quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

[#1221][Nov/97] AZURE DREAMS


Sonhos Indigos é um daqueles (não tão comuns assim, me orgulho em dizer) jogos dos quais eu nunca tinha sequer ouvido falar em toda minha vida até pegar essa edição da Super Game Power. O que torna mais raro ainda é que é um jogo de uma das maiores desenvolvedoras da época, e não existem realmente muitos jogos da Konami aos quais eu nunca tinha ouvido falar - especialmente os que nem são do tipo "só lançaram em 3 bairros no Japão" ou algo do tipo.

Então uma vez tendo conhecido, jogado e terminado esse jogo ao qual eu sequer tinha nenhum conhecimento prévio, eis meu hot take sobre o jogo: tirando jogar o jogo, Azure Dreams é muito interessante. Eu sei que é que uma afirmação estranha para fazer sobre um videogame, mas eu prometo que vai fazer sentido.

A capa japonesa desse jogo, meua migo HAHAHAHA

Como de costume, vamos começar do começo: a cidade de Monsbaiya é mundialmente famosa por sua exótica atração, a Torre dos Monstros. Por algum motivo que é um mistério para o mundo, dentro dessa torre mágica monstros spawnam infinitamente o que gerou um lucrativo negócio para a cidade de domadores de monstros que entram na Torre para capturar criaturas exóticas (ou partes delas, ao menos) e vende-las para o mundo. 

Seu pai, Guy, é um dos mais proeminentes domadores de monstros que movimenta a economia da cidade até o dia em que em uma incursão a Torre, as coisas não sairam bem como esperado...


Suponho que depois disso não é surpresa dizer que Guy jamais foi visto novamente. Bem, vários anos se passaram e agora é a vez de seu filho (você, no caso) começar a colocar comida na mesa e entrar na Torre para capturar monstros e descobrir o que tem no topo dela, assim como o que caralhas aconteceu com seu pai. Não necessariamente nessa ordem.

Isso sendo dito, eis como as coisas funcionam de facto: Azure Dreams é um Dungeon Crawler roguelike. Para aqueles que não são fluentes em jargões videogamisticos (ou seja, pessoas que costumam tomar sol ao menos uma vez por mes), isso quer dizer que o jogo é essencialmente sobre explorar masmorras que são geradas aleatoriamente cada vez que vc entra em um andar. Ao menos o mapa e a posição das coisas são gerados aleatoriamente, os monstros e os itens que tem chance de aparecer tem uma probabilidade vinculada ao andar.

Bem, taí um jogo que começa REALMENTE do começo...

Seja como for, eis como as coisas realmente REALMENTE funcionam: embora olhando de longe o jogo pareça um action RPG, na verdade ele é um jogo de turnos. Cada passo que vc dá dentro da masmorra passa um turno e seu objetivo é usar de violencia para matar monstros, coletar tesouros e achar o andar para o próximo nível. Até aí, nenhuma exoticidade do que você esperaria de outros dungeons crawlers da época (incluindo CHOCOBO MYSTERY DUNGEON, cuja semelhança fica clara logo de cara): entre, mate, saqueie, tesouros e level up, próximo andar.

O que esse jogo faz de diferente, entretanto, é que ele não é apenas o dungeon crawler da Konami como também é o pokemon dela: você coleta ovos de monstros que podem ser chocados em parceiros digimons e eles andam com vc na dungeon. Você não controla o monstro exatamente, mas pode dar ordens para ele: a que distancia e em que posição ele vai ficar de vc, quando ele tem que usar ataques especiais e essas coisas... o que o jogo responde com uma IA bastante satisfatória para a época até.


Porém isso não é tudo: após sua primeira incursão a Torre, você logo percebe que o seu parceiro monstro não é apenas um elemento do jogo, ele é a chave da porra toda. Pq? Bem, pq cada vez que você entra na Torre seu nível volta para o nível 1 e vc tem que upar a porra toda do zero... mas não o do seu monstro. Ele mantém o nível que ele tinha, então suponho que não é dificil ver que após algum tempo de grinding sua função vai ser mais prestar suporte para o monstro vários níveis acima de vc do que qualquer outra coisa.

E é aqui que reside o maior problema do jogo: ele é essencialmente sobre grinding. Tá, a imensa maioria dos dungeons crawler são, mas esse é REALMENTE sobre grinding, pq cada vez que vc entra na Torre tem que começar do primeiro andar e fazer todo seu caminho até o topo, o que depois de algumas runs fica EXTREMAMENTE repetitivo. 

Embora o jogo diga que a dungeon é gerada aleatoriamente cada vez que vc entra num andar, e embora isso seja tecnicamente verdade... na prática não tanto assim. Embora a dungeon mude o seu mapa a cada vez, a aparência, as coisas que tem em cada andar e o layout básico de cada nível permanecem exatamente os mesmos. As cores e texturas permanecem, e a configuração do pequeno caminho que leva a uma sala grande é repetida de forma consistente. As mudanças reais são pequenas e após a terceira vez na torre você vai ficar com a nitida sensação que está jogando a mesma fase de novo e de novo. 

Realmente não ajuda muito que o level design das dungeons é apenas o básico do básico, uma linha que leva a uma caixa (ou um corredor que leva a uma sala maior) e repita até que tudo se conecte aleatoriamente. Não é tão particularmente divertido assim e após algumas horas de bem pouca coisa diferente acontecendo, se torna bastante tedioso.

Embora teoricamente tenha a coisa de capturar novos monstros e treinar eles, na pratica não tem tanta variedade assim para justificar umas vinte horas disso. Imagine um jogo de Pokemon onde o jogo inteiro é umas vinte horas de Mt. Moon com enxames de Zubats e vc começa a entender o quão não tão divertido assim isso é. Aí adicione que o seu inventário é extremamente limitado (vc tem apenas 20 slots, sendo que pelo menos metade são ocupados com sua armadura, armas, monstros reservas - sim, eles contam como item) e vc tem um jogo que se torna cansativo antes cedo do que tarde.

Por isso que eu disse que tirando jogar o jogo, Azure Dreams é muito interessante. E agora que você entendeu a parte do meu problema com jogar o jogo - ou seja, fazer o loop da dungeon - vamos agora a outra parte: quando ele fica interessante.

Isso pq como em todo dungeon crawler tipico, Azure Dreams é sobre uma dungeon de muitos andares e uma cidadezinha ao redor dela. A cidade serve para você salvar o jogo, reabastecer itens, vender tesouros, até aí nada que você não veria em outros rugarus da época como o já citado CHOCOBO MYSTERY DUNGEON ou SHINING IN THE DARKNESS muitos anos antes. Isso, todo mundo faz.

O que só AD faz, entretanto, é que fora da dungeon existe toda uma ecologia de gerenciamento de cidade e relacionamentos que parece muito mais saído de Stardew Valley do que Grinding: The Game. Explico: na cidade, você pode usar o dinheiro conseguido na torre não apenas para comprar coisas práticas a sua aventura (itens de cura, equipamentos e etc), mas também para desenvolver a própria cidadezinha.

Vc pode, por exemplo, comprar uma casa maior e mais confortável para a sua mãe e decora-la com vários aparatos cosméticos como televisão, sofá, até papel de parede para sua casa. A cidade funciona do mesmo modo: vc pode comprar novas construções como bibliotecas e pistas de boliche que revitalizam as coisas que dá pra fazer na cidade (a pista de boliche abre um minigame, a biblioteca abre um compendio dos monstros que vc já enfrentou). 

O que foi uma sacada bastante interessante da Konami, pq são raros os jRPGs onde vc ganha não apenas poder de combate mas sim status social: quando vc começa o jogo, todo mundo na cidade te trata como um piá de bosta no sentido que os lojistas mesmo te esculacham tipo "ah, vc veio aqui ficar olhando e não comprar nada, minha parte favorita do dia". Porém conforme você vai ficando grandão na grana e colocando dinheiro na cidade, as interações com os NPCs mudam e as pessoas passam a te tratar com o respeito dedicado ao mecenas que está financiando aquela cidade inteira.

O jogo não apenas fala na sua introdução que essa é uma cidade cuja economia inteira gira em torno dos domadores de monstros da torre, ele faz isso na prática com o respeito que seu personagem vai ganhando na cidade. E, claro, dar mais conforto para sua mãe agora que vc é um rockstar da grana também é um toque bem maneiro por parte da Konami.

Se parasse por aí o jogo já seria bem diferente do habitual em tom, mas não para: em uma virada de eventos que REALMENTE parece que saiu de Stardew Valley, existem pouco mais de meia dúzia de garotas espalhadas pela cidade, com personalidades variadas, precisando que você atenda diferentes pré-requisitos para se apaixonar por você (ok, isso soou estranho, mas é como funciona no jogo), embora muitas delas você só precise conversar persistentemente entre as incursões na torre e escolher as respostas apropriadas. para conquistar seu coração. 

Então, sim, Azure Dreams não é apenas sobre expandir a cidade e se tornar um explorador da Torre respeitado, como é sobre namorar cocotinhas pela cidade. E enquanto isso não leva a nenhum desdobramento muito profundo (não espere casar e ter filhos, esse jogo NÃO é Stardew Valley afinal), ao menos dá uns dialogos interessantezinhos e vc pode desbloquear ver elas de biquini na piscina publica da cidade (assim que vc pagou pra construir uma). O que, considerando que a pixel art desse jogo é realmente bonita, e considerando que é um jogo de PS1 de 1998, é meio que até onde dava pra ir, vcs esperavam mais o que?


Torcedores, calma tb né. Mas falando nisso, eu vi que existem rumores que foi removido da versão ocidental do jogo a possibilidade de se casar ou mesmo de datear um cara, só que até onde eu averiguei nada disso é verdade. As coisas que foram removidas ou censuradas deste jogo se resumem a mudarem o querubim que aparece no início (o que é bom, porque o da versão japonesa é um mutante horroroso) e a dublagem foi abandonada no lançamento ocidental. 

Agora, a dublagem costuma ser terrível em jogos de PS1, então não acho que perdemos nada nesse aspecto... Teria sido legal se eles mantivessem a dublagem original em japonês, mas isso era bem raro acontecer na época. De qualquer forma, talvez a pior parte é que esse jogo tem uma das piores traduções que eu já vi em um jogo de PS1 ao ponto que a gramática ruim te faz escolher opções erradas mais vezes do que o bom senso recomenda. Bom trabalho, Konami.


Mas enfim, embora necessitem de algum refinamento (e de uma tradução melhor), as ideias básicas dos aspectos da cidade são muito bonitinhas, observar a cidade florescer conforme nosso herói se torna mais bem-sucedido e vai sendo mais respeitado por isso, tudo isso é muito interessante.

Onde o jogo falha mesmo... é na parte de jogar o jogo, no dungeon crawler e agora você entende minha colocação inicial. Esse jogo me lembra um pouco o primeiro ACTRAISER, que é um jogo composto por dois generos completamente diferentes (plataforma e e god game) em que um é bem mais divertido que o outro (nesse caso, a parte de plataforma é bem meh e a parte de gerenciar seu povo é que é interessante).


Em Azure Dreams, o grosso do jogo mesmo é a parte da masmorra onde vc vai passar dezenas de horas... e essa é uma parte bem tediosa - especialmente com as pegadinhas tipo armadilhas invisiveis que baixam o nivel do seu equipamento ou vc perder TODOS os itens se morrer. Mesmo com a possibilidade de fusões de monstros depois de determinado ponto, não tem muita coisa que salva o grinding imenso que essa coisa. Quando vc sai da masmorra, a cidadezinha parece um jogo inteiramente diferente e eu gostei bem mais desse quase joguinho de fazendinha, por mais simples que as coisas sejam nesse aspecto.

Então taí um jogo bem diferente que é uma mistura de Pokemon, CHOCOBO MYSTERY DUNGEON e Harvest Moon. E enquanto não necessariamente brilhante em nenhuma das frontes que tenta... bem, com certeza é um jogo bastante único.



MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 131 (Setembro de 1998)


Edição 132 (Outubro de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 038 (Maio de 1997)


Edição 053 (Agosto de 1998)