No começo dos anos 90, a Capcom tinha quase um monopolio nos generos de briga de rua e jogos de luta. A Konami ameaçava as vezes (os arcades de Tartarugas Ninja e Simpsons), mas a verdade é que a concorrencia não tinha muito o que oferecer em contrapartida a Final Fight, Captain Commando e sobretudo o fenômeno que foi Street Fighter 2.
Isso não quer dizer que as empresas pequenas não pudessem tentar, e Deus, como elas tentaram. Um caso especial de estudo são os jogos da produtora japonesa Culture Brain. Qual era a coisa da CB, você pergunta? Bem, eles olhavam para os jogos de beat'm up e luta da Capcom e pensavam "hm, talvez a gente não possa fazer um jogo de luta tão bom quanto Street Fighter 2 ou um beat'm up tão bom quanto Final Fight... mas e se nós juntassemos os dois e colocássemos RPG no meio também!".
Então Hiryū no Ken S: Golden Fighter (lançado como Ultimate Fighter no ocidente). Então a coisa desse jogo é que ele é estruturado como um beat'm up (o bom e velho bater em todo mundo na tela para conseguir avançar) mas com comandos mais ou menos de jogo de luta.
Isso quer dizer que ele tem mais movimentos do que jogos como Final Fight, por exemplo, mas em contrapartida muito menos do que um jogo de luta de verdade como Street Fighter 2. Por outro lado, ele é estruturado muito mais pobremente do que um beat'm up de verdade também (não tem opções de personagens, variedade de fases, armas ou itens, por exemplo).
Tudo muito bom, tudo muito bem, é de fato uma ideia original, mas e aí, funciona?
Por algum motivo, esse jogo é muito preocupado que você não anote os passwords direito. Muito mesmo, tem DUAS mensagens para garantir que você anotou certinho. |
Hmm, mais ou menos. Mais para menos, na verdade. O principal problema é que, até a metade do jogo, todos os inimigos do jogo morrem com um hit apenas e eles são muito lentos - de modo que não existe desafio nenhum em acerta-los antes que eles possam sequer revidar. Simplesmente não existe desafio no jogo, apenas isso. Depois da metade os inimigos começam a precisar de dois hits para morrer, seu personagem ainda é tão mais rápido que os inimigos que o risco de qualquer um te atingir é praticamente zero - ainda mais com seus golpes de alcance enorme.
Adicionalmente a isso, o jogo tem alguns problemas de programação bem esquisitos. Em um típico beat'm up, a tela tranca e você só pode avançar depois que eliminar todos os inimigos. Ultimate Fighter tenta fazer isso também, mas as vezes eles apenas esqueceram de programar a "trancada" de tela e você pode apenas ignorar os inimigos e seguir em frente, gerando um efeito comicamente involuntário.
Senhor, o senhor já fez o seu bastão Renner hoje? Senhor, volte aqui senhor! |
As batalhas contra os chefes são diretamente modo jogo de luta mesmo, e nesse sentido também é um jogo de luta bem pobre também apenas com comandos bem básicos.
Então ao tentar fazer duas coisas ao mesmo tempo, ela não faz nenhuma particularmente bem. Porém isso não quer dizer que a Culture Brain não tenha outra carta na manga para esse jogo: Ultimate Fighter também é um RPG. Mais ou menos.
Acontece que existem dois modos de jogo para o modo campanha: o Story Mode e o Animation Mode. A diferença sendo que no Story Mode você joga um beat'm up pobre e então termina a fase lutando contra um chefe em um jogo de luta pobre. No Animation Mode você joga um beat'm up pobre e então termina a fase lutando contra um chefe em RPG pobre.
Bem vindo a Ultimate Fight, onde cada golpe tem no máximo dois quadros de animação, as vezes menos! |
Sim, RPG.
A luta é um combate por turnos em que você só tem uma opção ("magic water" é recuperar vida) quando ataca, e duas quando defende: Defense e Dodge. Eu sei que pelo nome parece simples, supostamente uma diminui o dano tomado e a outra evita completamente com o risco de levar em cheio, certo? Bem, não exatamente.
A real diferença é que cada uma funciona em resposta a determinado ataque do oponente. Então se você escolher "dodge" para um ataque que era de defendivel com "defense", se ferrou. E como você sabe qual escolher? Simples: não sabe. É pura sorte. Via de regra, eu percebi um aproveitamento levemente melhor quando você escolhe "defense" se o inimigo estiver colado com você e "dodge" se ele estiver longe, mas isso pode ser só impressão minha e claramente não tem uma regra aqui. O meu palpite é tão bom quanto o seu.
Pouco surpreendentemente, esse é o pior RPG que eu já vi na minha vida.
A história é inexistente. Eu quero dizer, literalmente, porque na adaptação eles tiraram toda história do jogo japones e substituiram por frases genéricas do tipo "eu vou acabar com você", "não, você não pode comigo", e "você não é pareo para minhas mega bolas!".
Eu apenas posso imaginar o que de tão profano devia estar escrito naquele jogo que fosse pior do que o cara que arde em chamas no meio do torneio de luta para te transportar para uma dimensão de super sentai onde ele te ataca com um pau e as mega bolas dele.
Conhecendo o Japão, nada está descartado.
Então Ultimate Fighter é, resumidamente, um pato. Sim, um pato. Na teoria, o pato anda, nada e voa - que coisa incrível. Na pratica, ele anda todo errado, apenas sabe mais do que boiar e voa pior do que qualquer passarinho.
Do mesmo modo, UF é um beat'm up, um jogo de luta e um RPG. E não faz nenhum desses três direito!
Tentar chamar atenção com criatividade em um mercado dominado pelos títulos gigantes da Capcom certamente é uma coisa boa, mas as vezes quando você está tentando algo que ninguém mais faz... bem, talvez você deva querer parar um momento e considerar que talvez haja um motivo pelo qual ninguém faz as coisas desse jeito.