segunda-feira, 25 de abril de 2022

[#867][PC] HEXEN: Beyond Heretic [Outubro de 1995]


A Raven Software é uma desenvolvedora... curiosa. Ao longo dos anos inúmeros anos nessa indústria vital, muitas empresas foram engolidas pelas areias do tempo dado que esse não é um negócio fácil de se sobreviver - você tem que matar um leão por ano e o direito de errar é muito curto, especialmente para os pequenos.

E quando eu digo que muita gente não sobreviveu, eu to falando de gente reconhecida e outrora graúda como a Maxis (famosa pela série SIM CITY) ou a gigantesca Midway que está em praticamente todas a Ação Games da história com seus MORTAL KOMBAT e NBA JAM. Não importa o quão colossal você seja, o tombo está logo ali a um ano ruim de distancia.

Marketing dos anos 90, um dos grandes mistérios insondáveis da humanidade

Mas isso sendo dito... então como é que a Raven Software sobrevive aí firme e forte até hoje? Justamente ela que provavelmente nenhum de vocês ouviu falar.. e esse é o segredo da sobrevivencia deles. A Raven sempre foi um estúdio de suporte mais do que uma desenvolvedora própria, e com isso seus riscos eram -  e ainda são - bem baixos.

ERA UM QUE DE QUE?

Então, as vezes um estúdio tem uma carga de trabalho além das suas capacidades. Tipo todo mundo na sua empresa está ocupado e vc não vai terminar as arvores do capítulo 12 a tempo do prazo de entrega. O que você faz nesse caso? Atrasar o jogo inteiro é uma puta facada na bunda, vc tem que pagar o salário de TODO MUNDO por tipo mais seis meses sem receber nada (já que o jogo não está sendo vendido ainda, ele não lançou). Outra opção é tocar o foda-se e lançar de qualquer jeito, que é o que muitas empresas fazem, mas aí você é um cara de mamão que está lançando uma coisa incompleta.

Esse é um jogo que você pode transformar os inimigos em porco, ou o tiro sair pela culatra. O famoso FPS - Finally a Pig Simulator!

Então a solução mais barata e que vai queimar menos o seu filme é apenas terceirizar o trabalho, especialmente se for trabalho braçal que consome tempo mas não envolve muitas escolhas - como no meu exemplo, renderizar as arvores por exemplo. E é justamente nisso que a Raven se especializou, eles são um estúdio que como uma remora vive de fazer esses bicos para estúdios maiores. Por exemplo, enquanto a série Call of Duty ("apenas" uma das franquias mais populares e vendidas do mundo) é feita pela Infinity Ward, desde 2010 partes braçais dos jogos são feitas por ele. Hã, doze anos carregando piano numa das franquias mais populares do mundo... dá pra viver disso, heim?

E isso é algo que a Raven faz desde sempre basicamente, nos anos 90 por exemplo eles eram brothers da ID Software. Sim, aqueeeela ID Software, mais conhecida por DOOM (que é o jogo mais linkado desse blog de tão relevante que ele é). Por isso mesmo quando a Raven propos fazer ela própria um jogo pra chamar de seu, pediu uma mão pra ID Software e os seus senpais não apenas fizeram a mão de publicar o jogo como emprestaram seu megastar John Romero para dar umas aulas de level design.

Esse é um jogo cuja solução de um puzzle envolve socar um sino com nada senão seus punhos e fúria. Eu posso respeitar isso.

E foi assim que nasceu a série Heretic, que foi basicamente o John Romero sentando com a Raven pra brincar com a Doom Engine (que a própria ID não usava mais, eles já estavam trabalhando em jogos verdadeiramente 3D). Assim, "Hexen: Beyond Heretic" é a continuação de Heretic como o nome pode dar a entender. Assim sendo, vamos ver mais de perto a treta aqui, sim?

No mundo de Parthoris haviam sete grandes nações humanas, e mais no cantinho deles os elfos Sidhe. Esses elfos tinham uma antiga profecia do armagedão, e essa veio a se realizar quando surgiram três terríveis Cavaleiros da Serpente vestidos de preto. Bem, se os caras se chamam "Cavaleiros da Serpente" e se vestem de preto, se isso não é um sinal do armagedão eu não sei mais o que seria.

Olhando em retrospecto, talvez as pessoas devessem ter tido um mal pressentimento sobre esses Serpent Riders...

Esses Cavaleiros Serpente eram grandes feiticeiros, e controlando os reis dos setes reinos acabaram com todas as guerras do continente. Isso os fez serem adorados como messias salvadores pelo povo, o que era exatamente o objetivo deles. Quanto mais os Cavaleiros Serpentes eram adorados, mais controle sobre o livre arbítrio das pessoas eles tinham. Uma vez que todos os sete reinos foram dominados, os dois Cavaleiros mais velhos partiram, deixando o Cavaleiro Serpente D'Sparil sozinho para concluir os preparativos do armagedão.

Só quem não caiu nesse papinho foram os elfos, que reconheciam um armagedão acontecendo na frente deles e mandaram um sonoro "tomate cru é vitamina, como tu e tua prima" quando os emissarios dos reinos (já dominados) exigiram que os elfos adorassem os Cavaleiros Serpentes.

É a Salsa Ardente do Senho, aleluia!

O que fez D'Sparil os nomear como hereges (daí o nome do jogo original) e isso resultou em perseguição, ódio e genocídio por parte dos reinos humanos para com os elfos. Os elfos foram, de fato, massacrados e sua cultura rapidamente exterminada... até que um elfo chamado Corvus disse "AHVAPAPUTAQUEOPARIU" e decidiu resolver a coisa ele mesmo - e essa é a aventura do jogo, Corvus passando o rapa até pegar D'Sparil de porrada.

Bem, D'Spari comeu capim pela raíz, mas lembra que eu disse que os outros Cavaleiros Serpente picaram a mula pra tocar terror em outros lugares? Hexen, o segundo jogo da série, é sobre o que aconteceu com o segundo Cavaleiro Serpente, Korax.


Kori-boy tentou dominar sozinho um mundo governado por um triunvirato entre a igreja, exercito e magos. Nesse jogo você escolhe um dos personagens (o líder da igreja, do exército ou dos magos), e então os outros dois líderes venderam a porra toda para Korax - o que significa que você enfrenta os personagens que você não escolher como chefes, o que é cool.

Isso de escolher o personagem é importante porque esse é o grande diferencial desse jogo para os outros FPS da época: existem três classes para escolher, cada uma com jogabilidade levemente diferente. O mago dispara magias que consomem mana, o que não é tão diferente de um FPS que usar armas afinal, o guerreiro usa apenas machados e espadas, ou seja apenas armas corpo a corpo, e o clérigo usa um pouco de cada com maça e cajados mágicos.

TÁ, TUDO ISSO É MUITO BONITO, A HISTÓRIA É MUITO LEGAL, MAS... COMO ISSO É REALMENTE DIFERENTE DE JOGAR DOOM SEM USAR AS ARMAS?

Então, Jorge, essencialmente... não é. 

Hexen é um jogo que usa a engine de DOOM (com upgrades visuais e tecnicos, claro, foi lançado dois anos depois) onde todas as armas de plasma de alta tecnologia e lançadores de foguetes foram substituídos por espadas e feitiçaria. Em vez de Cyber-Demons, existem apenas demônios normais. O Space Marine of Phobos trocado por um elenco de arquétipos de RPG (um Fighter, um Wizard e um Cleric), mas fora isso é esssencialmente a mesma coisa.

MAS ESPERA, PELO MENOS DUAS DAS TRÊS CLASSES NÃO TEM ACESSO FÁCIL A ATAQUES A DISTANCIA, ISSO SE APLICA AOS INIMIGOS TAMBÉM? PQ SE ELES CONTINUAREM ATACANDO A DISTANCIA COMO EM DOOM VAI FICAR BEM DESIQUILIBRADO CONTRA O JOGADOR!

Ah Jorge, Jorge, Jorge... sua inocencia me comove. Obvio que eles cagaram pra isso e esse é um dos principais problemas de Hexen: ele é mais dificil que Doom (que já é um jogo dificil) justamente porque na maior parte do tempo vc só tem um ataque corpo a corpo não realmente mais forte do que o soco desarmado em Doom... e é isso.

Sério, eu contei: vc precisa de sete golpes de maça pra matar um demonio regular. Não um chefe, não um especial, um inimigo regular. Sete hits. Aí fica dificil, o sistema é bruto meu amigo.


O outro problema é que o level design é MUITO mais ambicioso. O que não é ruim per se, mas a forma que eles executam é... complicada. Ao invés de fases lineares de Doom (não que os labirintos de Doom sejam simples), aqui você tem um hub com 4 a 6 fases. Você navega livremente pelas fases, entra, sai, e pega chaves em uma fase para usar na outra, ou resolve puzzles em uma fase que vão abrir uma porta na outra.

O que pode ser muito legal quando feito direito (na verdade, esse é essencialmente o esquema de Demon's Souls, então dá pra dizer que dá MUITO certo), mas o que acontece aqui é... isso:

- Você usa a chave do fogo, aparece essa mensagem:
"As escadas se ergueram nos Sete Portais."
- Você caminha de volta até o hub dos Sete Portais, sobe as escadas que surgiram e aperta um botão
"Uma porta se abriu no Guardião do Gelo."



- Você caminha de volta até a fase do gelo, procura UMA PORTA no mapa inteiro (onde? Te fode ae nerdão), e quando você encontra a porta, navega a nova area e no fim ativa outro botão.
"Metade do quebra-cabeça foi resolvido nos Sete Portais." 

Mas oi? DE QUE PORRA DE PUZZLE VOCÊ ESTÁ FALANDO? Não apenas eu não faço a mais remota ideia do que o jogo está falando, como eu não faço ideia de onde ir agora pq a trilha de "coisas abrindo" que eu estava seguindo acabou agora. Eu não faço ideia do que fazer a seguir, e o jogo não vai se dar ao trabalho de dizer. Até onde me consta, a mensagem que apareceu podia muito bem ser essa:

"Algo aconteceu em algum lugar, eu acho. Volte pelo portal e dê uma olhada ao redor, não é como se você tivesse nada melhor para fazer. Aqui, eu vou até respawnar alguns inimigos para você ter o que fazer, não é como se você fosse avançar mais que isso mesmo".


E essa é a coisa que me incomoda no level design de Hexen, você não tem nenhuma satisfação em conseguir as coisas porque o jogo não te apresenta metas, apenas diz que alguma coisa aconteceu em algum lugar. Talvez. Quando você luta seu caminho através de uma fase e chega ao botão do outro lado, vc não está pensando "aha, eu finalmente alcancei o interruptor para fazer aquelas escadas aparecerem" porque você nem faz ideia de que existem escadas para serem aparecidas, você pensa "bem, eu apertei o interruptor e o jogo diz que alguma coisa apareceu em algum lugar por algum motivo". 

Diga o que quiser sobre os cartões-chave do Doom, mas pelo menos uma porta vermelha trancada é um problema óbvio com uma solução clara e eu sei o que fazer quando encontrar a chave. Eu sinto que estava trabalhando para atingir um objetivo e quando eu consigo isso é algo satisfatório. Além disso, em Doom o seu objetivo não está escondido em uma fase totalmente diferente apenas para você adivinhar que tem que fazer backtracking até a putaquepariu do oeste.


Quando você passa para uma nova area tudo parece uma grande tarefa, em vez de uma exploração divertida. Acho que um caminho mais linear seria melhor ou, alternativamente, um mundo mais aberto com vários caminhos a seguir, em vez de ter que adivinhar onde ir nesse puzzle gigante.

Não me entenda errado, eu realmente gosto que o jogo não tenta ser apenas um clone de Doom e introduz classes e um conceito de level design totalmente novo. Como eu disse Demon's Souls é um dos meus jogos favoritos e usa esse exato mesmo mindset, o problema é que eu não acho que isso funcione em Hexen. 

Os ports para PS1 e Saturn não são muito bons, a melhor versão é a do Nintendo 64 que tinha como bonus uma campanha coop - o que é algo sempre muito divertido ... se você tiver com quem jogar...

O resultado final é um jogo exaustivo de se explorar e que o combate é bastante limitado, fazer um "Doom melee" funciona exatamente como soa quando os inimigos não foram nerfados de acordo.

Mais um clássico caso de nota 10 pelas intenções, nota 5 pela execução.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 116 (Junho de 1996)

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 023 (Fevereiro de 1996)


Edição 029
 (Agosto de 1996)

Edição 038 (Maio de 1997)


Edição 040 (Julho de 1997)

Edição 042 (Setembro de 1997)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 020 (Julho de 1996)