quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

[#1217][Mai/98] GUILTY GEAR: The Missing Link

E se ontem falamos sobre as origens de uma das maiores desenvolvedoras da atualidade (a Treyarch que hoje é famosa por seu panbilionário Call of Duty, que começou humildemente com DIE BY THE SWORD), hoje é dia de fazer algo parecido, mas diferente.

Isso pq hoje é dia de falar daquela que é conhecida por fazer os jogos de luta mais dinamicos, coloridos, animezisticos, chocolatantes, velozes e furiosos desafio em Tóquio da atualidade: a Arc Systems. Hoje, os jogos da Arc não apenas são presença garantida em qualquer torneio de luta que preze pelo seu nome, como são referencia do que se deve esperar de um jogo de luta em termos de dinamismo, velocidade e ação.

Dragon Ball FighterZ é o jogo mais popular da Arc atualmente, e isso não é uma cutscene de abertura: é um ataque especial que rola no meio da luta mesmo. Pq é assim que a Arc rola.

Agora que estamos todos cientes de quem é a Arc Systems, cabe dizer que Guilty Gear é o jogo que colocou a empresa no mapa e uma série que eu não sabia absolutamente nada a respeito exceto que tinha um visual de anime e parecia muito maneiro. Agora, tendo não apenas jogado como tendo pesquisado a respeito da história de Guilty Gear e da Arc Systems, eu posso dizer que a história desse jogo e da própria empresa é bem mais louca do que parece inicialmente.

E olha que a coisa já parece bem louca.

Eu não acho nenhuma das capas de GG particularmente incrível, mas gosto levemente mais da capa americana do que da japonesa - o que é bem raro de acontecer

Mas vamos começar do começo: a Arc System Works foi fundada em 1988 por um então funcionário da Sega, Minory Kidooka, que como tantos nessa época viu que os videogames eram uma coisa que cresceriam infinitamente até o infinito e além, e que assim sendo seria muito melhor ser chefe do que ser empregado, né não?

Assim ele saiu da Capcom e junto com uma galera que ele levou, fundou a sua empresa para fazer joguíneos... o que se mostrou mais dificil do que ele esperava. Isso pq ao contrário do que o seu tuiteiro socialista favorito disse, empreender é um negócio bem mais complicado e arriscado do que parecia olhando de fora e ser o seu próprio chefe coloca o seu toba infinitamente mais na reta do que apenas ter carteira assinada.

Kidooka aprendeu isso do jeito dificil, ao descobrir que não apenas tudo envolvendo ser dono de uma empresa que fazia jogos era muito caro, como era muito arriscado. Uma escolha em falso e badabim, falencia e ele teria que vender suas calcinhas usadas em Akihabara para sobreviver.

Alias pensando bem, acho que a minha capa favorita é a europeia mesmo, que faaaaase

Assim sendo, ele decidiu que seria melhor jogar seguro e no começo da sua vida a Arc Systems se focou em ser uma empresa de suporte. Ou seja, aquelas empresas menores para quem era sabonetado o trabalho de fazer ports de um sistema para outro inferior - algo que a empresa principal não se importava o suficiente para ela mesmo dispender pessoal e recursos fazendo.

Desse jeito, se você for olhar o histórico de jogos da Arc Systems tudo que você verá nesse começo são ports, ports e mais ports. Por exemplo, em1989 eles fizeram a versão de Master System (ou seja, depois q que o Mega Drive já tinha saído e a Sega não se importava mais com o Master) de arcades famosos ou jogos de Mega Drive como DOUBLE DRAGONROLLING THUNDERMOONWALKER e AYRTON SENNA'S SUPER MONACO GP 2

Assim vivia a Arc Systems, fazendo esses trabalhos de segundo escalão e quando eles conseguiam juntar dinheiro o suficiente arriscavam fazer o seu próprio jogo... que geralmente não lá grandes merda, na verdade. Entre trabalhar 18 horas por dia nos ports para pagar as contas e não ter nenhum gênio para revolucionar as coisas, os poucos jogos que a Arc Systems desenvolveu por conta própria se enquandravam na categoria de "este definitivamente é um dos jogos já feitos".

Quer dizer, estou falando de jogos como CYBER SPIN e Exector, os quais menos de 4 pessoas na história da humanidade realmente lembram que existiram um dia. Ou seja, a Arc Systems era uma empresa de background do qual ninguém sequer lembraria que existe hoje... não fosse que um dia em 1996 um personagem de anime chutou a porta da empresa, e as coisas nunca mais foram as mesmas.

Daisuke Ishiwatari é descendente de japoneses nascido e criado na Africa do Sul, e que dessa forma cresceu sendo capaz de apreciar o melhor das duas culturas: ele era fã de heavy metal e rock ocidental dos anos 70 e 80, mas também era tinha seu infindo apreço por mangas e animes.

E como todo estudante do colegial dos anos 90 (incluindo eu e você), Ishiwatari tinha o sonho de um dia fazer o seu próprio jogo de luta juntando tudo que ele gostava tanto nos jogos, quanto na música e nos animes. Só que diferente de eu e você, Ishiwatari foi lá e fez acontecer: assim que terminou o segundo grau, sua primeira atitude foi abrir a sessão de classificados do jornal e procurar uma oportunidade de emprego porém não qualquer emprego - ele não aceitaria nada menos que fazer o seu próprio jogo.


Assim, ele viu no jornal uma vaga na Arc Systems e foi a entrevista de emprego... porém as coisas não foram como você esperaria de uma entrevista de emprego japonesa: de óculos escuros, jaqueta de couro e cabelo comprido, em toda sua pinta de rockstar o adolescente recem saído da escola foi lá e exigiu fazer a entrevista diretamente com o presidente da empresa. Quando foi comunicado disso, Kidooka achou a coisa tão bizarra, tão fora da curva que decidiu ouvir o que aquele moleque adolescente tinha a dizer.

E o que Ishiwatari tinha a dizer? Bem, a verdade: a Arc Systems era uma empresa meio merda de fundo de quintal com a qual ninguém se importava, e que se continuasse fazendo as mesmas coisas tendo os mesmos resultados. Mas a boa noticia é que agora ele estava ali para mudar isso e colocar a Arc Systems no mapa do mundo, e que se o presida quisesse agarrar a oportunidade o cavalo tava passando encilhado ali mesmo, na sua frente.

O presidente achou aquele piá de bosta completamente biruleibe das ideias, mas... bem, era fato que se eles continuassem fazendo as mesmas coisas teriam os mesmos resultados e eles realmente deveriam tentar algo diferente. E bem, dificilmente ele encontraria algo mais diferente do que aquele guri na frente dele, então pq caralhas não?

Daisuke Ishiwatari, nosso rockstar dos jogos de luta

Foi dessa forma completamente inusitada que o presidente da Arc System Works decidiu não apenas contratar o adolescente recem saído do colegial e sem experiencia de emprego em nada, como coloca-lo como produtor do próximo jogo autoral da empresa. "Vamos ver se o guri metido a metaleirinho é tudo isso mesmo", ele pensou. Como você sabe como essa história termina e que hoje a Arc System é um dos - se não "Ô" - nomes mais respeitado nos jogos de luta, provou-se que ele era tudo isso mesmo.

Então eis o que Ishiwatari pensou: ele acreditava, no fundo do seu coração adolescente, que os jogos de luta da atualidade estavam muito sanitizados, tecnicos e ocidentais. Especificamente em 1996, os jogos de luta eram essencialmente jogos que tentava emular fisica e artes marciais reais de alguma forma (como VIRTUA FIGHTER), ou então eram tecnicos e com personagens sanitizados para agradar o publico ocidental (como era o visual clean e baseado em estereotipos de STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR). Enquanto aquilo obviamente funcionava, ainda não era o jogo que ele queria jogar.

O que ele queria, o que ele REALMENTE queria mesmo era ter a sensação de ter um anime jogável como jogo de luta. Mas anime anime MESMO com todo dedo no kakaroto e gritaria, algo que você batesse o olho e disses "puta merda, isso é anime pra caralho mesmo". Nada de protagonista de kimono ou militar americano, ele queria aquele visuais ultra anime que você olha e pensa "eu não consigo realmente imaginar que alguém acorda de manhã e se veste desse jeito".


Mais especificamente ainda, ele queria aquele visual metal trash dos anos 80, e não por coincidencia BASTARD!! era um dos seus mangás favoritos. Assim, ele próprio fez o design dos personagens e eu posso te garantir que Guilty Gear é exatamente o que você esperaria do conceito de "a primeira coisa que vem a mente quando vc pensa em personagens de anime".

Isso não era tudo, entretanto, já que ele não apenas fez o design dos personagens como fez a trilha sonora do jogo também. Esse jogo não apenas pareceria com um OVA de anime death metal dos anos 80, ele soaria como um também. Grande fã do heavy metal ocidental, Ishiwatari fez desse a fusão dos dois mundos e o resultado é algo que dá pra sentir desde o primeiro momento do jogo pela sua abertura: um riff de guitarra abre anunciando que o heavy metal vai pegar, enquanto os personagens são apresentados da forma mais animezistica possível.


Heavy Metal e Anime. É sobre isso.

Porém se você não acha que a abertura por si só é anime o suficiente, então vamos a história desse jogo que - como você pode imaginar - também foi escrita por Ishiwatari (as vantagens de ter um produtor adolescente para o seu jogo, essas pestes tem energia pra fazer tudo). Então eis como as coisas rolam:

Em algum ponto do século 22, a humanidade descobriu uma nova e infinita fonte de energia que foi batizada de "magia"... pq aparentemente a criatividade foi banida no ano novo de 2099. Seja como for, a abundancia infinda de magia fez com que as formas antigas e poluentes de energia fossem banidas para sempre e o mundo entrou em uma era sem precedentes de avanço, paz e ecologia (sim, uma era de ecologia, o texto é meu e eu descrevo como eu quiser).


Esse poderia ser muito bem o fim da história, mas suponho que todos sabemos que se tem algo que o ser humano não pode ter é falta de problemas que ele logo de coça pra arranjar um. Ergo, os países do mundo então começaram a se movimentar pelo monopolio da magia e isso levou a uma guerra ferrada usando armas movidas a magia.

Entre essas armas foram desenvolvidos hibridos humanos cujo DNA foi fundido com magia, que foram chamados de "Gears" e eu suponho que não precise dizer o quão bem se provou a ideia de usar essencialmente escravos superpoderosos para lutar na guerra. Para surpresa de ninguém senão os bobão que tiveram essa ideia, os Gears se rebelaram contra a escravidão e começaram sua própria guerra contra a humanidade.

Liderados pelo gear Justice, por mais de cem anos o planeta foi devastado pela guerra mesmo com todas as nações do mundo deixando suas diferenças de lado e lutando juntas. Eventualmente, entretanto, após mais de um século de guerra uma ordem especial de cavaleiros humanos conseguiu selar Justice em uma dimensão paralela e isso pos fim a guerra.

Mas como se esse fosse o caso não teria jogo, as coisas não sairam tão bem quanto se poderia esperar: obviamente que os gears que ficaram pra trás não aceitaram de boas seu messias e líder ter ido jogar no Vasco e menos de cinco anos depois do fim da guerra se percebeu que as paredes dimensionais que aprisionavam Justice começavam a enfraquecer.


Um gear chamado Testament estava ativamente trabalho para trazer o senhor dos gears de volta e reiniciar a guerra, e para dete-lo os países do mundo... organizaram um torneio de luta para apontar o campeão capaz de parar Testament? Bem, eu realmente acho que seria mais eficiente pegar todo mundo e só ir cobrir ele de pancada, fazer seus candidatos lutarem entre si e se eliminarem só deixa as coisas mais simples para o Testament, não vejo como apostar numa luta 1x1 possa resolver quando nada realmente impede (até onde o jogo diz) de todo mundo ir lá moer ele na porrada.

Seja como for, a coalização de países do mundo prometeu qualquer desejo atendido de quem vencesse o torneio e acabasse com o Testament, e assim 10 cabogis da pestis se apresentaram para tal empreitada:


Então, como dá pra ver, o character design é muito interessante e temos toda sorte de variedade de personagens que você esperaria de um jogo criado por um adolescente fã de anime em 1998. Ou seja, temos um soldado veterano, uma assassina com cabelão, uma pirata loli... espera o que? E um cracudo traficante? Tá, okay, o elenco é um pouco diferente do que vc poderia esperar.

Mas isso é bom, o jogo não ser o que vc espera dele é exatamente o ponto que Guilty Gear queria atingir e eu posso garantir que ele atinge. Para um jogo de PS1 ele entrega um jogo tão anime-like e tão heavy metal quanto vc poderia esperar dele. Claro, a Arc Systems não tinha o orçamento da SNK e mais claro ainda que o presidente da empresa não deu um baaaaaita time pra um adolescente comandar (o véio não era louco também), então para um estúdio pequeno com uma equipe de apenas 12 pessoas ele está realmente bonito. 

Não é algo que se diga "Minha nossa, é um ART OF FIGHTING 3: The Path of the Warrior da vida", mas para um jogo de luta 2D para o PS1 e com o orçamento que o jogo tinha, definitivamente tem atitude e carisma o suficiente para chamar sua atenção?



TÁ, ENTENDI QUE O JOGO É BEM HEAVY METAL E ANIME E TAL, MAS... E O JOGO EM SI? E A PARTE DE APERTAR OS BOTÕES?

Hmm... então... para manter a tematica do jogo, usarei uma comparação de anime: tal como Naruto, o primeiro Guilty Gear pode ser meio duro as vezes. O que eu quero dizer com isso é que Guilty Gear é um jogo de alguém que claramente jogou e entende bastante de jogos de luta: você vê literalmente todo tipo de coisa tirado de todo tipo de jogo.

Vc tem combos ultradinamicos com direito a launchers para arremessar o coleguinha no ar como em X-MEN VS STREET FIGHTER, vc tem como carregar a barra de especial como em DRAGON BALL Z: Hyper Dimension, vc tem dois tipos de taunts como em STREET FIGHTER ALPHA 2, a perfect guard de STREET FIGHTER 3: The New Generation, Tech reversals como THE KING OF FIGHTERS 97, cada botão com que vc escolhe o personagem faz ele ter uma cor de roupa diferente como em  e várias outras coisas de varios outros jogos.


Enfim, acho que deu pra pegar a ideia que Ishiwatari realmente passou muito tempo do seu colegial jogando jogos de luta e tomando anotações de todas as coisas que ele achava legal, pq é essencialmente isso que esse jogo é. Pra não dizer que o jogo não faz nada NADA de original, ele tem sim uma coisa única... que é altamente polemica, para dizer o minimo.

Isso pq quando a barra de especial enche, o personagem pode executar o Instant Kill - e sim, o nome do especial é exatamente o que ele é: se pegar, mata imediatamente e acaba a luta. Não o round, acaba A LUTA. Quando um instant kill é ativado o oponente pode usar um comando para escapar, porém se ele falhar em fazer isso é game over... e eu tenho opiniões mistas sobre isso.


A justificativa de Ishiwatari é que ele quer deixar o jogador sempre com o cu na mão e a sensação que ele pode perder a partida a qualquer momento. O que é verdade, é exatamente isso que ele faz, mas... bem, eu não realmente preciso dizer o quão frustrante pode ser perder uma luta que o oponente te derrota em um golpe quando vc estava prestes a vencer. 

E... tem outra coisa: uma vez que a barra de especial encheu, vc pode simplesmente spammar instakills até funcionar pq por alguma razão isso não gasta a barra. Então é uma mecanica basicamente quebrada. Quero dizer, BEM quebrada:


Com efeito, isso não é a única coisa quebrada no jogo: nem Ishiwatari nem ninguém na Arc Systems tinha as manhas de fazer um jogo de luta, e definitivamente eles não sabiam procurar por exploits e bugs. Isso quer dizer que o jogo é repleto de combos infinitos imbloqueáveis e outras patifarias que vc pode fazer para queijar o jogo todo.

Coisas tipo isso:


Como dá pra ver a programação desse jogo é toda zoada e ele é facilmente exploravel. Até pq ele tem que ser facilmente exploravel, pq do contrário esse é um dos jogos de luta mais dificeis já feitos. Com efeito, Ishiwatari declarou em entrevistas que não fez esse jogo pensando em jogadores casuais de jogos de luta pq todos jogos que fizeram isso falharam terrivelmente, então o jogo tem uma dificuldade feita para jogadores hardcore como ele próprio.

A menos que você esteja bullshitando o jogo, Guilty Gear lava o chão com a sua cara - incluindo spawnar instakills em uma frequencia que vc não vai conseguir bloquear todos e bloquear os seus com 100% de eficiencia.


Então essa é a coisa sobre a Engrenagem Culpada: o que não falta nesse jogo é atitude, estilo e conhecimento sobre o que faz um jogo de luta funciona. O que falta a esse jogo é o orçamento e know-how como faze-lo.

O básico de um jogo de luta está lá (o jogo é realmente rápido e os combos fluem realmente bem, assim como as opções tecnicas estão lá tambem), os controles funcionam bem, apenas... tudo é quebrado e desbalanceado acima do que seria aceitavel pra chamar esse jogo de uma perola do PS1. A boa notícia é que isso se resolve com experiencia e eu tenho certeza que numa próxima iteração Guilty Gear vai vir que vir quicando - especialmente se eles colocarem mais modos de jogo e deixarem jogar com os personagens desbloqueaveis (que são apenas 3) no modo campanha, que ideia idiota liberar eles só pra 2 players...


Embora esse jogo em particular seja quebrado pra caralho, totalmente eu consigo ver as raízes do que fazem hoje Guilty Gear e a Arc System ser o paragon, o padrão ouro do que podemos esperar de um jogo de luta anime-like. Não foi agora, mas a gente chega lá.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 129 (Julho de  1999)


Edição 130 (Agosto de 1998)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 032 (Julho de 1999)