Existem alguns casos em que a história do desenvolvimento dos jogos é mais interessante do que o jogo em si (alias ontem mesmo eu citei WAY OF THE WARRIOR, que é um grande exemplo perfeito disso), porém eu acredito que nenhum jogo exemplifica isso melhor do que o jogo de hoje, Duke Nukem 3D!
ESCUTA, TU TÁ TOMANDO TEUS REMÉDIOS DIREITO? PQ SÉRIO, TU JÁ FALOU DE DUKE NUKEM 3D A QUASE DOIS ANOS ATRÁS
Oh não, voz na minha cabeça oriunda da falta de luz do sol e interação humana, dessa vez não é alucinação minha. Dessa vez. O jogo que eu vou falar hoje não é o FPS de PC que foi portado para PS1/Saturn/N64. Não, o jogo que eu quero falar hoje é Duke Nukum... DE MEGA DRIVE. Segura aí que o bagulho vai ser louco!
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Apesar de nunca ter sido lançado fora do Brasil (até 2015, pelo menos, quando foi relançado mundialmente), o pouco texto que o jogo tem é todo em inglês. O pq disso, jamais teremos uma resposta |
Suponho que eu não precise explicar que na metade 1998 o Mega Drive estava morto e enterrado no mundo inteiro, diabos, o Sega Saturn já estava numa plataforma e São Pedro estava contando "10, 9, 8...". Bem, isso é, no mundo inteiro salvo no Brasil pq o Brasil é uma singularidade onde as regras do espaço-tempo não se aplicam realmente.
Mais precisamente, o Brasil tinha dois pontos chaves que faziam as coisas tocar diferente por aqui. O primeiro, é claro, era a pobreza - videogames nunca foram baratos, e mesmo que a gente pirateasse todo mundo e a mãe de todo mundo com muito orgulho de faze-lo, ainda sim não era uma tarefa simples migrar para a próxima geração. Mesmo que fosse só a questão do console pq os jogos a gente roubava na cara dura e foda-se, ainda sim não era uma tarefa trivial e muita gente ainda estava no Super Nintendo ou pior ainda, presa ao Mega Drive. Pobres almas.
O segundo ponto que diferenciava o Brasil do resto do mundo era a Tec Toy: como distribuidora oficial da Sega no Brasil, a Tec Toy sentiu no bolso que o Saturn era uma canoa furada que não ia a lugar nenhum senão para o fundo do lado. E como eles tinham boletos a pagar, a saída da Tec Toy foi continuar dando suporte aos consoles antigos da Sega que já tinham uma base instalada.
Eles faziam isso seja portando jogos do Game Gear (que era o portatil que a Sega ainda dava suporte com jogos novos) para o Master System (já que era basicamente o mesmo hardware) com jogos como X-MEN: Mojo World, seja tentando criar seus próprios jogos do zero como CASTELO RA-TIM-BUM ou FÉRIAS FRUSTRADAS DO PICA-PAU... no que eu sou obrigado a dizer que eles não eram muito bons nesse segundo caso.
Mais precisamente, era mais um caso de PAI PQ NOS ABANDONASTE COMO PODE ESSE JOGO SER TÃO RUIM UM GORILA COM LUVAS DE BOXE PROGRAMARIA MELHOR QUE ISSO. Ou algo assim.
Mas muito que bem, o ponto é além desses dois tipos de jogos, a Tec Toy também estava enveredando por um terceiro tipo de jogo nacional: o downgrade de jogos de uma geração superior. Ao invés de passar jogos de um hardware do mesmo nível para outro (como Game Gear e Master System), eles estavam pegando jogos de uma plataforma superior e passando para o Master System.
Foi assim que a Tec Toy fez para o Brasil, e apenas para o Brasil, versões de EARTHWORM JIM, MORTAL KOMBAT 3 e STREET FIGHTER 2. Essa ultima inclusive tem uma história particularmente interessante contada pelo Stephan Arnhold, presidente da Capcom na época.
Quando eles foram mostrar a versão de STREET FIGHTER 2 que eles tinham feito para o Master System para os japoneses da Capcom, empregaram um truque bem interessante: como o Master System aceita o controle do Mega Drive, eles pegaram e deram um controle de Mega Drive para os japoneses testarem o jogo.
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Tal como o Naruto, os controles de SF para Master System são meio duros as vezes e soltar magias é uma profissão de fé. Quem souber como faz as magias de carregamento (tipo o Sonic Boom do Guile o Mini Taxi da Chun-Li, enviar cartas para a redação) |
Obviamente que os japas acharam que ficou ó, uma bosta, e nem fodendo que eles iam licenciar para a Tec Toy fazer um port do jogo. Foi aí que ele revelou que TAN-DAN-DAAAAN, aquele jogo não estava rodando em um Mega Drive e sim em um Master System, ao que os japoneses ficaram boquiabertos dado que nem eles achavam possível fazer STREET FIGHTER 2 rodar em um console de 8 bits sem a coisa implodir numa bola radioativa termonuclear de sofrimento e dor.
Então, sim, a Tec Toy estava toda e não estava prosa com essa coisa de fazer downgrades, ao passo que o próximo passo era tentar uma coisa infinitamente mais ambiciosa: ao invés de portar um jogo de Mega Drive para Master System, era hora de tentar portar um jogo de Saturn para o Mega Drive!
Mas seria isso possível?
A ideia era fazer para o Mega Drive uma coisa que chamasse bem atenção, e o que mais chamaria mais atenção do que fazer um genero que não havia para o Mega Drive! Sim, a Tec Toy decidiu que meteria as caras e faria o primeiro FPS para Mega Drive ever!
E BLOODSHOT?
O que tem BLOODSHOT?
UÉ, ESSE É UM FPS LANÇADO PARA O MEGA DRIVE NO COMEÇO DE 1995 - TRES ANOS ANTES - O JOGO DA TEC TOY NÃO SERIA O PRIMEIRO
Vê, Jorge, é por isso que ninguém gosta de você (e por conseguinte ninguém gosta de mim, já que você é só uma voz na minha cabeça). Sim, tá, tecnicamente existe BLOODSHOT para o Mega Drive, e agora que eu satisfiz você e as três pessoas em todo multiverso que lembram que esse jogo existe, podemos prosseguir?
Pois então, a ideia da Tec Toy era pegar um titulo que ainda estivesse quente nas prateleiras dos consoles da próxima geração e a versão de Nintendo 64 de DUKE NUKEM 3D sairia no final de 1997, então ainda tava fresca na memória.
Ajudava muito também que a Tec Toy não teria que negociar diretamente com a criadora do jogo - a 3D Realms - pq se fosse isso essa seria uma tarefa bem mais complicada já que o criador usualmente se preocupa com a imagem da marca e eles não iam deixar qualquer porcaria sair com o seu nome ...
... hã, não sairia sem pagar um preço por isso, eu quero dizer. Molhando a mão dos caras vamo que vamo, mas diñero era um problema para a Tec Toy. Felizmente para eles, os direitos de distribuição do jogo estavam com a GT Interactive que havia sido a mesma distribuidora de
DOOM, o plano da 3D Realms era apenas dar na mão dos caras e dizer "faz pra gente a mesma coisa que vocês fizeram pra
DOOM".
Bem, e a GT Interactive fez com DN3D a mesma coisa que fez com
DOOM: quem chegar com dois toblerones e uma bala Xaxá no bolso leva a licença para publicar o seu jogo. Alias uma curiosidade que não tem nada haver com isso, mas esses dias uns
malucos fizeram Doom rodar NUMA BACTÉRI INTESTINAL , isso sim que é levar a sério a coisa de fazer o jogo funcionar em qualquer bagaça heim?
Mas enfim, a Tec Toy fechou um bem bolado com a GT Interactive (eles não tinham o Toblerone, mas tinham dois chicletes Ploc com figurinha da Xuxa) e conseguiu os direitos. Agora era só fazer o jogo, certo?
..."só". Heh.
Então, essa é a coisa: enquanto existe um port de
DOOM para Super Nintendo, porém ele usa o chip Super FX 2 (o mesmo usado para macetar os sprites em
SUPER MARIO WORLD 2: YOSHI'S ISLAND), ele não rodava no console no pelo mesmo.
Como colocar chips extras seria tecnicamente possível mas não fácil (é uma coisa que o Mega Drive não foi feito para trabalhar), isso encareceria o projeto e por conseguinte o custo do cartucho... e todo o ponto desse projeto era vender um superfluo para pessoas que não tinham dinheiro em primeiro lugar, hã, colocando assim me pergunto como a Tec Toy já entrou em concordata umas 15 vezes pelo menos, mas divago.
Então é, a coisa é que eles teriam que fazer um FPS rodar no seco no Mega Drive e isso não parecia ser tecnicamente possív...
MAS BLOODSHOT NÃO TINHA FEITO ISSO TRÊS ANOS ANTES?
Jorge, sério, pela última vez, se tu falar desse jogo mais uma vez eu vou te dizer onde tu vai enfiar esse
BLOODSHOT. Mas respondendo a sua pergunta, eca, BLOODSHOT é uma bosta que roda numa tela de 4 pixel por 8 pixels (foi a forma que dava pra rodar), e mais importante que isso, nunca foi lançado fora da Europa. Então provavelmente a Tec Toy não conhecia esse jogo, ao que nenhum juri do mundo a condenaria.
EU gostaria de não ter conhecido aquele jogo, mas isso é outra história. Ah sim, tambem existe uma versão de
DOOM para 32X... e ele também é uma bosta, consegue ser pior até que a versão de Super Nintendo.
Então, é, a Tec Toy estava embananada tentando fazer um jogo que eles não faziam a mais remota ideia de como fazer - não pelo custo que eles podiam pagar, ao menos - e esse teria sido o fim da história não fosse que é agora que surge ela, a inefavel, a trauliticitante, a onipresente lendária arte nata do brasileiro: A GAMBIARRA!
Pq é claro que os brasileiros iam achar um jeito de gambiarrar essa porra, até porque do contrário não teria jogo e esse post seria mais sem proposito que... bem, esse post já é bem sem proposito, mas divago...
Seja como for, eis o que a Tec Toy fez: alguns dos caras da equipe haviam trabalhado na tradução de
PHANTASY STAR para o português.
PHANTASY STAR, saiba você, é um RPG de Master System que as dungeons são em primeira pessoa
Claro, é um "primeira pessoa" absolutamente primitivo sem mais nada rolando na tela. Mas então é um RPG de Master System de 1987, não dá pra esperar muito disso realmente. A parte que nos importa realmente, entretanto, é que como a Tec Toy fez a tradução de
PHANTASY STAR para português eles sabiam mexer nos códigos do jogo.
Então se liga na macetada GOSTOSA que a Tec Toy fez: eles pegaram a programação das dungeons de
PHANTASY STAR, adaptaram pra rodar no Mega Drive mais rápido (o que obviamente que o Mega Drive era capaz de fazer) e então adicionaram alguns .png (bem, tecnicamente não é isso, mas é pra vc entender a ideia) e voilá! Temos um FPS rodando no Mega Drive!
Sim, em níveis de gambiarras nunca antes vista na história da humanidade, os caras pegaram um RPG de Master System de 1987 e macetaram a porra pra ser um FPS baseado em um IP popular na época. Vou te dizer, o brasileiro só não coloniza todo o sistema solar por pura preguiça, pq criatividade pra dar um jeitinho não falta.
E essa é a história de como Duke Nukem 3D veio a ver a luz do sol no Mega Drive na metade de 1998. Ficou bom? Então...
Eu não vou nem entrar no mérito do som soar como dois gatos amarrados a uma torradeira dentro de um tambor de latão rolando morro abaixo, pq é do chip de som do Mega Drive que estamos falando afinal, mas o problema é que todo o resto do jogo não é muito melhor que isso realmente.
Pra começar, não espere realmente esse jogo seja um port de
DUKE NUKEM 3D, suponho que isso está meio óbvio a essa altura. Não existe o conceito de altura e todas as paredes são quadradas. Portanto, este jogo está muito mais próximo de
WOLFENSTEIN 3-D, mas até aí tudo bem. Não é necessário criar caso por isso.
Claro que eu gostaria de poder dar dinheiro as strippers como todo cidadão decente que joga
DUKE NUKEM 3D, mas a gente tem o que a gente consegue. Também não espere muitas frases de efeito do nosso herói, até pq nas poucas vezes que ele fala parece que teve um derrame. Mas novamente: isto é um jogo de Mega Drive, já era de se esperar
que isso acontecesse.
Então, quando vemos o jogo pelos seus próprios méritos, este jogo julgado por si mesmo e não pelo titulo que ele carrega, ele vale a pena?
Para começar a framerate e os controles são... alguma coisa. É definitivamente são alguma coisa. Quer dizer, eu realmente não tenho ideia em momento algum para o que eu estou apontando e se os meus tiros estão na linha certa, um problema que os inimigos obviamente não compartilham e atiram com a precisão de snipers finlandeses
O fato de quase nenhum inimigo não dropar vida nem munições quando morrem não ajuda muito também, tanto quanto o fato que desde os primeiros inimigos eles absorvem mais tiros que todas escolas americanas juntas
Isso torna o jogo dificil ao ponto do injogável, passar o primeiro nível é uma profissão de fé especialmente quando o dito nível tem inimigos que a Tec Toy esqueceu de programar para eles poderem ser mortos com ataques corpo-a-corpo. Se acabou a sua munição, e a quantidade de tiros que vc gasta pra cada inimigo (somado ao fato que vc não te noção exata de onde está mirando) vai garantir que acabe bem rápido... se fodeu, mermão.
E mesmo que vc passe do primeiro nível (não que vc vá, mas vai que use um cheat ou algo assim), não tem muito mais depois disso de qualquer maneira. Os gráficos não mudam muito e diferenciar a última fase da primeira não é tão fácil assim.
Então é, apesar de Duke Nukem 3D ser impressionante de um ponto de vista técnico, no fim do dia você só pode fazer uma gambiarra de um RPG de Master System de 9 anos atrás funcionar como FPS até determinado ponto. E no caso desse jogo, o ponto não é lá muito longe não.
Vale pela curiosidade histórica de como o Brasil rolava na história dos videogames, mas assim como o Brasil, os jogos da Tec Toy não são para principiantes. Nem para veteranos. Nem para ninguém na verdade.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 131 (Setembro de 1998)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 055 (Outubro de 1998)