sábado, 27 de janeiro de 2024

[#1225][Jul/98] DEEP FEAR


Embora seja meu dever nesse blog criticar constantemente a Sega...

VOCÊ SABE QUE ESSA NÃO É SUA OBRIGAÇÃO E QUE VOCÊ SÓ FAZ ISSO PQ GOSTA, NÉ?

... caham, dizia que eu tenho que reconhecer a maior qualidade da Sega presente desde os tempos que o Master System apanhava pro Nintendinho até embaixo da lingua: se eles não podem dar o melhor jogo possível para suas vitimas seus jogadores, eles iam lá e faziam o melhor genérico possível para tentar compensar.

Como o jogo só foi lançado no Japão e na Europa (que usa a mesma capa), então como capa alternativa postaremos hoje a do CD com a trilha sonora do jogo e em toda gloriosa poluição visual do qual o marketing japonês tanto se orgulha

Com isso eu quero dizer que se a Sega não tinha a licença para fazer um jogo do ROBOCOP, eles iam e inventavam o similar genérico E-SWAT: CITY UNDER SIEGE. Não tem FINAL FANTASY? Mete PHANTASY STARFINAL FIGHT  teve port só para Super Nintendo? A Sega fazia o seu próprio, vulgo STREETS OF RAGE. E assim por diante.

As vezes essas versões ficavam melhores que o produto original (quero dizer, E-SWAT: CITY UNDER SIEGE é muito melhor que qualquer jogo do ROBOCOP... não que precisasse de muito para isso), as vezes não, mas o ponto é que a Sega tentava dar ao seu jogador aquilo que ele via na concorrencia e ficava babando.

Verdade que isso era muito mais comum na época do Master System e no começo da vida do Mega Drive (em algum ponto eles passaram a tentar competir fazendo ports dos arcades sem entender que, apesar de terem qualidade, não são suficiente para manter um consoles doméstico), mas então é dramaticamente apropriado que o ultimo jogo produzido pela Sega para o fracasso que atende pelo nome de Sega Saturn seja justamente um jogo que remete as suas raízes.

As propagandas dos anos 90 certamente eram uma coisa, não?

Explico: enquanto existe de facto uma versão de RESIDENT EVIL para o Saturn, a carreira dos survival horror no console da Sega meio que termina por aí. E enquanto todas as crianças do país curtiam esse novo genero em títulos chocolatantes como PARASITE EVE ou RESIDENT EVIL 2, ou ainda títulos que viriam em breve pra arrebagar a boca do balão como Dino Crisis ou Silent Hill, os donos de Saturn podiam apenas ficar olhando pra concorrencia e chupar o dedo.

Bem, não no turno da mamãe Sega, eu te digo! Porque se o Saturn não teria um novo survival horror por parte das third partys, então ela própria faria o seu próprio survival horror com putas e blackjack!

... ok, talvez sem putas e blackjack, mas ela faria o seu novo RESIDENT EVIL mesmo assim!

Nosso protagonista, John Mayor, um homem atormentado pelo fato que sua waifu 2D jamais se tornará 3D

Veja, a coisa de Deep Fear é que ele é frequentemente chamado de "o RESIDENT EVIL da Sega", mas eu sempre tendo a levar essas comparações com uma pitada de sal porque elas são bastante preguiçosas na maior parte do tempo. Tipo TODO action RPG dessa época é chamado de "clone de THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST". Mas todo, não falha um - incluindo até mesmo  BRAVE FENCER MUSASHI que de Zeldinha tem muito pouco e parece mais com ALUNDRA. Não que o próprio ALUNDRA não tenha sido chamado de "clone de THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST", mas enfim.

Eu digo isso então pra não levarem nada a sério quando um jogo dessa época é chamado de clone de alguma coisa... com exceção de Deep Fear, esse não é apenas um "clone RESIDENT EVIL", esse jogo é a Sega tentando literalmente recriar RESIDENT EVIL do seu próprio modo. Com isso eu quero dizer que se esse jogo tivesse sido feito pela Capcom, eu não teria a menor dúvida que eles apenas pegaram a engine de RESIDENT EVIL e mudaram os gráficos - como não foi, ele é mais a Sega tentando recriar o jogo da Capcom da forma mais fiel possível na base da orelhada.

Deep Fear não apenas tenta ser um survival horror que é "a versão da Sega de outro jogo famoso", eu quero dizer que ele foi programado linha por linha de código para ser exatamente RESIDENT EVIL. E por isso eu quero dizer que a movimentação é exatamente a mesma, as ações que o seu boneco faz são exatamente os mesmos, a jogabilidade é 100% a mesma, até os efeitos sonoros são EXATAMENTE os mesmos! Sério, eles copiaram os efeitos sonoros de RESIDENT EVIL ipsis literalis, um por um!

Sabe aquele meme de "copia mas não faz igual"? Bem, foda-se ele, a Sega realmente tentou fazer igual o mais perto que pode e se me disserem que a Sega fez engenharia reversa ou usou o código-fonte da programação do port de RESIDENT EVIL para Saturn, eu ficarei bem pouco surpreso. E por "bem pouco", eu quero dizer absolutamente nada.

Uma vez estabelecido que Deep Fear não é um "tipo de RESIDENT EVIL" e sim um copia/cola do mesmo... quer dizer então que isso é tudo que esse jogo é? Então, não. A Sega foi um passo além e adicionou o seu próprio molho especial a coisa, e acreditem ou não, melhorou a formula... mais ou menos.


Porém para entender o que a Sega adicionou aqui, primeiro é preciso entender o cenário que a narrativa se passa - o que é uma coisa boa, o cenário do jogo ser importante para suas mecanicas é algo que eu totalmente aprovo já que esse não é um caso onde tanto faz e o jogo poderia ser ambientado em qualquer lugar. Ao menos começamos bem, isso tem que ser dado a Sega!

Então nossa história começa com uma capsula de foguete espacial caindo em algum ponto do oceano Pacífico. Você sabe, essas coisas que são feitas para flutuarem para que o astronauta da NASA possa ser resgatado, e não para afundar como um tijolo de seis furos...


... porém alguém aqui claramente não leu o manual direito e a coisa afunda como um tijolo de seis furos. Oh bem, então a marinha dos US and A manda um submarino recuperar a capsula e tudo ia muito bem, não fosse que apenas após algumas horas de fazer contato com a capsula o submarino perde totalmente a comunicação.

Em silencio de rádio absoluto, o submarino se dirige a estação submarina mais próxima - uma instalação subaquatica construída a beira da Fossa das Marianas para estudar a vida marinha, chamada de Big Table. Para surpresa de absolutamente ninguém, o submarino está sem controle e apenas bate no Mesão. Não é preciso ser um Xerox Rolmes aqui para deduzir que alguma coisa errada não deu certo, e que alguma coisa estranha voltou do espaço junto com a capsula espacial.


Se isso não é dica o suficiente, o fato que quando o time de resgate da Big Table (liderados por John Mayor, o seu personagem) vai até o submarino verificar o que aconteceu... o local está tomado por monstros no melhor estilo PARASITE EVE. É, algo errado definitivamente não está certo aqui...

Após uma breve fase introdutória as mecanicas do jogo, João Prefeito e seu time voltam para a Big Table... trazendo consigo um único sobrevivente do submarino. Qual a chance disso dar merda?

Então aqui temos uma primeira diferença bastante grande para RESIDENT EVIL, que é o tom do jogo. Enquanto RE é um filme de zumbis trash em forma de jogo, Deep Fear tenta ser menos "A Madrugada dos Mortos-Vivos" e mais uma versão 32 bits de "The Thing". Você está numa estação isolada do mundo com um elenco já estabelecido, e não sabe quem está infectado ou não e vai virar uma "coisa" a qualquer momento - inclusive existe até a discussão que eles não podem voltar para a superficie e levar essa "coisa" com eles, exatamente como no filme do João Carpinteiro. Tematicamente é bem diferente.

O que não necessariamente quer dizer melhor, apenas diferente. E, verdade seja dita, o cenário de Deep Fear, a estação subaquática Mesão e sua aparência estéril, não tem nem de longe o mesmo charme da mansão de RESIDENT EVIL, da delegacia de polícia de RESIDENT EVIL 2 (mesmo que eu ainda ache que aquela delegacia não faz sentido nenhum) ou da cidade-titulo de Silent Hill. É uma troca intencional aqui: sai a variedade de cenários que normalmente vc encontra em um survival horror, entra uma sensação claustrofóbica permanente que eu tenho que dizer que até funciona a favor do jogo... até certo ponto. 

Veja, se Deep Fear fosse um jogo mais curto eu não teria nenhuma questão a respeito disso e até aplaudiria de pé o ambiente clautrofóbico. No entanto, com a duração que o jogo tem (é quase o dobro da duração de RESIDENT EVIL), o cenário acaba ficando meio monotono depois de um tempo. Felizmente, os inimigos são bem menos monotonos que isso, desenhados pelo aclamado artista japonês, Yaushi Nirasawa, conhecido por trabalhos como designer de monstros da série Kamen Rider e ter trabalhado junto com Del Toro nas concept arts dos monstros de Hellboy.


Porém não é apenas uma questão temática que diferencia esse jogo daquele cuja programação foi emulada, existe uma diferença mecanica também: estando preso numa base submarina, o ar é uma questão muito importante.

AH NÃO, NÃO VAI ME DIZER QUE ESSE É UM SURVIVAL HORROR COM LIMITE DE TEMPO? PQ SE FOR PUTA IDEIA BOSTA, CARA...

Então, é. Mas meio que não. Veja, logo de cara quando eu entendi que nesse jogo se preocupar com a quantidade de ar disponível em cada sala seria uma questão, eu tive essa mesma preocupação. A Sega já tinha tentado uma mecanica assim em BURNING RANGERS, e eu não posso dizer que funcionou naquele jogo. Verdade que eu não sou muito fã de limite de tempo em jogos, e honestamente não conheço alguém que o seja.

Só que BURNING RANGERS é um jogo de ação, e se ter um limite de tempo lá é ruim, imagine em um survival horror que o ritmo é bem mais lento e que explorar o cenário e aprender o mapa é parte intrinseca da experiencia, não tem como dar certo, né?

Então, a noticia ruim é que não, é óbvio que um survival horror com limite de tempo não tem como dar certo. Essa é uma ideia bastante bosta na verdade. A noticia boa, entretanto, é que a Sega está plenamente ciente disso e não é exatamente assim que funciona. Quer dizer, existe sim a questão de gerenciar o ar que resta em cada sala, mas isso é usado como um recurso para aumentar a tensão do jogo e não para frustrar o jogador. É uma linha fina que separa uma coisa da outra, mas ouso dizer que a Sega soube navegar por ela com muita sabedoria aqui!

Como a coisa funciona: cada sala tem um contador de quanto oxigenio resta nela na tela (e o jogo trackeia cada sala individualmente, o que é mais do que eu esperaria da memória do Saturn) e quando acaba nosso Prefeitão da Massa coloca o seu respirador - que tem sua própria barra de O². A coisa é, entretanto, é que a estação é dividida em setores e alguns setores tem reguladores de oxigenio que repõe o ar. Alguns, não todos.

Assim, os setores que a Sega quer aumentar a tensão em um ponto especifico, não tem como repor o ar, é pra dar nervousor mesmo. O truque aqui é que esses setores são lugares que vc vai passar poucas vezes, então é pra dar aquele pico de adrenalina mesmo.

Já as sessões que vc vai transitar pra cima e pra baixo com mais frequencia tem um regulador de ar. Então enquanto não é um passeio no parque e vc não pode ficar mosqueando, o jogo não é deliberadamente cuzão com vc e tem como vc ir até a salinha especifica e recarregar as coisas. Vc nunca está 100% confortável - já que vc ainda tem que ir lá recarregar o ar - mas também não está com o cu na mão o tempo todo.

E essa direção de design do jogo é brilhante, eu diria que é a ideia mais elegante que a Sega já teve para um jogo desde que resolveu a questão de como lidar com dano de um personagem se movendo em alta velocidade com o sistema de energia de SONIC THE HEDGEHOG.

A mão da direção sabendo quando apertar e quando afrouxar a tensão é nada senão brilhante, especialmente ao genero que esse jogo se propõe: esse é um survival horror, afinal, e saber conduzir o ritmo é tudo sobre o que horror é.

Adicione a isso que temos um elenco bem mais interessante que o de RESIDENT EVIL: John Mayor está cercado de vários personagens clichês em Big Table, mas usados de uma forma a tornar o jogo mais memorável. O amigo mais próximo do Prefeitão é Mooky, um grande torcedor dos Yankees que encontrará qualquer oportunidade de criar o time de beisebol... e que também acontece de ser negro. Eu não vou dar spoilers aqui, mas vcs sabem o que acontecia com personagens negros nos filmes de terror dos anos 80, né? A Sega certamente sabe.

De qualquer forma, ele instantaneamente tem mais personalidade do que qualquer um no Resident Evil original. Dubois (ou Duboa, como seu nome está inexplicavelmente escrito diferente nos créditos) é um retrato tremendamente ofensivo de um homossexual como só os anos 90 poderiam nos dar e o oficial superior do Mayor, Clancy, muitas vezes fala sobre sua tripulação e a situação que eles estão de uma forma que parece um grande aceno para o público, sobre como toda essa situação parece muito com um filme B.

E, saiba você, eu também achei a história desse jogo bem mais interessante que a de RESIDENT EVIL. Ao invés de uma mega corporação do mal que odeia o bem because money fazendo merda, temos um cenário bem mais interessante: 

[SPOILERS AHEAD] nos 70, a NASA iniciou um estudo sobre viabilidade de criogenia para fins de viagens interestelares - já que é óbvio que ninguém ficaria vivo os milhares de anos necessários para viajar de uma estrela a outra.

Um desses experimentos foi colocar um macaco em estado criogenico em órbita, e lá ele ficou pelos últimos 40 anos - que é a capsula que aparece caindo no oceano no começo do jogo. Alias é por isso que ela afunda: como ela já tem mais de 40 anos, seus sistemas obviamente não funcionam como deveriam e o sistema de flutuação não ativa.

É muito inteligente como a idle animation do João é na verdade um plot point: ele é imune a ser infectado pela bactéria mutante pq ele estava gripado, e por alguma razão a bactéria não consegue lidar com o vírus e a coisa não desenvolve


Pois muito que bem: quando o submarino vai lá recuperar a capsula, eles descobrem uma coisa terrível que é que enquanto o macaco até que passou bem ao processo de criogenia... as bactérias que viajaram com ele passaram 40 anos tomando radiação espacial na fuça e mutaram para uma nova forma de vida. Então esse parasita que infecta as pessoas e animais e cria os monstros que vc enfrenta no jogo não é nenhuma forma de vida alien, mas sim uma simples bactéria da Terra mesmo que sofreu uma mutação após tantos anos tomando radiação cósmica. 

E quer saber? Eu achei essa ideia muito boa. Eu nunca tinha pensado sobre isso, mas é bastante verdade que por mais esterelizados que os astronautas sejam, nossas expedições espaciais sempre vão levar de carona bactérias e outras formas de vida da Terra, e muita pouca atenção é dada a isso. Com efeito, lembro que não a tanto tempo atrás a sonda Cassini encerrou sua missão de estudar Saturno (o planeta, não o videogame) e suas luas, e ao fim da missão a NASA programou sua órbita final para que ela se desintegrasse na atmosfera e nada dela chegasse a Saturno, justamente para evitar a contaminação de bacterias terrestres caso exista algum tipo de vida organica se desenvolvendo lá de alguma forma. [FIM DOS SPOILERS]

A ideia de coisa é essa: Deep Fear pega o código-fonte de RESIDENT EVIL (tão bem quanto a Sega conseguiu chegar dele, ao menos) e adiciona uma mecanica nova que aumenta a sensação de NERVOUSOR, tem personagens mais memoraveis (com uma dublagem pior ainda, se vc acha que o Jill Sandwich é o apice da dublagem ruim é pq não viu as dubladoras que viraram uma cartela de Diazepam antes de gravar aqui e parecem prestes a cair no sono a qualquer momento) e uma história bem mais interessante.

LOGO, ESSE JOGO É UMA PEROLA BRILHANTE DA SEGA PERDIDA NAS AREIAS DO TEMPO POR TER SIDO LANÇADO APENAS NO JAPÃO E NA EUROPA, MAS NUNCA NOS ESTADOS UNIDOS?

Então... não. Enquanto Deep Fear é, de fato, um survival horror bastante competente e a Sega realmente acerta em coisas muito inteligentes aqui... ela também erra em algumas outras que não podem ser facilmente ignoradas. DF faz algumas coisas de forma bem errada, e não são coisas pequenas.

Pra começar, não dá pra ignorar o ponto mais premente desse jogo e que eu citei várias vezes até aqui: ele usa a engine de RESIDENT EVIL (ou ao menos a versão da Sega para ela)... em 1998. O RE original saiu em março de 96, utilizar essa engine quase dois anos e meio depois não é algo do que a Sega possa se orgulhar - especialmente não em um mundo em que RESIDENT EVIL 2 existe.

O mapa é bastante funcional como em RE, adicionando a informação do quanto de ar resta em cada sala

Então espere uma jogabilidade bem mais dura que os survival horror da época apresentavam, bem menos armas, bem menos tipos de animação, enfim menos de tudo do que se esperaria de um jogo de 1998. Porém se fosse só isso ainda tava bom, o problema é que nem isso a Sega faz lá muito bem.

E por isso eu quero dizer que a hit detection nesse jogo é simplesmente terrível. Eu literalmente fiquei na frente de alguns inimigos com uma espingarda e errei porque ... sei lá, o jogo entendeu que eu não estava no ângulo certo. Esse problema só não é pior pq a maior parte dos inimigos neste jogo são lentos e estúpidos. O protagonista é ágil e vc consegue passar pela imensa maior parte dos inimigos sem precisar lutar. E mesmo os inimigos rápidos não são muito problema pq herdam o gene estúpido como seus irmãos lentos: eles atacam e correm uma ou duas vezes antes de atacar novamente.

Então enquanto eu não posso elogiar que o combate é ruim, ao menos ele é pulável. O ideal seria que fosse divertido acertar os bichos como em RESIDENT EVIL 2, mas vá lá, isso ainda ao menos dá pra pular.

O menu, além de parecer muito de RE, tem a novidade stackar itens (então gerenciar inventário não é uma quetão aqui, gerenciar o ar é o suficiente pra esse jogo) e colocar um item para ser usado no shortcut do botão Z - o que pode ser itens de cura ou granadas (especialmente as de ar que recarregam o O2 da sala)

O que não dá pra pular é que puta que o le pareo, como esse jogo enche linguiça. Pense que esse jogo tem o dobro de duração de RE, mas não muito mais conteúdo que ele. Então como eles preenchem o tempo? Enrolando.

Um exemplo bem básico de como esse jogo funciona: em determinado momento, vc precisa sair da estação e caminhar pelo fundo do oceano pra chegar em outro lugar. Pra isso, vc precisa de um traje submarino de caminhada subaquatica que é chamado de Big Jim.

Pois muito que bem, quando vc chega no Tiagão, vc descobre que ele está sem tanque de oxigenio. Aí vc tem que voltar lá no outro canto da estação para pegar a camara de gas, apenas para descobrir que não dá pra pegar pq a camara que ela está está cheia dagua.

Dubois (de roxo) tem uma dublagem tão afetada que parece um personagem de South Park que caiu de paraquedas no jogo

Aí vc tem que voltar no Big Jim e alguém vai te dizer que vc precisa de uma arma de goma para selar o buraco na parede da sala e poder pegar a camara de gas. Aí vc vai atrás da pessoa que tem a arma de goma e ela te pede outra coisa em troca.

Aí uma vez que vc tem a arma de goma e consegue selar o buraco na sala que tem a camara de gas, tem que ir em outro lugar agora bombear a agua pra fora da sala. Uma vez que a sala está sem agua só então vc pode pegar o negócio que falta e voltar lá no Big Jim, que agora dá pra usar.

E isso é UMA coisa e até relativamente pequena que vc precisa fazer, agora imagine que o jogo inteiro é uma sequencia de fetch quests assim! Tá, eu sei que RE não é exatamente literatura russa ao te pedir 4 medalhões para abrir uma porta, mas ao menos a Capcom tem a decencia de não DOBRAR a duração do jogo só com esse tipo de bullshit. A Sega, por outro lado, não tem a menor vergonha de fazer isso. Mas nem a menor. Ai é foda.


Tem ainda a questão que enquanto a Sega acertou bastante na coisa do gerenciamento do ar, eu não posso realmente dizer o mesmo no que tange aos inimigos: eu sinto que Deep Fear é uma fusão dos dois primeiros Dino Crisis. Permita-se explicar, o Dino Crisis original focava na escassez de inimigos e de munição. O jogador tinha que tomar decisões estratégicas com suprimentos para progredir no jogo. Enquanto Dino Crisis 2 era mais um jogo de arcade. O jogador tem uma quantidade absurda de armas e em equilíbrio o jogo teve uma quantidade absurda de inimigos. Deep Fear junta ambos quando está essencialmente dando ao jogador a mesma quantidade absurda de poder de Dino Crisis 2, mas mantendo uma população inimiga semelhante à encontrada no Dino Crisis original... e talvez essa não seja a melhor combinação possível para um survival horror? 

É fácil para o jogador eliminar todos os inimigos de uma área criando um território seguro, já que ele te fornece munição e itens de cura que podem ser recarregados infinitamente. E a medida que o jogador avança, ele ganhará cartões de armazenamento que lhe darão acesso a armas ainda mais fortes ou carregar ainda mais munição nas armas que vc já tem. Então… você tem munição ilimitada e itens de cura ilimitados contra inimigos limitados que não reabastecem seus números. Os chefes são um pouco mais desafiantes porque a maioria deles te obriga a lutar em cenários apertados, mas não tanto pq vc ainda vai ir pra luta do chefe sempre com a munição e a vida no estoque máximo.

Esse jogo tem algo que RE não tem: waifus insectoides

Resumindo, enquanto eu majoritariamente gosto do jogo e especialmente das ideias dele, não tem como ignorar seus defeitos. Deep Fear é um bom experimento que poderia ter sido ótimo com um melhor planejamento e design de jogo, embora tem que ser considerado que a essa altura a vida útil do Saturn já tinha subido no telhado e o Dreamcast seria lançado em poucos meses de toda forma, então eu meio que entendo que a Sega não colocou nesse jogo o polimento que seria necessário para ele ser uma obra prima.

Os criadores realmente tiveram ideias brilhantes, e em um universo paralelo pelo menos ele teria sido segurado pra sair para o Dreamcast onde seria tudo que ele poderia ter sido. Mais um jogo para o capítulo do "grandes jogos que poderiam ter sido mas jamais foram", infelizmente.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 131 (Setembro de 1998)

MATÉRIA NA GAMERS
Edição 033 (Agosto de 1998)