quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

[#1223][Jul/98] BRAVE FENCER MUSASHI (ou "Brave Fencer Musashiden" no Japão)


Suponho que a essa altura eu não realmente precise explicar muito o fenomeno pangalactico, nepomucenico, hipocondriaco que foi a singularidade espaço-temporal que atende pelo nome de FINAL FANTASY 7. O primeiro jogo a ter um orçamento superior a 100 milhões de dolares foi um dos maiores acontecimentos da história dos videogames do ponto de vista comercial, e não é exagero dizer que foi um dos jogos que pavimentou a ascenção meteorica da Sony do nada ao monopolio.

Mas bem, estabelecemos que FINAL FANTASY 7 foi a tonga da mironga do cabulete, o que nos leva a um ponto óbvio: qual era o jogo mais esperado de 1999? Ora, era óbvio que era Final Fantasy 8! Era tão esperado que de facto veio a se tornar o quarto jogo mais vendido da história do PS1 (atrás apenas dos dois primeiros GRAN TURISMO e GRAN TURISMO 2, além do próprio FINAL FANTASY 7).


A ansiedade por FF8 era palpavel no ar e todo mundo batia as cabeças contras as paredes acolchoadas dos seus quartos especiais mal podendo se conter por esse jogo... e a Squaresoft estava plenamente ciente disso. Tão ciente, com efeito, que eles usaram isso a seu favor: eles usariam a demo de FF8 para vender jogos! E foi o que eles fizeram: pegaram um joguinho qualquer que eles iam lançar e colocaram um segundo CD com a demo de FF8 e o resultado não podia ser outro, as pessoas sairam no tapa, tiro, porrada e bomba pra jogar alguns minutinhos da continuação mais aguardada da história dos videogames!

E a história de hoje será sobre isso, saiba você!


UÉ, SOBRE FINAL FANTASY 8?

Bem, não. Sobre o joguinho que vinha junto o CD demo de FF8 e por isso absolutamente ninguém lembra dele, já que eles compravam o jogo só pela demo mesmo. Ou seja, hoje falaremos sobre o valente espadachim Musashi!


Bem, nossa história aqui... é até interessante, olha só: o reino de Allucaneet está sob ameaça de forças do mal que o odeiam o bem, de modo que a princesa Fillet recorre a grande arma secreta do seu reino: a habilidade de summonar o maior herói da Terra para o seu mundo! Assim sendo, ela não perde tempo e faz como seus antepassados fizeram e summona para seu reino mágico o lendário samurai, o homem que se tornou a própria representação do bushido, o homem, o mito, a lenda... MIYAMOTO MUSASHI!

ESPERA, ESPERA, TEMPO... ENTÃO ESSE JOGO... É ESSENCIALMENTE UM ISEKAI DO MUSASHI DEFENDENDO UM REINO DE FANTASIA? UAU, ISSO É TIPO A FUSÃO DAS DUAS COISAS MAIS JAPONESAS EVER...

Então, seria... não fosse o fato que a princesa Filézinho não é realmente muito boa nisso e acaba summonando Musashi para defender o seu reino... só que não o Miyamoto famoso, e sim um descendente dele que inspira bem menos confiança. Erros foram cometidos.

E enquanto nosso herói Musashi tampico não é exatamente muito heróico e não está interessado em salvar o dia, a princesa acaba sendo sequestrada e ele precisa resgata-la para que ela o mande de volta para casa, que é onde começam nossas altas aventuras!

... e meio que é onde terminam também. Isso pq por um motivo que nunca fica claro realmente, nosso herói Musa-boy precisa coletar 5 orbes elementais para derrotar o maligno imperio do mal que sequestrou a princesa. Quero dizer, realmente não existe uma grande explicação já que vc podia apenas sair no soco com os caras mesmo, mas enfim... vc precisa coletar as tais orbes e para isso acontecem tretas aleatórias com a cidadezinha no centro do mapa do jogo que te levam até elas.

Isso quer dizer que não existe uma narrativa realmente, apenas acontece um problema aleatório e isso vai levar a uma das orbes. Tipo zumbis invadiram a igreja da cidade, o que te leva ao poço do lado da igreja que dá numa caverna onde vc encontra a orbe da agua. Ou a usina de energia a vapor que alimenta a cidade entrou em autodestruição e vc precisa salvar o dia, o que em ultima instancia vai te levar a orbe da Terra, e por aí vai.


O que é... um pouco desapontante para um jogo da Squaresoft. Quer dizer, eles literalmente fizeram toda sua carreira baseada em RPGs, então é meio meh que o jogo seja apenas episódico. Especialmente pq a estrutura do jogo lembra muito ALUNDRA: vc tem uma cidade que é o hub central do jogo, e ao redor dela ficam as dungeons. 

Só que enquanto ALUNDRA tem um tema e vai desenvolvendo as relações entre os personagens recorrentes, em Musashi é só a tretinha da semana, colete um Mcguffin, na dungeon, derrote um chefe, enxague e repita.

Isso é especialmente desapontante pq a Square colocou alguns nome de valor na produção dessa história, sendo a principal que nosso Musashi pintor de rodapé é dublado por ninguém menos que Rika Matsumoto, que na época era uma mega estrela no Japão por ser ninguém menos que a dubladora do Ash Ketchum no auge da febre de Pokemon

Ela também canta a abertura japonesa original de Pokemon, que é realmente uma excelente música. Alias Rika também tem uma grande carreira na música e é uma das membro-fundadoras do JAM Project e se vc não sabe o que é o JAM vc é uma pessoa sem cultura que não merece minha atenção. Sigamos.

Alias, uma curiosidade é a versão americana também tem uma dublagem de peso, a dubladora do Musashi é a Mona Marshall, mais conhecida como a mãe do Kyle de South Park:


Então o problema da dublagem americana do jogo não é o talento dos atores, mas o texto é... bem, vamos dizer que não tem talento que resolva muito isso e o resultado é aquela diversão involuntária da clássica dublagem constrangedora de jogo do PS1 dessa época. Não chega a ser um MEGA MAN X4 de níveis "what i am fighting for", mas é no padrão TAIL CONCERTO de (falta de) qualidade.

Para se ter uma ideia de quão engraçado o jogo tenta ser e do que esperar (enfase no “tenta”), o reino principal do jogo é chamado Allucaneet, como em “all you can eat”, e o Império do mal atende pelo nome de Thirstquencher. Tudo que vc pode comer vs Matasede. Humor y piadas.


Uma vez que estabelecemos que a narrativa do jogo não é nada para escrever para casa a respeito apesar das ótimas oportunidades (tanto o conceito quanto os nomes envolvidos, um jogo da Squaresoft com excelentes dubladores), vamos nos focar na jogabilidade em si. E nesse aspecto eu tenho que dizer que Musashi é um jogo bem a frente do seu tempo... para o melhor, e para o pior.

Vamos começar pelo começo: em termos de jogabilidade, Musashi é apenas um RPG de ação decente, porém não um realmente espetacular nisso. Claramente a Square não tinha muita experiencia com jogos de ação 3D, e isso é uma coisa que dá pra notar aqui: o hit detection é questionável, o alcance do seu ataque é desconfortavelmente curto e o seu personagem é mais pesado e lenta do que seria divertido...

Sabe, lendo por aí esse jogo é frequentemente comparado com Ocarina of Time e até mesmo diz que foi eclipsado pelo jogo da Nintendo. Isso não é apenas cronologicamente errado (Musashi saiu meio ano antes, quando todo ciclo de vendas do jogo já se encerrou), como quanto mais penso nisso, menos acho que fazem sentido as comparações de Musashi com Zelda. Na realidade, Musashi sente, parece e joga mais como o action RPG da Konami para o N64:MYSTICAL NINJA STARRING GOEMON


Porém se a comparação cabe mais com MYSTICAL NINJA STARRING GOEMON do que com Ocarina of Time, ainda sim é preciso dizer que o jogo da Square é bem inferior ao da Konami nesse aspecto (e à maioria dos outros) porque A) como eu disse, a Square não é conhecido por fazer jogos de ação, muito menos em 3D e B), o PS1 é tecnicamente muito inferior ao N64 em quase todos os aspectos que envolvem jogabilidadeem no que diz respeito aos visuais 3D.

Mas enfim, embora as masmorras tenham um level design bastante interessante (depois de anos fazendo jRPG, level design de dungeon é algo que a Square sabe fazer até dormindo) ... bem, exceto a Soda Fountain, pq foda-se essa merda... é justamente nessas masmorras que as falhas de jogabilidade começam a mostrar suas partes feias. Musashi, o personagem, simplesmente não controla bem. 

Para começar, na cidade a camera é controlada e ela gira bastante okay, usando L2 e R2 para girar ela... exceto que nas masmorras - onde a câmera é de extrema importância - a Square decidiu travar a camera em um angulo que frequentemente bloqueia a visão dos obstáculos, especialmente as que envolvem sequencias de pulos.


Além disso, por algum motivo, Musashi após pousar de um salto, na maioria das vezes sente que precisa dar um passo a mais. E a ultima coisa que vc quer para sua sessão de plataformas é a sensação que vc está jogando uma longa e eterna fase do gelo, acredite. Embora o jogo ofereça a opção de usar o stick analógico em vez do D-pad, mesmo com o analógico os controles são bastante imprecisos e até mesmo o salto duplo (adquirido mais pra frente no jogo) parece pouco confiável com uma zona de ativação no ar bem questionável.

Como não é estranho aos jogos de ação, Musashi tem duas espadas: uma espada rápida e que causa pouco dano, e um botão para um ataque lento e forte com a outra espada. O que Musashi introduz de novo no gênero, entretanto, é que vc tem um Bincho. Aha, tenho certeza que vc não esperava ter um Bincho!

... seja lá o que for um Bincho, o google diz que é um tipo de carvalho, mas enfim, o que importa é que vc tem uma barra vertical à sua esquerda que quando vc segura R1 pra encher ela, vc arremessa sua espada para um inimigo e aprender temporariamente sua habilidade. Sim, algo saído diretamente de KIRBY'S DREAM LAND 3 e isso é bem legal, na real.

Aqui, por exemplo, vc copia a habilidade Shrink do fantasma para usar no Tokomon gigante e conseguir passar

A parte divertida dos desafios das dungeons é descobrir qual habilidade de qual inimigo da dungeon desenrola a sua vida e resolve o puzzle, e quando o jogo se foca nisso, em ser um action RPG do Kirby, ele realmente está em seu melhor elemento.

Claro, usar as habilidades copiadas gasta mana e vc corre o risco de ficar sem mana se sair usando tudo na moda louca. Felizmente, o jogo tem uma boa noção de como repor os recursos que vc gasta então tanto em nenhum momento vc vai ficar preso num lugar que não tem o monstro necessário para copiar a habilidade necessária, como ele é generoso na medida certa em repor o que vc gastou. Outro ponto para o jogo.

Infelizmente, essa ideia de ser um "Kirby Action RPG" não foi a única coisa que a Square tentou nesse jogo e que é onde precisamos falar sobre a mecanica de cansaço. Isso pq existe um relógio interno dentro do jogo (cada dia dura aproximadamente 20 minutos) e se passar alguns dias sem descansar em um quarto adequado, Musashi vai ficando cansado.


Eu quero dizer, literalmente cansado: sua movimentação diminuiu e ele caminha pelo jogo como se estivesse atolado até a cintura na lama. Na cidade isso é apenas inconveniente, mas vc pode sempre parar o que está fazendo e ir até o seu quarto e dormir, agora nas dungeons essa mecanica se torna um exercicio de frustração.

Colocar um limite de tempo em um RPG sempre é uma ideia ruim, mas colocar um em um jogo que vc não tem nenhuma forma de fast travel é criminoso. As vezes vc está na puta que pariu do cu dentro da dungeon e seu personagem está controlando como um saco de batatas molhadas, mas apenas a ideia de fazer todo caminho até a cidade para então continuar de onde vc estava...


Jesus no pogobol molhado, quem foi o mocorongo que não testou essa ideia pra ver que ideia bosta era essa? Okay, eu entendo, vamos tentar adicionar um elemento de imersão no jogo, mas cara... eu não consigo pensar em um único momento onde seu personagem ficar progressivamente pior de controlar torna o jogo melhor. Em nenhum MESMO!

Porém calma que para tudo tem um jeito: vc pode tirar um cochilo em qualquer lugar que estiver e recuperar sua fadiga... só que dormir fora da estalagem ou do seu quarto drenará pontos de mana. Mana essa que vc precisa pra avançar no jogo, então basicamente vc consegue gastar mana pra aumentar seu tempo na dungeon e eu ainda não acho que isso torna o jogo divertido. Mas nem perto disso!

O limite de mana pode ser atualizado resgatando os cidadãos de Allucaneet, o que é até fácil de encontrar - eu encontrei todos sem me esforçar muito


O sistema de combate é um pouco desajeitado, e por "um pouco" eu quero dizer que a hit detection é uma figura. De alguma forma, os inimigos sempre encontram uma maneira de acertar você, mas Musashi mais frequentemente do que vc é capaz de entender acaba acertando o ar. Além disso, Musashi consegue defender em uma única direção (o que significa que ele trava virado pra frente), e os inimigos são bem mais moveis do que vc pode reagir a tempo, então ser atropelado por uma leva de inimigos não é incomum.

Finalmente, para deixar de lado as coisas negativas sobre a jogabilidade, Brave Fencer Musashi também tem seus momentos de grandeza. Como eu mencionei, o jogo funciona em um relógio de tempo interno, assim como nos Zeldas recentes em Brave Fencer Musashi você verá não apenas ciclos de dia e noite, como os NPCs tem suas próprias rotinas de acordo com o horário e dia da semana.

Claro, comparado a coisas que veriamos (não tanto tempo depois) em Majoras Mask isso é extremamente primitido e não espere nada profundo aqui, mas ainda sim é uma das primeiras vezes que vc tem que se preocupar se está de madrugada para as pessoas não abrirem a porta da casa pra vc entrar ou se é fim de semana e as lojas não abrem.

O problema é que como o jogo não apresenta nenhum item específico que acelere o tempo, você terá que ou ficar parado esperando o tempo passar, ou colocar Musashi pra dormir numa cama. Isso não é muito problema, felizmente Musashi tem a habilidade extraordinária de dormir quantas vezes seguidas forem necessárias. O problema maior é que frequentemente vc não vai ter a informação de quando e onde fazer o que precisa.

Por exemplo, para acessar a última dungeon vc precisa esperar o Sky Day e usar o poder da runa do vento especificamente entre as 6h e as 8h da manhã. Pra saber isso a informação é absurdamente vaga e criptica, ou apenas foi mal traduzida mesmo, mas o ponto é que mais frequentemente sim do que não o jogo exige que vc siga um detonado porque deduzir onde e quando especificamente vc tem que ir é bem frustrante.

Então essa é a coisa que eu disse a respeito de Musashi ser um jogo a frente do seu tempo: ele tem algumas ideias realmente originais e boas aqui, como os NPCs terem agenda em um ciclo de dia e noite - o que, novamente, seria melhor utilizado em The Legend of Zelda: Majora's Mask. Só que aqui a Square não tinha a experiencia em jogos 3D, esse projeto obviamente não tinha a prioridade (logo, o orçamento)  e o PS1 não tinha o hardware para tudo que esse jogo poderia ter sido.

Eu realmente gostei da ideia de roubar os poderes dos inimigos para resolver os puzzles das dungeons, e como ALUNDRA é um dos meus acton RPG favoritos um jogo com a mesma estrutura (cidadezinha com elenco de NPCs recorrentes) é algo que me apetece bastante. Entretanto, claramente Musashi não é ALUNDRA, e na verdade ele sequer é um MYSTICAL NINJA STARRING GOEMON

Brave Fencer Musashi é um action RPG sólido que podia ser muito mais, mas esbarra nos controles desajeitados, a hit detection troncha, a ausencia de explorar a narrativa e escolhas de design puramente infelizes (como a mecanica da fadiga), acabam fazendo com que no fim do dia Musashi seja lembrado mesmo apenas como o jogo que vinha junto com o demo de Final Fantasy 8.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 131 (Setembro de 1998)


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Edição 049 (Maio de 1998)

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Edição 029 (Abril de 1998)


Edição 033 (Agosto de 1998)