Mal faz uma semana que eu estava comentando nesse blog como Resident Evil é uma franquia esquista: é o carro chefe de um dos generos mais populares da sua era no PS1 de uma das maiores empresas do mundo dos games... e ainda sim as continuações do clássico RESIDENT EVIL tem histórias de produção problemáticas, com jogos refeitos em cima do prazo, ideias rushadas, o tipo de coisa que você vê essas histórias e não diz que essas são superproduções milionárias e ultra aguardadas de uma das franquias mais populares do planeta!
Ainda sim, RESIDENT EVIL 2 teve um desenvolvimento problemático para dizer o mínimo (conforme eu contei naquele texto), e RESIDENT EVIL 3: Nemesis... meu deus... por onde eu começo? Quer dizer, essa coisa nem era pra ter sido RE3, era pra ter sido um spin off de ação (a história toda eu contei na review desse jogo também). Enfim, o primeiro RESIDENT EVIL foi um dos jogos que marcou sua geração (gerando dinheiro infinito para a Capcom no processo, claro) e vc realmente não esperaria que as continuações fossem a bagunça que foram. Só que foram.
Minimalismo é uma coisa, mas essa capa japonesa, depois não sabe pq ninguem lembra desse jogo, né Capcom? |
Mas E SE... veja bem, E SE houvesse de fato uma Resident Evil feita com o orçamento, tempo e carinho que um dos maiores títulos da decada merece? E SE realmente Shinji Mikami tivesse se trancado no banheiro com revistas da Yua Mikami e anunciando que apenas escreveria esse jogo com o pipi duro? E SE RESIDENT EVIL tivesse tido a continuação feita com a calma e carinho que merece?
Bem... ao invés de dizer que tal jogo existiu, eu vou fazer melhor isso, vou deixar o criador de Resident Evil, o homem, o mito, a lenda, Shinji Mikami dizer o que ele sente a respeito:
"A empresa nos pediu para torná-lo [RESIDENT EVIL 3: Nemesis] um título numerado. Então tivemos que alterá-lo para que pudesse satisfazer mais jogadores, isso foi difícil. No final das contas, é um título numerado da série Resident Evil, mas a qualidade é um pouco na extremidade inferior.
Por outro lado, Resident Evil - Code: Veronica, que não é um título numerado, esse jogo é um título que merecia mais ser numerado. Não acabou se tornando um devido a problema político entre a Capcom e a empresa fabricante de consoles."
Não é muito claro de qual "empresa fabricante de consoles" ele está falando pq eu já ouvi várias versões de pq Code Veronica não foi Resident Evil 3 - algumas dizem que é decisão da Capcom, outras que a Sony comprou a exclusividade da "série principal", e até mesmo tem versões que foi decisão da Sega para atrair jogadores que não estavam no Playstation e portanto se sentiriam deslocados começando uma franquia do terceiro jogo.
Seja como for, o ponto é que RE:CV pode não ser Resident Evil 3 de papel passado no cartório, mas em valores da produção, ambição, esforço dos desenvolvedores, orçamento e relevancia pra história narrativa da franquia. Diabos, eu diria até que Codigo Veronica Decide Morrer em alguns aspectos mais Resident Evil 2 que o próprio RESIDENT EVIL 2!
O marketing do começo dos anos 2000 era... hmm... ele era... hã... né? |
Mas vamos começar pelo começo: nossa história aqui se passa três meses após os eventos de RESIDENT EVIL 2. Claire Redfield conseguiu sobreviver ao apocalipse zumbi que se tornou a cidade de Raccoon City (até onde eu sei, "Raccoon City" é o nome da cidade, então ela é a cidade de Raccoon Cidade?), e agora está numa jornada pessoal para encontrar seu irmão - Chris Redfield.
E por onde anda Cristiano Campo Vermelho? Após ELE ter sobrevivido ao horror da mansão Spencer em RESIDENT EVIL (que é o único jogo da série que se passa tecnicamente em uma mansão, alias), ele iniciou uma cruzada pessoal para acabar com a Umbrela Corporation, a responsável pelo vírus que causou a porra toda.
Então Clarissa decidiu que uma boa forma de encontrar o seu irmão que sumiu nessa guerra pessoal dele seria ELA atacar as bases da Umbrella e esperar se deparar com seu irmão no caminho - ou ao menos chamar atenção dele fazendo isso, pelo menos. O que não é de todo ruim, afinal a Umbrella é o mal que o odeia o bem encarnado e atrapalhar o dia dela sempre é uma coisa positiva - seja qual motivo que for.
A causa é nobre, de certa forma, só tem um pequeno problema: Chris é um veterano treinado do equivalente desse mundo da SWAT, Claire é uma garota que até três meses atrás tinha como maior problema conseguir ingressos para o show da Taylor Swift. Eu não vou negar que passar uma noite sobrevivendo ao apocalipse zumbi realmente ensina coisas a uma pessoa em tempo recorde, mas ainda sim... vamos dizer que Claire Redfield não é o John Wick.
O resultado disso foi que o seu ataque a uma base da Umbrella em Paris não acabou tão bem quanto ela poderia esperar. E por isso eu quero dizer que ela foi capturada e despachada para uma base não-listada na América do Sul onde ela seria usada como cobaia em experiencias da Umbrella. Tem dias que as coisas não dão certo, né?
Mas calma que piora. Isso pq alguma terceira força não identificada atacou a ase da Umbrella na América do Sul e aconteceu o que vc imagina que acontece quando um laboratório de vírus experimentais é atacado: a coisa se espalho pela ilha toda, caos, na terra, dedo no cu e gritada, nada acontece feijoada. Você sabe, o pacote completo. E esse é realmente um momento bem ruim pra estar em uma cela no meio dessa putaria toda, né não Clarissa?
Felizmente, o ultimo dos guardas da prisão havia sido mortalmente ferido no processo e pensou "eu vou morrer mesmo, não tem porque deixar essa cocotinha ir junto". O poder da gadice liberta Claire, que agora precisa explorar uma ilha lavada de zumbis e achar uma forma de picar a mula dali - o que, obviamente, ela só vai conseguir fazer descobrindo os segredos nefastos da ilha Rockfort.
E tão logo o jogo começa, tão logo o jogo te dá o controle de Clarissa, a primeira cena do jogo já te dá a morta de como as coisas mudaram: Claire acende um isqueiro na sua cela, e agora Resident Evil tem iluminação dinamica! Pela primeira vez na franquia, o jogo não usa mais .jpg de cenários pré-renderizados como cenário, e sim gráficos 3D gerados pelo próprio console em tempo real.
MAS ISSO É UMA COISA BOA? OS CENÁRIOS PRÉ-RENDERIZADOS SÃO MAIS BONITOS
São. Vc tem computadores termonucleares da NASA trabalhando 24/7 durante meses para gerar um foto bonitaça para ser o seu cenário, nenhum videogame de 1999 tinha como competir com isso. MAS, contudo, todavia, entretanto... o próprio videogame fazer os gráficos permite algumas flexibilidades, como pode exemplo ter total controle da iluminação. O que, eu suponho que não precise explicar muito, é uma coisa fodendamente importante em um jogo de terror.
Como dá pra ver, RESIDENT EVIL 3: Nemesis mesmo sendo uma geração anterior permite cenários mais complexos devido a usar cenários pré-renderizados, porém ao custo de serem .jpg estáticos |
Da mesma forma como fazer gráficos no console permitiu brincar com a camera e gerar cenas bem dirigidas em SILENT HILL, aqui o poder gráfico do Dreamcast dá a Shinji Mikami as ferramentas para fazer o terrorzão cagacalça que ele sempre quis fazer.
E honestamente, a atmosfera de Code Veronica é de longe o ponto forte do jogo: tirando as cenas risíveis e as entradas bregas de diário, a atmosfera do jogo em si é enervante e misteriosa. A música é usada com moderação, as tomadas da câmera demoram desconfortavelmente e a exploração em ritmo impecável e uma renovação a conta gotas de inimigos eliminados (enquanto sua munição não se regenera de forma alguma) criam uma experiência memorável e perturbadora.
Code Veronica atinge um passo estelar entre quantidade de inimigos e munição, um dos elementos-chave do survival horror afinal, de modo que enquanto você tem munição suficiente para abrir caminho, vc nunca está realmente confortável para limpar todo e cada inimigo do jogo - com efeito, esse é o Resident Evil mais Ronaldinho Dribrador Edition até então, pq vc não tem recursos o suficiente para lutar com todo mundo.
Vc tem menos munição, os inimigos precisam de mais tiros pra matar, os espaços são mais apertados. Escolha bem as suas lutas, pq o que te mata aqui é a atrição: não é raro você terminar a luta com um chefe, vencer, e ver que na verdade tem que recomeçar pq gastou toda munição que tinha.
Isso faz de Code Veronica o Resident Evil mais dificil na série até então, não é uma luta em particular que te quebra mas o design do jogo foi feito para te causar stress e ansiedade desde o primeiro minuto. Em um jogo de terror, as ferramentas que o jogo tem para afetar o jogador são bastante limitadas, quando você pensa sobre isso.
Quero dizer, o jogo não pode te ameaçar diretamente pq... bem, é um jogo, ele não tem realmente como te machucar ou fazer qualquer mal a você jogador. Ele não pode nem muito ameaçar o seu personagem, porque qualquer coisa é só recarregar o jogo salvo. Então com o que um jogo de terror pode te perturbar psicologicamente?
Bem, o que ele PODE fazer é isso, é esfregar sal na ferida pra estressar o jogador onde ele realmente pode sentir medo, e Veronica entende isso magistralmente. Se vc quer um survival horror pra sentir o medo que um jogador REALMENTE pode sentir, perder 5 horas de jogo. Ainda sim, e isso é muito importante, o jogo não é injusto: ele te dá as ferramentas, e gerenciar eles é o jogo aqui. E a esse ponto não acho que algum outro survival horror tenha jogado esse jogo melhor que isso.
Porém, e aqui está o que eu achei a parte mais genial de Mikami nisso tudo, mesmo um jogo de tensão e ansiedade precisa de um respiro. Quer dizer, isso ainda é um jogo, não uma propaganda de Ritalina de seis horas... sem uma quebra de ritmo ele seria literalmente mono-tono, e a menos que você seja o Zack Snyder, vc não quer isso. Mas que hora vem esse momento que vc pode finalmente relaxar os ombros e parar de contar quantos slots de inventário e balas ainda te restam?
Essas seriam as cutscenes do jogo, o momento que vc pode dar aquela expirada gostosa e sorrir, pq a breguice aqui ultrapassa limites mesmo para os padrões de Resident Evil, saiba você! No verdadeiro estilo clássico de Resident Evil, esta aventura de Claire Redfield é contada por meio de diálogos que parecem ter saído do Google Translate, balbuciados por atores excessivamente sérios que inalaram hélio.
Toda coisa gira em torno do bizarro, porém alterna entre o tão bizarro que é ridiculo e o bizarro que é tipo "wow, isso é... errado... tipo muito...", mas seja como for, as cutscenes do jogo nunca deixam de te entreter e dar o respiro que vc precisa da já citada tensão do jogo.
O que Clarissa Campovermelho descobre que na verdade ela foi levada para uma base da Umbrella que pertence a família Ashford. Mais precisamente, no final dos anos 70 os irmãos Spencer e Edward Ashford fundaram a Umbrella Corporation para estudar e explorar um vírus muito raro descoberto na Africa capaz de reescrever o DNA quase instantaneamente.
Entretanto, Ashford e os Spencer não chegaram a um acordo sobre qual deveria ser o melhor uso desse vírus: os Spencer queriam usa-lo como arma biológica, o Lord Ashford via como uma ferramenta de eugenia para a raça humana. Desnecessário dizer que a linha de pensamento dos irmãos Spencer teve muito mais sucesso, de modo que a Umbrella efetivamente criou o T-Vírus nos laboratórios da mansão Spencer (o que é o primeiro jogo da série).
Lord Ashford, entretanto, se retirou da sociedade, obcecado em atingir seu objetivo. O nome de sua família caiu em desgraça e nunca mais se ouviu falar dele... até então. O filho dele, Alexander Ashford, encontrou uma forma de fazer o vírus original reescrever o DNA de um ser humano sem que ele perdesse sua capacidade cognitiva, ou seja, sem virar um zumbi que é o grande problema do T-Vírus. A forma como ele conseguiu isso é que é o puro suco de Resident Evil, entretanto.
A família Ashford já foi uma das mais respeitadas e poderosas do mundo, e graças ao legado de sua fundadora matriarca, Veronica Ashford. No século XIX, Veronica Ashford era um gênio tão fora da curva que aos dez anos de idade já tinha obtido um mestrado e falava fluentemente pelo menos uma dúzia de idiomas. Suas capacidades mentais acima do humano transformaram uma pequena casa nobre britanica em uma das maiores potencias do mundo - algo que se perdeu com o tempo, dado que seus descendentes não tinham as capacidades de Veronica.
Só que as coisas ficam Resident Evil-like quando seus descendentes decidiram que preservariam o corpo dela e o idolatrariam como uma espécie de figura messianica. Assim, para resolver o problema aparentemente sem solução do vírus original, Alexander Ashford decidiu que buscaria respostas estudando o corpo da sua antepasado Veronica - ao que ele, acreditem ou não, isolou o "gene da inteligencia"... seja lá o que isso for...
Não satisfeito, como prova de conceito ele criou dois clones do cadaver da véia e usando seus estudos de isolar a inteligencia, trouxe ao mundo duas crianças genio. Bem, uma criança genio e outra que não deu lá muito certo. Aos 18 anos de idade, o clone chamado de Alicia já era pelo menos tão inteligente quanto Veronica e ajudou seu pai a resolver o problema do vírus, criando assim o vírus T-Veronica. 294 de QI e um gosto merda pra nomes, mas ok.
Alicia então testou o vírus no seu pai, e não deu muito certo. Ela modificou um pouco o T-Veronica, supostamente corrigindo os seus erros, e então testou nela mesma. Vamos dizer que as coisas vão full PARASITE EVE daí pra frente.
Essa é uma versão resumida da história, mas imagine isso narrado da forma mais brega com os personagens mais melodramáticos possíveis, adicione o retorno de Albert Wesker que por algum motivo agora é o Devil May Cry e faz todos milhares de kung-fus superhumanos, um garoto Sasuke-emo que quer muito gadar a Claire e não sabe como, e Christ Redfield com toda sua capacidade de atuação de um Steven Seagal se assumindo como grande rival do Wesker. Se isso não é arte, não sei mais o que seria.
Vou dizer pra vocês, eu não tava botando muita fé em RE:CV não. Quer dizer, um exclusivo do Dreamcast que depois da morte dele foi portado para PS2 e Gamecube mas ninguem ouviu falar mesmo assim? E com esse título de spin-off ainda por cima? Mas no fim do dia, Código Veronica é tudo que Resident Evil pode vir a ser: evolui não apenas o jogo anterior mas o genero todo de survival horror mecanicamente na tensão que passa para o jogador, sua história começa a se expandir com ares épicos (pela primeira vez é mencionada a origem da Umbrella, e é sugerido que o virus original é uma coisa bem maior que só uma empresa do mal que odeia o bem) porém sem perder toda tosquice de filme B que amamos e esperamos de Resident Evil.
Eu realmente acho que Mikami estava certo: esse jogo realmente merecia ser o Resident Evil 3 e quem sabe assim teria o reconhecimento que merece como melhor jogo da fase clássica inicial da série. O que não deixa de ser adequado como o primeiro The Best Of Exclusivo do Dreamcast: mesmo quando a Sega tem o melhor survival horror de todos os tempos até então, consegue de alguma coisa deixar isso escapar e esse ser um jogo que bem pouca gente conhece. Because Sega.
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