segunda-feira, 18 de abril de 2022

[#863][MEGA] LIGHT CRUSADER [Dezembro de 1995]

Hã, isso é estranho. Deveras estranho, com efeito. Quer dizer, a Treasure é a empresa que mais sabia tirar dos recursos do Mega Drive - bem mais que até do que a Sega entendia do seu próprio hardware, pq a Sega é pateta desse jeito, um ponto que eu repito frequentemente aqui. E não sem razão os jogos da Treasure eram (e ainda são) muito reconhecidos no Mega Drive: jogos como DYNAMITE HEADDY ou GUNSTAR HEROES são jogos que fazem o console cantar fino no que ele era capaz de fazer.

E por isso mesmo é bastante estranho que justo a Treasure tenha um action RPG totalmente obscuro. E nem é que EU nunca ouvi falar (já que eu tive uma familia que me amava eu cresci com o console bom), ele frequentemente figura em lista de jogos obscuros. Mas pq um jogo logo da Treasure,  que foi devidamente lançado no ocidente, seria "obscuro"?

Eu gosto como na capa japonesa do jogo nosso herói parece estar completamente de saco cheio dessa merda

Iniciando o jogo, a coisa toda parece ainda mais estranha pq segura essa manga: em uma cidadezinha da Putaquepariu do Oeste as pessoas estão desaparecendo, então o rei chama um cavaleiro para descer na dungeon perto da cidade e macetar a porra toda. Agora, espera aí um pouco... uma cidade isolada (que serve como hub para comprar itens e falar com NPCs) onde um cavaleiro tem que ir desbloqueando níveis em uma masmorra?

Eita porra, isso é basicamente Diablo! Então a Treasure, fucking e queridinha de todos megamaniacos Treasure, fez Diablo para Mega Drive e ninguém fala disso? Que porra é essa, Jorge?

MAS OI? EU NEM FALEI NADA AGORA

Ah sim, desculpe atrapalhar o seu sono. Seja como for, o que pega aqui é que Light Crusader é um action RPG... e a ação e o RPG não são os pontos fortes do jogo. Em primeiro lugar, o termo "RPG" é usado bem abertamente aqui porque enquanto você fala com as pessoas na cidade após terminar um andar da dungeon, não é mais profundo do que você veria nas cutscenes de qualquer jogo de plataforma.

Pessoas desaparecendo não é o que eu chamaria de "amazing", mas tá né...

E enquanto existem equipamentos para upgradear o seu personagem, vou dizer pra vocês que eu não senti qualquer diferença no jogo. Sério, a primeira espada causa tipo 11 de dano em um goblin (dá pra saber pq o jogo exibe os números na tela), a segunda causa 13. Uau, mudou minha vida heim champz?

Enfim, se a parte do RPG é basicamente inexistente, a ação beira o catastrófico: seu ataque tem um alcance ridiculo, a hit detection é pior ainda e essa camera isométrica não faz realmente nenhum favor ao jogo. Você sabe que o jogo não é um bom jogo de ação quando sua primeira reação ao encontrar um inimigo é suspirar e dizer "putz...".

Por outro lado, esse é um dos poucos jogos que eu lembro que você tem como movimento de ataque se dar uma égua voadora!

Para adicionar ofensa a injúria, esse é um daqueles jogos que você tem que passar algumas horas grindando os inimigos para acumular itens de cura já que devido aos problemas acima mencionados (hit detection ruim e ataque com alcance curto), os chefes enormes na tela (que são verdadeiras esponjas de dano, aguentam vários minutos de porrada) devoram sua vida como se estivessem sendo pagos pra isso. Yay, fun...

Sério mesmo, olha o tamanho do chefe, o alcance dele na tela e o quanto de porrada ele toma sem perder nem um tequinho de vida...

UAU, EU NÃO SABIA QUE A TREASURE PODIA FAZER UM JOGO TÃO CATASTRÓFICO PARA O MEGA DRIVE...

Então, aí que está a coisa Jorge, eu gostei de Light Crusader.

NANI?! MAS SE O JOGO É TÃO FRACO EM SER UM RPG E ABERTAMENTE RUIM EM SER UM JOGO DE AÇÃO...

Sim, isso tudo é verdade. Mas também é verdade que quando você não está lutando, a parte de exploração das masmorras é bem legalzinha. Isso porque você consegue ver que a Treasure realmente colocou esforço foi aí: os mapas das masmorras não apenas são interessantes, como várias salas são resolvidas através de puzzles.

Isso não é particularmente novidade, jogos como LANDSTALKER ou EQUINOX já faziam isso de você ter que "resolver a sala" pra avançar na dungeon. O que Light Crusader faz de diferente, entretanto, é que enquanto esses jogos citados usam um grid no qual o movimento de cada objeto na sala é travado e padronizado, aqui a Treasure tenta algo bem mais ambicioso: o jogo tem um sistema rudimentar de fisica onde é possível empurrar os objetos para qualquer direção (incluindo diagonais) e bem frequentemente você tem que pensar fora da caixa para macetar a física do jogo.

Aqui, me deixa dar um exemplo:


Você tem que empurrar o barril explosivo de baixo pra impedir que a plataforma desça, pra que o barril de cima continue no mesmo nível e possa ser empurrado até a porta para explodir ela. E o jogo é replato de puzzles legais assim, que eu genuínamente me diverti resolvendo eles.

Além disso, o jogo tenta coisas interessantes em cada andar da dungeon (são 6 níveis), como o andar que é repleto de goblins para lutar, mas você pode pegar um disfarce de goblin o que não só vai fazer eles pararem de te atacar, como passa a dar para falar com eles. A maioria dos goblins vai dizer coisas como que você fede como um humano ou que você é o goblin mais feio que eles já viram na vida (o que é muito bom), mas permite que você troque um item em particular por uma chave que você precisa para continuar.

Saltos em visão isometrica normalmente são uma desgraça, mas aqui... também. Eles tentaram deixar mais floaty, o que torna menos pior, mas ainda é bem complicado. Pelo menos vc não é muito punido ao cair, ao contrário de Landstalker por exemplo

Sim, eu sei que não é algo que se diga "minha nossa, é The Witcher 3 essas sidequests", mas é definitivamente bacaninha e dá pra ver que a Treasure colocou esforço e pensamento no design dos andares e dos puzzles. E enquanto é fácil "estragar" um puzzle empurrando uma peça pra uma posição que não tem como recuperar ela (tipo colando na parede), todos os puzzles são rápidos então sair da sala e entrar para começar de novo não é a pior coisa do mundo.

Outra coisa que eu gosto muito nesse jogo é o sistema de magias. Para lançar feitiços, Sir David deve primeiro encontrar ou comprar pelo menos um dos quatro elementos e selecioná-lo na tela do menu. Mas eis o truque: combinar diferentes elementos resulta em uma magia diferente que pode ser ofensiva ou defensiva. Sir David pode banir mortos-vivos, invocar meteoros e criar uma barreira protetora ao seu redor, para citar alguns. Experimentar as diferentes magias e usá-las para explodir salas cheias de inimigas é um dos poucos aspectos satisfatórios no combate de Light Crusader.

Por exemplo, combinar Terra e Agua summona uma fadinha que fica atacando os inimigos, combinar Ar, Fogo e Terra cria uma saraivada de lasers.

Então, resumidamente, essa é a coisa de Light Crusader: o esqueleto de um grande, de um lendário jogo está lá. Os puzzles são divertidos, a tentativa de implementar fisica no Mega Drive tem que ser aplaudida, os níveis da masmorra são bem desenhados e o sistema de magia é criativo e divertido. É realmente uma pena que um jogo com uma alma tão bonita está preso em um corpo todo troncho, com um sistema de combate que beira níveis Amiga de ruindade.

Que LC é o pior jogo da Treasure não pode ser disputado, mas ainda sim eu posso respeitar jogos que erram tentando acertar. E eles quase acertaram. Quase.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 011 (Fevereiro de 1995)


Edição 022 (Janeiro de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 007 (Março de 1996)