terça-feira, 2 de janeiro de 2024

[#1211][Abr/98] WARHAMMER: Dark Omen


Em 1998, o cenário dos jogos de estratégia em tempo real (RTS) era brutalmente competitivo entre a Westwood e a Blizzard, cada uma trocando golpes com a outra através de jogos cada vez mais acachapantes (sim, essa é provavelmente a giria mais anos 90 já usada ever nesse blog). O que foi a história que eu contei não muitos dias atrás, em STARCRAFT.

Pois bem, a história que eu quero contar hoje é uma inteiramente diferente: é a história da terceira força nos jogos de estratégia em tempo real. Isso pq enquanto voava sangue pelo primeiro e segundo lugar, a Microsoft tentava chegar na maciota e ficar com o terceiro lugar com seu AGE OF EMPIRES. A Eletronic Arts viu isso, esse dedo no cu e gritaria que era a disputa pelos mercados de RTS e percebeu que havia sim um bom dinheiro a ser feito ali... porém outra coisa que eles pensaram foi que também havia uma outra forma mais inteligente de fazer esse dinheiro do que bater cabeça com os gigantes do mercado e é isso que veremos hoje.

Vamos colocar da seguinte forma: quando vc pensa em RTS, obviamente vc pensa em jogos de computador. Isso é o básico do básico, já que jogar essas coisas sem mouse não é nada senão sofrimento e dor - e digo isso como um dos maiores entusiastas dos consoles ever, eu sempre vou preferir jogar qualquer coisa com um joystick na mão do que um teclado e mouse (especialmente FPS)... mas RTS não dá, jogar RTS no direcional é absurdamente desconfortável e TEM que ser feito com o mouse.

Por isso, obviamente que RTS nunca foram uma grande coisa nos consoles - e não são ainda hoje. Tá, tecnicamente existem ports de hojes como COMMAND & CONQUER: Tiberian Dawn para PS1 /Saturn e STARCRAFT para Nintendo 64, mas na moralzinha, eles são um cu molhado de se jogar. E é aqui, exatamente aqui que a Eletronic Arts viu a sua chance de ouro de fazeres muitos dinheirones.

Pq imagine E SE, veja bem, E SE houvesse um RTS que fosse super acessível para ser jogado com o controle? Um RTS que funcionasse genuinamente bem no PS1, onde a competição no genero era praticamente inexistente? Pois é aqui que entra o PRESSÁGIO SOMBRIO.

Em 1995 a Eletronic Arts havia lançado um RTS para computadores chamado A SOMBRA DO RATO CHIFRUDO onde vc controlava pequenos blocos de tropas ao invés de peões individuais no mapa. Na prática não fazia tanta diferença assim, era mais estética já que ao invés de clicar em um bonequinho e mandar ele fazer coisas vc clicava em uma unidade de bonequinhos para mandar eles fazerem coisas, então dá mais ou menos no mesmo.

Todos comigo até aqui? Ótimo.


Agora corta pra 1998 e a Eletronic Arts coçou seu queixo de fazer dinheiro (sim, eles tem um desses) e pensou que ao invés de fazer o RTS numero 4785 para competir com os bichão brabo que já tinha no mercado... e se eles adaptassem essa ideia do RATO CHIFRUDO para funcionar mumuzinho na chupeta com um controle de PS1? Pois foi exatamente o que eles fizeram.

Sendo a continuação do jogo de 1995, WARHAMMER: THE SHADOW OF THE HORNED RAT (vcs acharam que eu tinha inventado esse nome, né?), o jogo de 1998 pega a mesma premissa de você controlar unidades de tropas ao invés de bonecos inviduais e facilita as coisas para todos os envolvidos.


Eis como as coisas foram bastante simplificadas para funcionar no controle: ao invés de ter um mapa e ter que clicar e arrastar e selecionar unidades como usualmente rola em um RTS, cada unidade tem um icone bem grande que fica na tela o tempo todo. Então mesmo que um adversário ainda esteja no mapa lá nos cafundós da caxaprego, o icone dele está na sua tela (que é o icone vermelho na imagem acima).

Assim vc não precisa rolar todo o mapa para procurar os nepomucenos nem nada do tipo, vc já tem todas as informações na sua tela inicial. Então no exemplo acima, basta vc clicar em uma unidade sua e então clicar no icone dos inimigos que a sua tropa vai fazer todo trabalho de caminhar pelo mapa e ir confrontar os coleguinhas.


Com efeito, ao menos nas fases iniciaiss é teoricamente possível comandar toda batalha sem precisar sair da tela inicial: vc clica nas suas unidades, manda eles caçarem os caras, tá feito o serviço. Isso funciona incrivelmente bem para um joystick, pq quanto menos movimentação de cursor e clicagem precisa o jogo te exigir, melhor!

O mesmo pode ser dito da interface do jogo, repare como ela foi radicalmente simplicificada para você ter todos os comandos nos botões do controle. Se em um RTS tradicional (incluindo o jogo original de 1995) pra lançar uma magia você precisa clicar no icone de magia e então clicar na unidade alvo... bem, isso são muitos cliques para fazer com o controle, no PS1 isso foi tudo simplificado para funcionar o mais cremosamente que dava:


Ao apertar quadrado, o cursor é puxado para as casinhas de escolher o tipo de magia que vc quer lançar. Selecione ela e sua unidade vai usar isso como ataque padrão até vc comandar ela usar ataques simples novamente (que é simplesmente apertar bolinha no controle). Tudo muito fácil, tudo muito azeitadinho para funcionar no controle.

ISSO TUDO PARECE MUITO BOM, DE FATO, MAS ISSO NÃO TORNA O JOGO... SEI LÁ, SIMPLES DEMAIS?

Então... sim, até o ponto em que não. Até esse momento, eu disse tudo que Dark Omen faz para tornar o jogo acessível a ser jogado com o controle, agora se isso funciona na prática, bem, aí esse é um cavalo de uma cor inteiramente diferente.



Veja, a coisa é que esse é um jogo dificil. Eu quero dizer realmente dificil, e para todas as comodidades que o seu setup oferece, no fim do dia vc ainda vai ter que microgerenciar todas as ações das suas unidades de qualquer jeito.

Pra começar, seus regimentos aliados não fazem nada sem sua ordem expressa, além de lutar por suas vidas se forem atacados e virarem as costas e fugirem se estiverem morrendo. Você precisa estar lá para direcionar suas tropas para enfrentar o inimigo, ordená-las a atacar e de modo geral gerenciar a porra toda. A coisa fica mais complicada, no entanto, a partir do momento que as suas unidades de longo alcance (arqueiros, magos e canhões) não atirarão contra o inimigo a menos que você lhes diga para fazê-lo. E eles não vão parar de atirar a menos que você ordene que parem. 

Isto significa que uma vez que a sua infantaria enfrenta um inimigo, os seus canhões e arqueiros continuarão a disparar ... o que não seria tanto problema se não houvesse friendly fire. Só que piora: devido a interface simplificada do jogo, não é possível emitir ordens para mais de um regimento ao mesmo tempo, o que torna as múltiplas ordens de cessar-fogo muito problemáticas no calor da batalha. Vc tem que manualmente clicar em cada uma das unidades e manda-las parar de atirar para elas não acertarem as suas tropas de combate corpo-a-corpo.


E mesmo que não tivesse o friendly fire, suas unidades a distancia sempre atiram no mesmo lugar a menos que você manualmente aponte outro ponto para eles concentrarem fogo. O que, com o pau cantando, se torna bastante problemático pq Dark Omen joga em apenas uma velocidade. Você não pode desacelerar o jogo, nem pausar a ação e emitir ordens sem restrição de tempo. 

As unidades a distancia funcionariam muito bem se vc pudesse pausar o jogo e dar novas ordens, porém não existe isso aqui, o tempo nunca para. O que pode ser realista, mas definitivamente não é divertido quando você é forçado a ordenar até 15 regimentos individualmente. Com o pipoco comendo e vc tendo que gerenciar tudo isso, no fim estar limitado ao joystick acaba se mostrando mais sufocante e limitador do que seria confortável.

E, suponho que eu não precise explicar isso, diferente de vc o computador não tem a mais remota dificuldade em gerenciar inumeras tropas ao mesmo tempo, o que te coloca em uma situação BEM desvantajosa, para dizer o minimo.


Então enquanto a interface desse jogo funciona quando está tudo muito bom e tudo muito bem, na hora que a criança chora e a mãe não escuta Dark Omen não é fácil. Adicione a isso que o jogo é muito tacanho com seus recursos e temos um dos RTS mais dificeis ever.

Por exemplo: uma missão bem sucedida apenas lhe dá ouro suficiente para compensar as suas perdas - upgrades, pff vai sonhando ter dinheiro para isso - e mesmo que tenha sucesso numa missão, não é incomum ter que rejogar a fase para vencer com menos. É importante ressaltar que, diferente do que já era prática comum na época, não é possível salvar durante a batalha então começar do começo é sempre uma necessidade. 

O que é realmente uma pena, pq poucas melhorias de qualidade de vida teriam feito esse um jogo realmente interessante para se jogar no console. Pq se vc tirar a dificuldade pavorosa do jogo, por exemplo a campanha não apenas é bastante bem escrita (como esperado de todo o lore que o universo de Warhammer tem), como ela até se ramifica em vários pontos, forçando você a tomar decisões difíceis sobre onde lutar em seguida, sabendo ao mesmo tempo que enfrentará as repercussões de suas ações mais tarde. 


Dependendo das missões que vc escolher jogar você encontrará aliados diferentes e enfrentará inimigos alternativos também, sendo que os mapas das missões tem bastante esforço por parte dos criadores para serem diferentes e únicos. Em um mundo ideal, valeria a pena jogar a campanha mais de uma vez, apenas para experimentar os ramos alternativos da trama. Não com essa dificuldade, claro, mas em um mundo ideal, sim, seria maneiro.

Então, no fim do dia, MARTELODAGUERRA: PRESSAGIO ESCURÃO é uma faca de dois legumes. Enquanto a Eletronic Arts teve de facto sucesso em adaptar o game original para que ele fosse um lançamento de PS1 (e não um port de um jogo de PC, como usualmente era o caso) onde não havia uma concorrencia satisfatória... ao mesmo tempo isso limita e engessa as ações possíveis pelo jogador. 

O que, em um jogo de uma dificuldade realmente brutal, acaba tornando esse jogo mais uma curiosidade de ver o que eles tentaram fazer aqui do que um prazer realmente em joga-lo. No fim do dia, parece que RTS realmente não foram feitos para serem jogados em controles, mas bem, valeu a tentativa...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 129 (Julho de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 051 (Junho de 1998)