segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

[#1237][Jul/98] SOULCALIBUR

Eu levei aproximadamente sete anos nesse blog para aprender que (por algum motivo) que Rockman se escreve junto mas Mega Man se escreve separado. Vamos ver se eu levo menos tempo que isso para aprender que, ao contrário do que eu pensava, Soulcalibur se escreve junto.


Mas dito isso, vamos começar do começo pq há muito o que ser dito sobre o jogo mais bem avaliado da história do Dreamcast! Pq aqui nós vamos ao encontro da mais waifu!

Antes de realmente começarmos a falar sobre o jogo e precisamos abrir tirando o elefante branco do centro da sala falando sobre o maior aspecto negativo desse jogo, o motivo pelo qual a nota do jogo no Metacritic é 98% e não 100%: a abertura não tem a música rock-anime pauleira anos 90 como seu predecessor o tinha.

Apenas para recapitular, a abertura do jogo anterior SOUL EDGE era essa pedrada:


Aí mermão arrepiou tudo! A abertura dessa continuação aqui, lançada três anos depois definitivamente não conta com uma música que vc consegue imaginar uma rockeira japonea dos anos 80 batendo o cabelão cheio de mousse:


Definitivamente não tem os mesmos HEADBANGER POINTS, porém todavida contudo entretanto essa abertura não é de todo desprezível por um pequeno detalhe que pode passar desapercebido em uma primeira olhada: isso não é um filminho rodando, é uma animação rodando com os gráficos do próprio jogo.

Quando você compara com os outros jogos saídos na época, aí então cai a ficha que esse foi o primeiro jogo com gráficos nível Playstation 2 que veio a existir! Quer dizer, sério, olha só os gráficos de Street Fighter EX 2 que saiu dois meses ANTES:


E esses são gráficos de SC:


Se parece que estamos comparando gráficos de PS2 contra gráficos de PS1, é pq é exatamente isso que está acontecendo e a primeira visão dos gráficos de uma nova geração sempre é uma visão gloriosa. Ou ao menos era, hoje eu tenho muita dificuldade em apontar a diferença entre o PS4 e o PS5, mas divago.

O ponto é que essa abertura rodando com gráficos do jogo mesmo significava que a Namco não estava de brincadeira. O futuro chegou, e ele está na saia da Sophitia balançando graciosamente ao vento!


Claro que mentes menos puras do que a minha imediatamente imaginariam o que a Team Ninja faria de peitões balançantes em Dead or Alive 2 na próxima geração com essas jiggle physics ultra modernas, mas por hora vamos nos focar em roupas e cabelos com um grau de liberdade nunca antes sonhados na história dos videogames, sim?

Poder parecer meio bobo hoje, mas na época eu lembro que a gente via aquela agua renderizada em 60 FPS com lens flare e ficava "uooooo os gráficos não ficam melhor que isso, muito futuro cara!"


Então, é, a gente já abre da premissa que Soulcalibur (ainda tenho que me acostumar a escrever junto depois de uma vida inteira escrevendo separado) é o primeiro jogo da nova geração desembarcando em 1998 estejam vocês preparados ou não. Porém isso não é tudo que esse jogo é, e é aqui que as coisas ficam realmente loucas.
 
Veja, para entender sobre o que esse jogo é realmente, é necessário entender a cena dos arcades em 1998: com exceção dos jogos de luta 2D (onde a disputa ficava entre a SNK e seu universo King of Fighters e a Capcom com seus inúmeros sabores de Street Fighter), todo o resto dos fliperamas era controlado por uma disputa ferrenha entre a Sega e a Namco.


Nos jogos de corrida a Namco tinha os arcades da série RIDGE RACER e a Sega respondia com seus títulos de corrida como DAYTONA USA ou SEGA RALLY. O maior filão dos fliperamas na época eram, obviamente, os jogos de luta e no ramo de jogos de luta 3D as grandes entradas eram TEKKEN da Namco e VIRTUA FIGHTER da Sega.

Ambos jogos tinham propostas bem diferentes: TEKKEN tinha uma pegada mais arcade, macetar botões e fazer combos muito irados, enquanto VIRTUA FIGHTER se propunha a ser quase uma arte marcial que vc tinha que dominar o corpo do seu boneco como se fosse o seu próprio (quer dizer, não o meu pq se eu jogar conforme a minha coordenação motora no mundo real to lascado), usando a fisica da engine 3D do jogo para emular um mundinho semi-real.


Pois muito que bem, estavam então a Sega e a Namco trocando farpas pelo dominio dos arcades, quando em 1995 a Namco passou os coleguinhas pra trás e lançou um jogo de luta 3D que aplicava essa fisica realista (até onde dava, pelo menos) para as armas dos personagens, mudando assim completamente a dinamica do jogo já que agora vc tinha que considerar não apenas o peso do seu boneco e tempo de reação de socos e chutes, mas também o momentum e fisica da arma. Esse jogo, é claro é SOUL EDGE (ou "Soul Blade" no ocidente, tinha uma questão legal nos EUA com o nome já ter sido registrado e por isso a continuação unificou tudo com SOULCALIBUR).

Agora, enquanto SE foi um enorme sucesso e realmente estabeleceu como você usa armas em um jogo de luta 3D (lições que outros tentaram copiar mas falharam miseravelmente em maior ou menor grau, como MORTAL KOMBAT GOLD e Mace: The Dark Age provaram). Mas tá, isso foi em 1995 e mais cedo ou mais tarde a Namco teria que lançar um sucessor para o seu grande sucesso (tente dizer isso três vezes bem rápido sem errar), o que nos leva a 1998 e chegou a hora e a vez de Soulcalibur.


Tá, mas pq eu contei esse contexto todo, que importancia isso tem? Tem que a Namco estava ciente que as pessoas viam Soul Edge como um "Tekken com armas", o que não estava 100% errado já que o jogo foi de facto programado em cima da engine de Tekken. Só que essa conclusão era ruim para a Namco, ela tinha duas franquias de jogos de luta que pareciam disputar o mesmo publico-alvo, a grande diferença sendo que um jogo tinha armas e outro a grande atração eram combos e agarrões.

Hmm, e isso não tava legal pra Namco. Pq olha só, se liga na sagacidade do pai: E SE, veja bem, E SE ao invés de ter duas franquias suas canibalizando uma a outra, a Namco não mudasse completamente a abordagem da continuação Soulcalibur (escrever isso junto tá sendo mais dificil do que eu esperava) para ao invés de competir com o seu próprio Tekken, Soul Calibur (damn escapuliu) abocanhasse o território da concorrencia?


Mais precisamente, com isso eu quero dizer que todos os preceitos gerais de Soulcalibur foram feitos pensando em tirar o filão de VIRTUA FIGHTER 3. Assim a Namco teria duas séries de luta que agora não competiam mais entre si: se vc quer uma diversão mais arcades, combos e eu não sei como eu fiz isso mas eu fiz, então tinha Tekken. Se vc quiser um jogo que emula uma fisica realista (até certo ponto) e vc tem que aprender a lutar considerando o timing, peso e momentum dos bonecos e suas armas, antes só tinha VF, mas agora tem Soulcalibur que é um jogo sobre isso.

Curiosamente, mudar o jogo do jogo para a fisica mais realista ao invés de ippieee-combos, teve o resultado que Soulcalibur acaba lembrando outro jogo de luta que tem essa proposta: BUSHIDO BLADE.


A grande diferença sendo que enquanto BUSHIDO BLADE os bonecos não tem barra de energia e o jogo é sobre esperar o adversário abrir uma brecha na sua defesa para atingi-lo mortalmente em um golpe limpo (ou pelo menos mutila-lo), em Soulcalibur vc espera uma abertura na defesa do oponente para encaixar um combo medonho que vai comer metade da vida dele.

A forma que a Namco escolheu para tornar o jogo mais tecnico e competir com VIRTUA FIGHTER 3, foi - além de polir ainda mais a física do jogo anterior e diminuir sua velocidade (para o jogo ser mais baseado em fisica e menos no vamo que vamo macetando os botões), foi característica inovadora (para a época) que é o sistema de movimento de oito direções. 

Normalmente os jogos de luta desta época usavam o espaço 3D para desvios simples, apenas um sidestep para frente ou para trás. Aqui você pode se mover livremente em qualquer direção com seu personagem continuamente voltado para o inimigo - o que me faz pensar cada vez mais que esse jogo tem muito em comum com BUSHIDO BLADE mesmo. 


Essa mecanica tem grandes vantagens em relação a um simples desvio. Você pode facilmente circular pelas costas do seu inimigo, o que é especialmente útil quando ele está com a guarda aberta após um ataque errado e adiciona várias camadas de estratégia ao combate. Tal qual uma luta de UFC, posicionamento importa.

Claro, isso leva algum tempo para se acostumar, pq pra pular ou atacar rasteiro vc tem que pressionar o botão de ataque enquanto pressiona para cima ou para baixo, caso contrário você simplesmente caminhará naquela direção. O unico outro jogo que eu consigo lembrar que pede pra vc segurar o botão enquanto faz comandos no direcional é PRIMAL RAGE... mas felizmente aqui o sistema é extremamente intuitivo até pq o timing para entrada de comandos e ataques é muito indulgente.

A outra coisa que torna o jogo mais intuitivo é que o ele usa apenas quatro botões: ataque horizonta, ataque vertical, chute e defesa, o que é um conceito bem simples de entender e te dá as ferramentas pra você sempre saber o que está fazendo.


Então essa é a coisa: SoulCalibur tenta fazer uma coisa muito parecida de "entender a fisica do jogo" de VIRTUA FIGHTER 3, mas eu acho SoulCalibur melhor. Os personagens são mais carismáticos, as armas sentem completamente diferente umas das outras e o sistema é bem mais intuitivo do que os quatro botões de VIRTUA FIGHTER 3 (um para cara membro do corpo, não é tão fácil brincar com isso quanto parece).

O que nos leva ao ponto realmente importante aqui: SoulCalibur é um dos títulos de lançamento do Dreamcast, e amplamente cooptou a atenção das pessoas muito mais do que o jogo de luta da Sega. Isso a principio não faria sentido já que se a Namco era a grande rival da Sega nos arcades, pq fazer desse jogo um exclusivo do Dreamcast?


Bem, justamente por isso. A Namco entendeu que a era dos arcades estava terminando ao ponto que a versão de Dreamcast era MELHOR do que a de arcade. Sim, pela primeira vez uma versão doméstica superou graficamente e em jogabilidade o lançamento de arcade, e isso acendeu o alerta para a Namco que esse era o novo tempo de um novo mundo que já começou.

Essa rivalidade não fazia mais tanto sentido,  então a Namco apenas se focou em lançar o jogo no melhor console disponível: e a esse ponto o Dreamcast era o único console da nova geração já lançado.


Como dá pra ver, a versão de Dreamcast (a esquerda) era graficamente melhor que o arcade, adicione a isso todas as opções que só são possíveis em um jogo doméstico como o dobro de personagens, o modo missões (como no primeiro jogo), só que aqui as missões são realmente interessantes como lutar contra o vento forte ou lutar em uma arena repleta de ratos explosivos que vc não pode pisar neles.

A versão Dreamcast até permite que você crie sua própria abertura personalizada para o jogo usando várias cinemáticas. Enfim SoulCalibur não é apenas facilmente um dos jogos Dreamcast mais bonitos já lançados, ele foi o começo do fim da era dos arcades já que o Dreamcast entregava uma experiencia melhor no conforto do seu lar - prática que posteriormente seria seguida pelos outrols consoles deessa geração (o PS2 e o Gamecube, que viriam mais tare). 


Há uma boa razão pela qual Soul Calibur ainda é falado hoje. Isso realmente definiu o padrão para jogos de lançamento, considere-o o SUPER MARIO 64 do Sega Dreamcast. Quero dizer, hoje o jogo ainda parece bonito mas quando o console estava novo nas lojas, era como se tivéssemos pulado várias gerações. Soul Edge é excelente, mas SoulCalibur reimaginou a série mecanicamente até os dias de hoje - tanto que ele é o jogo da Namco mais bem avaliado até hoje, o que dado seu pedigree com franquias como Tekken, isso realmente diz muito. 

O futuro começou aqui.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 131 (Setembro de 1998)


Edição 142 (Agosto de 1998)


EDIÇÃO 143 (Setembro de 1999)


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MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 051 (Junho de 1998)


EDIÇÃO 055 (Outubro de 1998)







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EDIÇÃO 066 (Setembro de 1999)



MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 031 (Junho de 1998)


EDIÇÃO 033 (Agosto de 1998)


EDIÇÃO 037 (Fevereiro de 1999)


EDIÇÃO 043 (Agosto de 1999)