti a porra toda enquanto jogava o jogo, o que faz de mim um dos maiores Incidenteemvarginhologos do mundo, alias do universo, saiba você.

Mas então, a coisa é que Marcos e Odair tinham uma empresa que criava softwares para máquinas, e em dado ponto dos anos 90 eles estavam esgotados com o trabalho e decidiram fazer "alguma coisa que não matasse ninguem". Explico: um software que controla um equipamento de centenas de toneladas pode facilmente matar alguém se der algum erro ou bug, então o engenheiro da programação é diretamente responsável em caso de acidente.


Fazer um joguinho, por outro lado, não faz mal para ninguém - exceto a minha fé na humanidade, mas então eu já joguei BLACKHOLE ASSAULT, eles vão ter que se esforçar muito para passar a minha casca. Seja como for, a ideia deles era fazer um joguinho de aviões pq ambos são apaixonados pela tema - e já tinham até uma ideia, fariam um jogo ambientado na participação brasileira na Segunda Guerra chamado "Senta a Pua". Nome maneiro, alias.

Porém eles fizeram uma pesquisa de mercado e descobriram que FPS vendia para computadores mais que o dobro de qualquer outro genero. Logo, fazia mais sentido fazer um FPS.

Sendo ambos nerds computacionais de bem, ambos eram fãs de DOOM e pensaram em usar a engine da ID Software... apenas para descobrir que a ID Software cobrava 3 milhões de dolares pelo uso da engine - numeros dados por Gaspar no podcast.

Ainda bem que eles avisaram!

Embora eu não ponha minha mão no fogo pelo número exato, o que eu não posso duvidar é que todas as engines similares daquela época (como a Build Engine de DUKE NUKEM ou a Jedi Engine de OUTLAWS) estavam completamente fora do orçamento de dois brasileiros comuns.

Eles então começaram a programar a sua própria Engine em C++, no que tiveram um certo progresso... antes de chegarem a conclusão que levariam um ano para fazer uma engine funcional ANTES de começar a sequer tocar no jogo. Como eles precisavam de dinheiro para ontem, eles decidiram então fazer um meio termo: comprariam uma engine esquálida da shopee e turbinariam ela com seus próprios conhecimentos. Sabe quando vc compra aquele sandubão vagabundo e coloca vc mesmo o queijo e a mortadela? Tipo isso.

Inicialment eles tentaram a Pie in the Sky engine basicamente pq ela custava apenas 50 dolares. Infelizmente, eles viram pq ela custava apenas 50 dolares e nenhum dos dois era nenhum John Carmac pra dar uma incrementada NISSO:


É, eu também não acho que relançar uma versão do homem pobre de WOLFENSTEIN 3-D em 1997 ajudaria muita coisa. No fim das contas, eles acertaram por volta de USD$ 1500 para usar a ACKNEX-3, uma game engine alemã mais conhecida por ter sido usada... no advergame do Taco Bell. 

Geesh, ser brasileiro definitivamente não é para principiantes...


Mas enfim, dando aquela incrementada com o que eles sabiam de C++ estava resolvida a questão da Engine, Marcos e Odair poderiam finalmente se dedicar a fazer o jogo em si... mas meio que não. 
Isso pq videogames eram, e ainda são, feitos através de um sistema bastante prático: a desenvolvedora faz o jogo, e a distribuidora cuida de todo o resto. Mas tipo TODO mesmo: capa, manual, logistica, criação de midia física, acordos de negócio, impostos, negociar a questão alfandegaria para entrar em outros países (ou em outros estados, dependendo de como o país funciona), marketing, material para a imprensa... a porra toda, e que não é pouca.

Mais importante ainda, frequentemente a distribuidora banca a desenvolvedora enquanto o jogo está sendo feito e ninguém está ganhando dinheiro nenhum. Quando um jogo como BANJO-KAZOOIE é feito, por exemplo, a Rare "só" tem o trabalho de sentar e literalmente fazer o jogo enquanto a Nintendo (que é a distribuidora) diz "ô bonitinha, não se preocupa com os boletos que isso a mãe cuida, só vai fazendo o joguinho aí". 

Claro que quem paga o músico escolhe a música e isso leva a vários problemas envolvendo a distribuidora se envolvendo ou prazos nem sempre realistas para os jogos, mas é assim que a maior indústria do entretenimento rola. Ou pelo menos é para os gringos, pq essa pratica não existia no Brasil na época e Marcos e Odair tinham eles mesmos que bancar tudo e fazer tudo, gastando um tempo e dinheiro que poderiam ser gastos aprimorando o jogo.

Isso sendo considerado, tem que ser dito que o produto final tem uma apresentação que coloca muito, mas muito AAA mesmo de hoje em dia no chinelo. Não apenas a capa do jogo é filhadaputamente bonita (ela foi feita pelo cartunista Marcos Vilela, que os mais jovens devem conhecer do podcast Inteligencia Limitada e os mais antigos da Fabrica de Quadrinhos e por ter trabalho com os irmãos Piologo no Mundo Canibal - HAVAINA DE PAUUUUUUUU feelings!), como o manual do jogo é uma HQ de qualidade poucas vezes vista nestes longos anos nessa indústria vital.

Quero dizer, sério:


É uma coisa de um padrão de qualidade AAA, não ironicamente parabéns a todos os envolvidos!

E alias a apresentação do jogo não é acima do que vc esperaria apenas no manual, a cutscene de abertura é... bastante okay para um jogo da época, na verdade, e não realmente devia muito a qualidade das animações das cutscenes de jogos de PS1 de 1997.  Talvez não dos blockbusters como um SOUL EDGE, obvio, mas não deve muito para os jogos mais mid-tier. Que conste que eu não estou passando pano pq é um jogo brasileiro pq eu não poderia cagar mais para isso de nacionalismo com muito orgulho e com muito amor, eu estou falando isso pq realmente é arrumadinho mesmo.


Não apenas os gráficos são realmente okay para uma cutscene de jogo da época, como Marcos e Odair dublaram os pilotos e para escrever o texto eles conversaram com pessoas da escola militar da aeronautica do RJ para pegar os termos tecnicos.

O que nos leva ao mais fabuloso, colossal, ximpandolfico momento da história dos videogames: aos 0:55 da abertura, o piloto fala "ELE ESTÁ NOS ENRABANDO!". Sim, senhoras e senhores e senhorios, existe na história dos videogames um jogo cujo foi literalmente gravada a frase "ele está nos enrabando"! Eu esperei mil duzentos e quarenta e cinco jogos por esse momento, e ele é glorioso!

É CLARO QUE ELE NÃO DIZ ISSO, EU NÃO ENTENDI EXATAMENTE O QUE É MAS O AUDIO DO JOGO NÃO É MUITO BOM, É CLARO QUE ELE DISSE OUTRA COISA!

Então, não e eu posso provar! Isso pq a versão internacional do jogo é legendada em inglês, e nela tem a descrição desse audio:


O texto é "she's tailing us", o que é um termo comum em perseguições aereas em inglês quando o inimigo está na cauda da sua nave. Só que não existe um termo em portugues para "está nos caudando", então eis que surge o brilhante momento de "ele está nos enrabando".

Se isso não é arte, nada mais é.

E já que começos a falar do jogo, e começamos a falar de arte, suponho que eu deva mencionar então como esse jogo começa, que não é nada senão fabuloso:


Vc está no seu sítio, na zona rural de Varginha, quando o OVNI que tretou com o Jambolão Azul da abertura cai nele. Os aliens então descem para pedir um copo d'água quando percebem que deixaram o Marea ligado e a porra explode. O alien voltando no melhor estilo "tá pegando fogo bicho, puta vida!" é sensacional


Só que infelizmente se os aliens vieram em paz, o mesmo não pode ser dito dos agentes da Força Delta que já chegam metendo o pipoco em tudo que existe - inclusive você. Felizmente, como um bom chacreiro de Varginha, vc pode pular no seu poço que tem uma passagem secreta conectada, uma prática comum entre os Varginianos tradicionais, saiba você.



A passagem secreta no poço permite vc chegar até sua casa de campo... que contem apenas uma mesa e uma metralhadora. Eu entendo que essa escolha de decoração é bastante comum - até padrão, eu diria - nos Estados, mas no interior de MG realmente levanta questões sobre que tipo de pessoa você é. 

E as respostas não são auspiciosas.


Seja como for, a Força Delta guincha a nave dos caras e captura todos os aliens... com excessão desse daí que escapa de ser atropelado por um triz. Menos de 5 minutos no Brasil e já sabem atravessar a rua como um legitimo brasileiro, realmente esses aliens são de uma capacidade de adaptação impressionante. 


Vc vai então falar com o ultimo alien que sobrou, que tão logo vc se aproxima tira sua roupa. Definitivamente os aliens estudaram a nossa cultura a fundo e sabem como pedir favores, eu te digo. Seja como for, ele te pede para resgatar os seus colegas e até te dá um tablet (o que em 1996 deveria valer o PIB da Noruega). E bem, como você está com uma metralhadora na mão e tem uma desculpa para atirar em gringos, pq não, né?

Uma curiosidade interessante é que esse muro que o alien está é a representação do muro onde as meninas dizem terem visto o capeta. Ou o Seu Mudinho, jamais saberemos.


A primeira fase se passa no hospital municipal de Varginha, onde a lenda urbana do caso diz que os militares primeiro levaram os aliens capturados para serem estudados. Pq os militares levariam aliens para um hospital municipal em primeiro lugar é algo que apenas o tempero brasileiro pode dar a uma história, mas é assim que contam.

O mais engraçado disso tudo é que dizem que o exercito fechou uma ala inteira do hospital naquele dia (o que, como tudo nesse caso, as pessoas só "lembram que aconteceu" semanas depois quando o caso já tinha virado lenda urbana e não existe nenhum registro do ocorrido), e supostamente um general do exército justificou que na verdade toda comoção foi porque um casal de anões teve um bebê e a "criatura" foi levada pelos militares, vai vendo.

NÃO, NA VERDADE EXISTE REGISTRO DISSO

Espera, o que?

SIM, O DISCOVERY CHANNEL PASSOU UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O CASO, ONDE UM MAJOR DO EXÉRCITO DESCREVE QUE A CRIATURA NO HOSPITAL ERA APENAS UM ANÃ DANDO A LUZ


Puta que pariu... eu ... não tenho nada a argumentar sobre isso. Quer dizer, é incrivelmente ofensivo chamar anões de "criaturas" e faz zero sentido usar ISSO como desculpa. Tá, para essa daí eu realmente não tenho uma explicação, será então...?


Bem, o que eu posso afirmar de facto é que a fase do hospital é mais bem programada do que vc poderia esperar. Existem dezenas de civis andando pelo hospital (aparentemente aqui os militares não fecharam a area tão bem assim), porém os inimigos só começam a te atacar depois que vc saca a arma, até então vc é apenas outro civil andando.

O que é um grau de sofisticação para um FPS que não veriamos até Medal of Honor, uma mega produção da Eletronic Arts um ano depois. Os clipes de audio do hospital tambem são bastante bons, com civis conversando, auto falante dando anuncios de hospital - embora infelizmente esse jogo renegue nossas origens brasileiras e em nenhum momento tem um chamando "Chamando doutor Hanz Schucrutz, chamando doutor Hanz Schucrutz". Não se pode ter tudo, eu suponho.


E no fim da fase descobrimos que o Hospital Regional Sul de Minas em Varginha tinha, de facto, um compartimento secreto onde estava sendo realizada a autopsia de um alienigina. Ou uma das múmias da versão beta do primeiro TOMB RAIDER, pq esse bicho ficou com gráficos tão ruins que destoam completamente de tudo mais no jogo!


O que é que eles estão tentando nos esconder? Acham que não aguentariamos a verdade? Ou essa É a verdade e talvez seja melhor os aliens não falarem com a gente mesmo, pq puta merda eles são feios pra caralho?

Tantas perguntas, nenhuma resposta.


A segunda fase do jogo se passa na Escola de Sargentos e Armas (ESA) em Três Corações, a mesma instituição que aparentemente não considera que anões são seres humanos e recolhe seus filhos recem nascidos em jaulas para estudos... sério nada disso faz tão pouco sentido que a gente começa a se perguntar realmente que merda foi essa...

Hã, seja como for, a ESA foi tomada pela Força Delta (que levou as coisas dos aliens para lá) e isso te dá passe livre para meter pipoco nos gringo tudo, como Jesus deixou bem claro que gostaria que fosse.

Um fato pouco conhecido pela população brasileira, entretanto, é que a ESA não é apenas uma academia do exército, como ela foi construída sobre um completo de cavernas que parecem saídas diretamente de TOMB RAIDER. Quero dizer, sério:


Agora porque agentes da Força Delta norte-americana estavam brincando de ciranda em um lago uma ruína subterranea em Três Corações-MG, essas são perguntas que jamais teremos as respostas. Assim como porque diabos o cara falou dos anões, desculpem mas eu acho mais fácil explicar os aliens do que essa declaração, puta merda...

Hã, seja como for, no final dessa fase você recupera as tecnologias dos aliens e recebe um briefing com a sua nova missão: um militar desertor está disposto a dar com a lingua nos dentes, desde que vc o mantenha vivo. Okay, beleza, e onde vc encontra esse desertor? Pois bem, acreditem ou não...


... na Praça da Sé, em São Paulo. Tá, eu sei que esse jogo foi lançado em 1998 e nessa época a Praça da Sé ainda não era o maior ponto de drogas a céu aberto da América Latina (talvez do mundo), onde a Policia paulista volta e meia tem que fazer ações para tentar desocupar os traficantes e tornar o local frequentável por quem não pretende tomar uma facada no rim.

Ainda sim, é engraçado pensar que de todos os lugares do mundo, o desertor do exército foi se esconder logo lá. E de toda forma, isso faz desse o unico jogo do mundo que eu consigo lembrar que representa fielmente a maior instituição brasileira dos anos 90: as barraquinhas da camelô.


A segunda parte da fase se passa na estação do metrô, onde vc enfrenta Homens de Preto disfarçado. A julgar pela quantidade, todos eles aparentemente. O engraçado nessa fase é que os Homens de Preto gritam "noooooo" quando morrem, e parece que eles estão se opondo fortemente a pegar a linha Corinthians-Itaquera quando vc se aproxima da entrada.

Aparentemente Tommy Lee Jones é palmeirense, todo dia se aprende uma coisa nova.


O desertor informa que a nave será tirada do Brasil através de um navio na Baía de Guanabara, então é lá que se passa a terceira fase. Que esse navio tem capacidade de transportar uma nave alienígina eu não tenho a menor dúvida, já que ele já está transportando metade da população americana pelo tanto de soldado que vc mata.

Mas enfim, como é contratualmente obrigatório em toda história que se passa no Brasil, eis nossa cena no Rio de Janeiro. Para surpresa de absolutamente ninguém, o Rio de Janeiro é a fase mais perigosa do jogo pq quando eu digo que esse lugar tá abarrotado de soldado, vcs não tão fazendo ideia do tamanho do problema, sério:


No final da fase, você descobre que a nave havia sido levada para a base de Stonedrone... em São Tomé das Letras! Para aqueles que não sabiam (como eu), São Tomé das Letras-MG é a capital brasileira do avistamento de OVNIs, The More You Know!

Isso faz dessse jogo o único jogo na história da humanidade (provavelmente para sempre) onde a última fase do jogo se passa em São Tomé das Letras. Que na verdade é uma fase que dura metade da duração do jogo - sério, esse jogo tem umas duas horas de duração se vc souber o que fazer, essa fase dura pelo menos uma hora.

Seja como for, no fim do dia nosso herói acaba encontrando a nave dos aliens e entra nela, que a leva para a nave mãe, partindo para o infinito e além. Claro, se eu fosse os aliens me preocuparia em levar embora para o meu mundo um cara que não apenas tem uma fazenda com uma mesa e uma metralhadora, e que acabou de chacinar toda população do Missouri apenas de zoeira. 


Mas então, com tudo e dito e feito, no fim do dia  como é esse jogo? Ele é um bom FPS? Bem, o "primeiro FPS brasileiro" (quem diz isso, e isso é dito frequentemente, obviamente ignora DUKE NUKEM 3D do Mega Drive... o que nenhum juri do mundo o condenaria por isso) é um jogo medíocre.
Nenhum jogo baseado em DOOM tem controles lá muito bons. A Build Engine tenta fazer a coisa de vc mirar para cima e para baixo, não apenas horizontalmente como em DOOM, mas honestamente isso não é lá muito bom. E isso na Build Engine, que é um produto de milhões, imagine então na engine da shopee que os brasileiros usaram.

Então tem que esse jogo definitivamente não funciona tão bem assim para movimentar seu mouse, é meio durango o negócio. Outro problema é que a detecção de colisão das armas explosivas definitivamente não funciona muito bem, então quando vc atira com o lança-misseis ou granadas em um ambiente fechado o jogo pode decidir que o tiro pegou na parede e explodir com vc. Sendo que o tiro seguinte feito no exato mesmo pixel o tiro passa.

Isso sendo dito, as armas básicas do jogo funcionam okay. Não fazem nada de especial, mas funciona direitinho. O jogo salva okay (em um sistema confuso em que cada slot de save tinha um nome de uma fase... mas você pode salvar em qualquer um deles), a dificuldade é customizavel, os cenários são surpreendemente povoados por transeuntes e o level design é meio babaca (pegar chaves de um lado para usar do outro lado da fase), mas nada desesperador também.


Não é nada incrivelmente memorável, mas então no que dava pra fazer com essa engine faz tudo certinho. Definitivamente é melhor que REDNECK RAMPAGE, que custou dezenas de milhares de dolares mais do que esse jogo. E honestamente esse jogo não teria nada de memorável, não fosse o fato que um jogo de tiro passado em cenários brasileiros.

Pode parecer tosco hoje, e é, mas então para a época era uma curiosidade interessante. Nenhum jogo do mundo oferecerá tiroteios no meio de barraquinhas de camelô ou em um hospital do SUS. O mais perto que eu lembro de uma sensação assim foi ter jogado Max Payne 3 que se passa no Brasil, mas isso seria algumas decadas depois e alguns milhões de dolares depois. 



Para 1998, em um jogo feito com o orçamento de uma guarana Frioba e um Toblerone sabor manteiga, entretanto é curioso o suficiente para justificar que esse jogo exista. Se tirar o fator Brasil e analisar o jogo apenas por si, ele é beeeeeeem marromenos, okay mas marromenos... mas então, vc não tem realmente como tirar o fator Brasil de um jogo sobre o fodendo ET de Varginha.

Ou seria um jogo sobre o Mudinho? Jamais saberemos.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 133 (Novembro de 1998)