quinta-feira, 22 de setembro de 2022

[#982][Nov/95] BEYOND THE BEYOND

A característica mais marcante do ser humano, e eu ousaria dizer sua melhor, é a sua infinita capacidade de adaptação especialmente quando utilizada para resolver problemas. Qualquer que seja o problema, com certeza existe alguém virando a noite pensando em resolver isso. Tem um meteoro vindo na direção da Terra? Temos um time trabalhando nisso. Um vírus saiu dos portões do inferno pq alguém decidiu futucar um morcego? Em um ano já temos uma vacina pronta, tá na mão. Fonte de energia praticamente infinita usando fusão nuclear? Senhora, estamos trabalhando nisso, calma senhora.

Qualquer que seja a treta - desde que não seja uma questão envolvendo lidar com massas de seres humanos, essas são desgraçadas e beiram o insoluvel - o ser humano se propoe a resolver isso e frequentemente resolve.


Eis um problema aqui então pra vcs, meninos e meninas do meu Japão Baronil de 1995: o Playstation foi lançado sem nem um grande jRPG. Com efeito, ele foi lançado sem nem um médio jRPG, ele foi lançado sem jRPG nenhum! E isso é um problema grave! É como lançar uma marmita sem feijão com arroz, é como lançar uma versão pirata de INTERNATIONAL SUPERSTAR SOCCER DELUXE sem o Ronaldinho na capa, é como lançar Bochecha sem Claudinho. Enfim, jRPGs são uma parte fundamental do que faz um console funcionar no Japão (e em qualquer casa gamer civilizada, naturalmente) e PS1 não tinha nada (embora eu já tenha falado de jogos como Lunar 2: Eternal Blue, esses ports do original do Sega CD não chegaram até o PS1 até alguns anos mais tarde). Existiam alguns RPGs Táticos de qualidade duvidosa como ARC THE LAD e... é, meio que era só isso. Mas não apenas ARC THE LAD é daqueeeeeeeeeele jeito que eu descrevi no texto, como jRPG mesmo, de turninhos, necas de pitibiribas.

Isso, meus amigos, é a definição de um problema. Porém como eu disse, identificar problemas e apresentar uma solução é o que humaninhos fazem de melhorzinhos. Logo, é óbvio que alguém virou a noite para resolver e foi exatamente isso que a Camelot Software Planning fez: viu uma demanda e pulou nela com a velocidade como se sua vida dependesse disso.


O que acaba sendo o maior problema desse jogo: ele realmente parece que foi algo feito com a velocidade de mil sois em chamas apenas para lançar logo. Não importa muito bem o que, o que importava era lançar desde que fosse lançada alguma coisa.

Bem, a boa notícia é que isso não saiu tão errado quanto a descrição pode sugerir e isso em grande parte poruqe Camelot, saibam vocês, não era exatamente inexperiente na area já que eles foram o estúdio contratado pela Sega para criar a série Shining. Você sabe, SHINING FORCE: The Legacy of Great IntentionSHINING FORCE 2SHINING FORCE CDSHINING WISDOM.

E como dá pra ver por esses títulos, enquanto nenhum deles é terrível, com exceção do primeiro nenhum deles é espetacular também. Tá, SHINING WISDOM é terrível, mas isso só pq a Camelot saiu da sua zona de conforto e tentou fazer algo que eles não entendiam pachongas - um action RPG. Mas os outros jogos da série são absolutamente serviçaveis, ainda que mediocres.


Vamos combinar que escrever o cenário ou personagens não é o forté da Camelot, e onde eles compensam as coisas é na solidez do seu combate tático. Novamente, com exceção do primeiro onde eles claramente tiveram tempo para escrever. Então suponho que desde que você dê tempo a Camelot e não peça para fazer algo fora da zona de conforto deles, as coisas vão sair bem.

MAS TODO O PONTO DESSE JOGO NÃO ERA JUSTAMENTE SER LANÇADO O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL E PARA UM GENERO DIFERENTE DO RPG TÁTICO?


Então todas as coisas consideradas, suponho que deveriamos ser gratos que esse jogo não é uma bola gigantesca de sofrimento e dor (você sabe, o que é exatamente o caso de SHINING WISDOM). Ele esta mais para uma bola gigantesca de ... "meh"... já que esse é o jRPG de turnos mais genérico e esquecível que você verá na vida.

Claro, alguém poderia argumentar que um jogo que te consome 30 horas e em nenhum momento vai além de "meh, isso existe" já é ruim o bastante, mas estamos acostumados a trabalhar com padrões muito mais baixos do que isso nesse blog e eu tenho que ser honesto em dizer que Beyond the Beyond não faz nada errado realmente. Faz algo certo? Também não, mas errar ele não erra.


Descrever a experiência de jogar esse jogo, em termos de hoje, seria semelhante a me forçar a passar por um jogo ruim feito no RPGmaker criado por alguém que nem consegue usar as ferramentas corretamente. Com efeito, eu diria que esse jogo pode estar concorrendo a um dos 3 títulos mais não polidos que eu já vi na vida (pau a pau com SHINING WISDOM, isso tem que ser dito). Tiles mal colocados, apresentação completamente sem interesse nenhum nos menus, erros gramaticais na tradução, cutscenes terrivelmente chatas e desinspiradas, você sabe, um jogo que você olha e diz "tá, mas alguém vai revisar isso ainda, né?".

Mesmo na época do seu  lançamento ele já parecia feio e simplório, ele parece um jogos da primeira geração de Mega Drive (como o PHANTASY STAR 2, que saiu ainda em 1989) e é muito dificil você convencer alguém que isso é um jogo de Playstation. Eu diria que é mais fácil fazer alguem acreditar que esse jogo é um jogo de Nintendinho turbinado do que de PS1.


Nada disso quebra o jogo realmente ou torna ele catastrófico, apenas o torna... desinteressante. Se você fechar os olhos e imaginar o jRPG mais genérico do mundo, você vai ter pensado nesse aqui em uma precisão absurda: personagens completamente esquecíveis, nenhum desenvolvimento interessante, dezenas de horas em fetch quests que não levam a lugar nenhum, dungeons genéricas projetadas apenas para estender artificialmente a jogabilidade, a história ganha algum premio de narrativa mais genérica de todos os tempos (império do mal que odeia o bem... herói escolhido... coletar X coisas para derrotar o império do mal...).

Sério, eu acho que eu passei umas dezesseis horas ou mais fazendo fetch quests sem importancia nenhuma, todas em nome de curar o Sansão da maldição dele. O que, se você gosta de dungeon crawlers e combates genéricos de turno, não é necessariamente ruim, mas imagino que a maioria das pessoas não tenha chegado tão longe. Um walkthrough também é altamente recomendado se você quiser terminar isso ainda nessa vida, pq o jogo não é exatamente generoso em te dar direções de onde ir a seguir.


Então tudo isso que eu estou descrevendo parece terrivelmente ruim, mas a grande coisa aqui é que as partes que constituem esse todo não são particularmente ruins. Elas apenas particularmente ... meio que existem.

O que eu quero dizer com isso é que, por exemplo, o encounter rate não é a pior coisa que eu já vi na vida, isso com certeza. Não é algo que eu diga "minha nossa, como eu adorei", mas eu já joguei BREATH OF FIRE 2. DEFINITIVAMENTE podia ser bem pior que isso. O combate, idem, embora chato, sem inspiração e sem originalidade... eh, poderia ter sido pior. Inventário, idem: eu não sou grande fã de cada personagem ter o seu inventário separado, mas novamente... duvido vocês adivinharem o que eu vou dizer agora... poderia ter sido pior. Pra quem já jogou o inventário de LUNAR: The Silver Star Story isso aqui é fichinha.

Então essa é a ideia geral de Beyond the Beyond: um jogo com menos sal que dieta de cardiopata, lançado apenas pq era uma oportunidade lançar um jRPG para o PS1 e nada mais... mas que não faz nada particularmente errado. Nem certo. Eu vou dizer que eu estava curioso para jogar o primeiro jRPG do PlayStation, mas infelizmente, Beyond The Beyond dificilmente conta sequer como um RPG de 16 bits.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 110 (Dezembro de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 013 (Dezembro de 1996)