quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

[#1212][Nov/97] THE GRANDSTREAM SAGA

Começarei o texto de hoje fazendo uma revelação bombástica: jogos ruins são, bem, ruins. Sim, eu sei, eu sou um Xerox Rolmes. Mas então, muito raramente, quanto as estrelas estão certas e o vento sopra a favor, nós temos um jogo ruim... diferente.

Veja, existem alguns jogos que não são apenas ruins, eles são tão ruins que fazem as coisas de uma forma espetacularmente ruim ao ponto que vc fica hipnotizado pela ruindade e pelas escolhas pavorosas que eles tomaram. É o tipo de jogo que vc nem fica puto realmente, vc fica em choque com a mão no queixo e um sorriso nervoso de "meu deus, como eles não viram que essa ideia é uma merda"?

Em outras palavras, esse jogo é o The Room dos videogames. Simples assim, aquela coisa que é tão catastroficamente ruim que é na verdade uma perola pela sua ruindade! Isso sendo dito, vamos começar do começo...


Desenvolvido pela Shade e publicado pela THQ, a Saga Grande Fluxo foi lançada em 1997 e entre o nome genérico do jogo, a desenvolvedora sem renome e a editora não muito mais consagrada que isso, eu não tenho certeza se conheço uma combinação de palavras menos interessante na história dos videogames.

Não surpreendentemente, Grandstream Saga passou completamente batido na época, e como seria diferente? Porém se as pessoas ainda estivessem acordadas depois de ouvir a respeito desse jogo, descobririam que estavam perdendo uma combinação única de elementos. Não boa, mas definitivamente única.

Antes de tudo, entretanto, é necessário entender quem é a Shade a desenvolvedora desse jogo... que só fez esse jogo pq essa informação é importante. Vê, a coisa é que se você pensar em Action RPGs para o Super Nintendo, muito provavelmente a imagem que vai te vir a mente é... bem, THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST, dã... mas se vc for além do clássico seminal da Nintendo, provavelmente você vai estar pensando em algum jogo da Quintet: ILLUSION OF GAIA ou Terranigma, por exemplo.


Bem, em 1995 o diretor Koji Yokota saiu da Quintet para fundar a sua própria empresa, levando consigo alguns dos nomes mais importantes da Quintet e assim nasceu a Shade. A lógica era simples: se a Quintet era a maior produtora de Action RPGs para o Super Nintendo, o quão dificil seria replicar isso no Playstation ... com o orçamento de uma empresa de fundo de quintal?

HÃ, MUITO?

Muito, de fato. Isso pq enquanto a Quintet tinha seu jogos publicados (e logo o orçamento) de uma companhia grande como a Enix, a Shade não era ninguém na fila do pão e o melhor que eles conseguiram foi... bem, a THQ. Então vc pega uma galerinha que sabia fazer jogos no Super Nintendo mas não entende bulhufas de programar em 3D e muito menos no PS1, tira o suporte financeiro e solta essa galera no mundo pra ver o que acontece. O que possivelmente poderia dar errado?

Bem, vamos dizer apenas que depois desse jogo, o pessoal voltou correndo para a Quintet com o rabo entre as pernas e isso já dá um bom tom do que podemos esperar a seguir...


A história do jogo, saiba você, é interessante. Bastante interessante, de facto: muitos séculos atrás, uma terrível guerra tornou toda superfície do planeta em oceano. Imagine uma mistura de guerra nuclear com aquecimento global, ao invés de tornar o mundo um deserto radioativo a guerra elevou o nivel dos mares ao estilo Waterworld.

Então para que a humanidade não fosse extinta, os magos ergueram quatro grandes ilhas flutuantes que é onde as pessoas vivem. O problema é que depois de tanto tempo a magia está perdendo efeito e as ilhas flutuantes estão caindo no oceano: com efeito, a primeira cena do jogo é o pai adotivo do nosso herói está cortando nacos de terra da ilha pra diminuir o peso e fazer a ilha cair mais devagar - o que não vai resolver o problema, mas o que mais ele poderia fazer senão ganhar o máximo de tempo possível?

Agora, esse é um cenário muito interessante, e vc pode imaginar que nosso herói terá um papel pivotal em resolver a situação de alguma forma. E com algum tipo de experiencia em videogames, vc pode tambem imaginar que vc terá que passar em cada uma das quatro ilhas e resolver o problema delas individualmente antes da dungeon final onde vc enfrentará algum tipo de deus maligno ou algo assim porque é assim que RPGs japoneses rolam.

Prioridades, eu te digo

Até aí tudo bem, magrão, e eu vou te dizer que a premissa do que está rolando em cada ilha é bem criativa as vezes, onde por exemplo na ilha do fogo (é claro que as ilhas são temáticas elementais, obvio) existe um vulcão ativo no meio dela. Para impedir que a ilha balance (já que é uma ilha flutuante, afinal) e a lava derrame por toda parte, foram construidas duas cidades em lados opostos da ilha e o peso delas é medido constantemente - tanto que quando vc chega na ilha, vc e seu grupo são literalmente pesados para ver para que cidade vocês podem ir sem perturbar o balanço da porra toda.

Um pouco exagerado, mas criativo. O que é bom, e de igual modo todas as ilhas tem algum tipo de treta interessante rolando... no papel. Pq na prática... bem, lembra quando eu disse que esse jogo é o The Room dos videogames? Então, é aqui que começa.

Mas... o que eles fazem com as pessoas gordas, exatamente? Elas não podem só ser jogadas pra fora da ilha, só iria piorar o equilibrio. Eles são mandadas para um campo de concentração de dieta forçadas?

Como eu vou colocar as coisas... ah, ja sei: PUTA QUE O PARIU COMO CHATO PRA CARALHO NESSE JOGO! MINHA NOSSA SENHORA EM QUASE OITO ANOS DE BLOG EU NUNCA VI UM JOGO TÃO CHATO PRA CACETA.

Vcs acham que eu estou exagerando, mas eu juro que não estou: pra entrar na primeira dungeon leva MAIS DE UMA HORA DE ENROLAÇÃO. Sério, eu olhei no relógio (pq eu estava tão entediado que eu não tinha mais nada pra fazer) UMA HORA E DEZ MINUTOS DE ENCHEÇÃO DE LINGUIÇA! Sabe aqueles papo farinha de NPC de jogo dos anos 90? Agora imagine MAIS DE UMA HORA DISSO.

Mas mermão, é UMA HORA E MEIA DESSES PAPINHOS QUE NÃO LEVAM A LUGAR NENHUM APENAS PRA COMEÇAR O JOGO!

Uma hora onde nada relevante acontece, ninguém tem personalidade nenhuma, vc só vai de um lugar a outro com as fetch quests mais genéricas concebidas pelo homem! A treta da ilha do vento, a primeira, é que uma sacerdotiza foi sequestrada por piratas e pra vc ir até a porra da nave pirata é uma burocracia do caralho. Fale com o Zezinho, agora tem uma ceninha absurdamente mal escrita onde vc vai pra outro lugar e mais pessoas falam coisas básicas e genéricas de RPG.

E isso é só a introdução para a primeira dungeon, apenas imagine que vc tem quase uma DEZENA de horas desse papinho mole. Sério, eu não sei o que os caras da Shade estavam pensando aqui: se o foco do jogo é na ação, então eles não repararam que leva quase UMA HORA E MEIA pra vc entrar na primeira dungeon?

Ou se o foco do jogo é a narrativa... eles não perceberam que o texto deles colocaria pra dormir o cracudo cheio de Red Bull com Cocaína mais louco do quarteirão? Sério, como eles não viram o quão tedioso e básico é o texto desse jogo antes de colocar HORAS E HORAS DISSO no jogo? Chega  a ser uma arte como eles não consegue ver o quão narcoléptico esse jogo é!


E realmente não ajuda muito que os personagens que vc verá durante várias horas da sua vida são as coisas mais obvias e previsiveis desde que o primeiro japonês se arrastou para fora do oceano e deu origem a vida na Terra. 

Eon é o seu herói típico otimista que não poderia machucar uma mosca, Arcia é uma santa ingenua que não tem maldade de como o mundo funciona e Laramee é nossa tsundere que não é como se eu gostasse de você nem nada, baka! Este é o nosso trio e suas interações se escrevem fazendo cada pedacinho de diálogo tão previsivel que vc já sabe tudo que eles vão dizer dois dias antes que eles falem. Absolutamente adoravel. 

Agora, verdade seja dita, eu não sei o quanto foi perdido na tradução - e dado o histórico do que aconteceu com a tradução de ILLUSION OF GAIA, que foi feito pelos mesmos caras afinal, não seria surpresa - então eu não posso ter certeza que a versão japonesa não seja algo que seres humanos consigam ler sem entrar em coma por tédio pelos próximos seis meses, talvez a história seja mais interessante do que brincar de telefone passando recados de um NPC a outro, e talvez os personagens tenham personalidades reais

E sim, obviamente que o seu herói é o chosen one com um poder que trará equilibrio a Força ou algo assim

O que eu tenho certeza é que certamente algo aconteceu durante a localização porque não apenas o jogo tem erros crassos de nomes (como uma cidade ser escrita de duas formas diferentes), como a pontuação foi muito maior nas revistas japonesas do que aqui. Então, sim, eu considero essa possibilidade.

Porém, enquanto eu gostaria de poder dizer que esse jogo é o mesmo caso de ILLUSION OF GAIA e se trata de um jogo fantástico que foi arruinado pela localização... não, definitivamente não. Quando eu disse que o jogo falha espetacularmente em tudo que ele tenta a fazer a níveis The Room, eu não estava brincando. 

Prova A: o combate. Mais conhecido como... isso:


Mano. MANO. Manooooooooo. Que porra de combate cagado é esse? Eu quero dizer literalmente, o boneco se mexe como se tivesse cagado nas calças, que porcaria é isso? Po gente, é um jogo quase de 1998, é inadmissível que o jogo movimente com toda graça e elegancia deu um jogo de 3DO de 1994!

Sério, acho que a única coisa que eu consigo pensar que rivaliza com o quão burocrático é o combate seria VIRTUAL HYDLIDE. Eu entendo que eles miraram em fazer um soulslike antes antes de Dark Souls existir, mas tudo que conseguiram foi acertar em VIRTUAL HYDLIDE. Parabens a todos os envolvidos. A coisa ainda seria menos pior se os inimigos não passassem a maior parte do tempo defendendo... mas pra que fazer um jogo minimamente divertido, não é verdade? É verdade.

Porém apenas isso faria esse um jogo ruim, e existem dezenas, centenas de jogos ruins nesse blog. E eu prometi a vocês que esse seria um jogo FANTASTICAMENTE ruim, então eis a pegadinha aqui: lutar não te dá nada. Com efeito, se você for ver qualquer gameplay do jogo, o jogador está constantemente tentando evitar todo combate possível porque você não ganha nada com isso, apenas perde - energia e sanidade (não do boneco, sanidade do próprio jogador ao passar por isso por horas e horas e horas).

PARA DE DEFENDER ALIENIGINA FILHO DA PUTA

DO QUE TU TÁ FALANDO CARA, ISSO É UM ACTION RPG! LUTAR DÁ EXPERIENCIA E VC PRECISA SUBIR DE NÍVEL, ISSO É O BÁSICO DO BÁSICO DE UM RPG!

Então, eu não disse que eles foderam essa porra a níveis de The Room? Eis o que rola: sim, de facto o jogo tem experiencia e niveis. Porém lutar não dá experiencia, e como já mostrado, não dá nada senão desgosto e perda de tempo.

Como você ganha níveis então? Bem, seu personagem sobe de nível automaticamente em pontos pré-determinados na história... o que até aí não é tão terrível assim. Torna o combate nada senão aborrecimento e perda de tempo? Sim, mas é como D&D faz com pontos de experiencia hoje, por exemplo, então não é o fim do mundo

Porém o que me fez eu soltar um "não creio que meteram essa" é o fato que... acreditem vcs ou não... SUBIR DE NÍVEL NÃO FAZ DIFERENÇA NENHUMA! Sério, vc não ganha atributos, no máximo ganha tipo +5% de HP, o que é muito menos do que um golpe básico de um inimigo do começo do jogo tira por patada.


Pra que existe um sistema de level up nesse jogo então? Bastante simples: nada. Os caras simplesmente não programaram nenhuma recompensa por isso, é apenas um numero na tela de menu. Aí eu não guentei, como que eles metem essa?

Porque assim: existem duas abordagens básicas que você pode escolher para o seu Action RPG. A primeira é aos moldes de THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST, em que vc não ganha nada pelo combate e os inimigos estão ali só pra te tirar recursos... mas nesse caso, vc faz o combate ser dinamico e satisfatório como é no caso do citado jogo de 1991 (apenas quase SETE anos antes disso aqui) pra vc ter a sensação que está abrindo caminho heroicamente.

A outra abordagem possível é o jogo te recompensar por batalhar e você ganhar experiencia e níveis, especialmente quando os inimigos respawnam cada vez que você troca de tela. Isso é feito em CASTLEVANIA: Symphony of the Night, por exemplo, e é uma recompensa satisfatória por seus esforços.


A Saga do Grande Fluxo, entretanto, consegue a faça de não fazer nenhuma das duas coisas. O combate é uma desgraça tediosa que só existe para fazer vc perder tempo (pq é pra isso que nós jogamos videogames, afinal) MAS ao mesmo tempo existe sim um sistema de experiencia e níveis... que não serve pra nada. Absolutamente nada.

Como eles conseguiram bolar esse esquema que erra em absolutamente duo é nada senão pura arte, eu te digo!

A gimmick do nosso herói que ele tem um bracelete (que o jogo chama de "cetro", por alguma razão) que pode copiar os objetos que ele toca. Mecanica legal, certo? Então, não. Isso não é uma mecanica e só é usado em cutscenes e itens pre-determinados, então o "cetro" funciona ou não sem lógica nenhuma senão o que os programadores quiseram fazer

Então o que temos aqui é um sistema de combate absolutamente tedioso, o jogador é incentivado a pular a maior quantidade de combates possiveis... pelo próprio jogo! Provavelmente quando os devs viram a bosta que tinham feito e que ninguém em sã consciencia tankaria horas e horas dessa merda, eles colocaram - eu não estou de sacanagem com vocês - a melhor arma do jogo logo no começo. Pronto, agora vc pode matar todos os inimigos com um ou dois golpes!

Sério, não tem nada que ateste mais incompetencia dos desenvolvedores quando eles notam que não dá mais pra consertar a porra toda sem refazer o jogo do zero (o que consumiria muito dinheiro que eles não tinham), e então dão uma medida paliativa pra diminuir o estrago. Como encher o jogo de itens de cura em BLASTO, ou nesse caso deixar disponível a arma que deveria estar no final do jogo logo no começo pra ver se isso diminui o seu sofrimento com o quão ruim o combate nessa joça é.

Sério, eu tive lutas que duraram minutos pq o desgraçado apenas não parava de defender

É um negócio inacreditável, eu disse pra vocês como eu fiquei em choque como eles conseguiram tomar TODAS as decisões erradas aqui, esse jogo é um fenomeno! A unica coisa que eu não consigo decidir é se o jogo consegue se superar ao te incentivar a pular ao combate, ou ao te incentivar a pular o dialogo pq eu nunca tinha visto um jogo até hoje que TODOS os botões do controle pulam o texto. Mesmo o direcional, papo sério.

Novamente, os devs perceberam que tinham feito merda colocando 8 dias de texto num jogo que obviamente não tem escrita boa o suficiente para nem metade disso, e como medida paliativa pelo menos te deram ferramentas pra pular o texto super rapidão... então yay?


E já que estamos nisso, eu tambem preciso citar que esse é o RPG com mais cutscenes de anime que eu já vi na vida - dezenas de cenas mais do que em XENOGEARS - o que é bom... exceto que (é óbvio que tem um "exceto que", vc já entendeu como as coisas funcionam por aqui) a qualidade da animação é nível hentai dos anos 90.

E eu não digo hentai dos anos 90 porque aparecem safadezas, e sim pq é aquele realmente aquele traço de anime feio que vc via nos hentais de baixo orçamento pq foda-se ninguém vai investir dinheiro pra fazer um hentão bonitão. A animação de Grandstream Saga lembra muito essa qualidade.


Pra não dizer que a THQ não fez nada certo na localização desse jogo, entretanto, bem, tem uma coisa sim: originalmente, a arte da capa deveria ser essa de acordo com a propaganda pré-venda do jogo no ocidente:


Porém quando chegou a hora de fazer a capa do jogo de verdade, eles apenas meteram um "ah, quer saber? Foda-se essa merda, vamos meter uns peitão na Laramee pra ver se desencalha essa joça". E peitões eles fizeram, por isso a arte da capa ocidental do jogo foi levemente modificada para comportar tamanha magumbosidade:


Sim, isso foi uma coisa que aconteceu. Grandstream Saga, senhoras e senhores. Um jogo onde todas, e eu digo literalmente TODAS as decisões a respeito dele te deixam com nada senão essa reação:


Como eles conseguiram errar em abostoladamente tudo é nada senão material para ir para o grande museu dos jogos criminosamente hediondos. E então trancar as portas e tacar fogo nesse lugar.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 131 (Setembro de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 052 (Julho de 1998)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 033 (Agosto de 1998)