sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

[#1213][Jun/98] CARDINAL SYN


A sociedade é muito rápida em julgar, e muito lenta em perdoar. Passe uma vida inteira de virtudes, ajudando o próximo e sendo um cidadão exemplar que basta uma única vez você realizar atos sexuais com um cavalo em praça publica que vc será eternamente lembrado apenas por isso. Que mundo é esse tão cruel que a gente vive.

No mundo dos videogames, funciona da mesma forma. Frequentemente você vai encontrar por aí menções a trilogia do terror da Kronos - três jogos marcados na história dos videogames não por serem do genero terror, mas por serem tão ruins que evocam os sentimentos de panico mais basais da raça humana.

A saber, esses jogos são CRITICOM de 1995, DARK RIFT de 1997 e esse Cardinal Syn de 1998. Agora a parte injusta disso é que enquanto CRITICOM merece todas as críticas possíveis direcionadas a ele e mais algumas inventadas apenas para este jogo - e com efeito, o título de "pior jogo de luta de todos os tempos" não é de forma alguma injusto - os outros dois acabam levando a fama meio que de graça.


Quer dizer, DARK RIFT não é um jogo bom realmente, mas é okay-ish. E olha, ser okay-ish quando se é a continuação da abominação espaço-temporal que é CRITICOM já é bastante coisa... mas então eu entendo as pessoas terem o pé atrás desse jogo. E o terceiro jogo desenvolvido pela Kronos também recebe a mesma quantidade de merda por essas razões compreensíveis, mas a coisa é...

... Cardinal Syn é até que meio bom. Eu nunca achei que diria isso de um jogo de luta dos criadores de CRITICOM, mas é e é isso que veremos hoje!


Nossa história aqui é sobre a guerra engoliu os Clãs das Terras Sangrentas por muitas gerações, cada um alimentando um ciclo perpetuo de ódio pelo outro e nenhum Narutinho para a todos palestrar. O ciclo de ódio e vingança só foi quebrado quando um dia chegou um um ser misterioso na parada, mandando por fim a putaria 

Só que ao contrário do que vc poderia esperar, ele não fez isso através de uma grande demonstração de pirocagem nem nada do tipo e sim convocando todos os clãs e lendo seu Livro do Conhecimento, que falava da harmonia que eles poderiam alcançar unindo-se em paz. Sério, é assim que está escrito no manual do jogo.


Que sentido isso faz? Nenhum, não faz sentido os caras apenas decidirem "ah, okay, suponho que ninguém nunca tinha colocado essa possibilidade antes" após séculos de derramamento de sangue, mas acho que eles queriam fazer uma referencia ao novo testamento... enfim, o que eu sei realmente? O fato é que os Clãs deixaram de lado suas armas e viveram em paz adorando o estranho que chamaram de Jesus “Wanderer”. 

E por um tempo foi bom, até que um dia a terra começou a secar e morrer. Os clãs então foram procurar o Jesus-Andarilho para que ele resolvesse essa situação, ao que Jeza simplesmente respondeu: "lol, se fodam aí, vazei, flw vlw". O estranho então dividiu o Livro do Conhecimento em pergaminhos e deu um a cada clã antes de desaparecer diante de seus olhos. Os clãs então se olharam, aquele climão estranho sabe, e então decidiram:

- Hm... voltamos pra porrada então?
- Voltamos pra porrada.

E assim os clãs recomeçaram sua guerra para disputar o controle de todos os pergaminhos do Livro e o controle das Terras Sangrentas.


UAU... ESSA HISTÓRIA É, COMO EU VOU COLOCAR... UMA DAS COISAS MAIS ALEATÓRIAS QUE EU JÁ VI NESSE BLOG, E OLHA QUE EU JÁ VI MUITA COISA...

Calma que eu não terminei.

NANI?!?

Então, no meio de uma batalha particularmente brutal, uma misteriosa e poderosa feiticeira conhecida como Syn apareceu brandindo o brasão do Jesus Andarilho. Ela coagiu os líderes do clã a entregarem seus pergaminhos para ela, onde ela os transformou em três espadas com inscrições que continham o conhecimento do Livro (ou o idioma das Terras Sangrentas é muito sucinto de escrever, ou esses livros eram só biscoitos da sorte) e declarou um torneio. Cada clã enviaria seu maior guerreiro para travar batalhas até a morte. O sobrevivente e vencedor do torneio seria declarado governante de seu Clã e receberia toda a Terra Sangrenta para comandar, além de ter acesso aos segredos das espadas. 


OKAY, ESSE PLOT TWIST DO FINAL FOI UM POUCO DESNECESSÁRIO MAS TUDO BEM, ENTÃO ESSA É A HIST...

Eu ainda não terminei. No entanto, aquele primeiro torneio não teve vencedor, já que a própria Syn matou secretamente o campeão final e absorveu seu poder. Era uma bilada, cino. Mas enfim, séculos se passaram e as guerras continuaram, mas agora a cardeal Syn (suponho que ela se declare uma representante religiosa do Jesus-Andarilho) está prestes a organizar um novo torneio para absorver mais poder do campeão-trouxa... ou será que não? 


AGORA ACABOU?

Agora acabou. E sim, eu sei, essa introdução é a maior metafora a igreja católica e ao cristianismo que foi muito mal escrita e não vai levar a lugar nenhum, mas eu simplesmente tinha que compartilhar com vocês essa perola da trasheira da história dos videogames. E de certa forma não deixa de ser relevante pq assim como aconteceu em DARK RIFT, cada personagem tem sua própria intro em CG quando vc escolhe ele - o que é maneiro, CG era visto na época como uma treat ao jogador.

Eu não vou postar todas aqui, mas apenas para exemplo me permitam ilustrar com a CG da princesa do clã dos elfos, Orion:


O clã dos elfos é o mais pacifico dos clãs e a principio não tinha interesse em participar do torneio, porém ao ver a destruição causada em suas terras ela fica em SHOK e vai pedir benção ao seu pai elfo que está velho e doente. O que é estranho pq a coisa dos elfos é que eles não envelhecem, esse é todo o ponto da mitologia da raça, mas enfim... talvez o véio tenha um bilhão de anos, eu sei lá...
O que eu sei de fato é que ele dá sua benção a Orion, que reage com uma cara de quem queria espirrar e não tá conseguindo...


Assim, Orion veste a tradicional armadura do seu clã que só tem a função de levantar mais perguntas do que responde. Quer dizer, qual é a função dessa "armadura" exatamente? Pq proteção essa porra não dá, isso é menos que um biquini!

E se essas vestes são apenas cerimoniais do seu clã... quer dizer que o pai dela antes dela usava essa armadura quando era jovem? Agora eu quero uma prequel de Cardinal Syn onde o rei dos elfos luta de bikini-mail, eu te digo!

Mas enfim, passadas todas essas tolices falemos do jogo então...



No total, o jogo tem 18 personagens sendo que apenas 8 estão inicialmente disponíveis - você desbloqueia os personagens exatamente como em TEKKEN 3, terminando o jogo X vezes desbloqueia a galera nova. Os personagens disponíveis não são os mais bonitos da história do PS1, mas ao menos eles tentaram ser criativos... mais ou menos. 

Isso pq entre coisas óbvias que vc poderia esperar de um jogo de luta com temática medieval (um cavaleiro, um sacerdote vodu, um bobo da corte caótico mau), temos alguns designs bem curiosos também como um cadáver reanimado (cuja dança da vitória é bastante divertida), um hermafrodita(o lado direito é uma mulher, o lado esquerdo é uma homem) e um esqueleto com uma caveira de dragão no lugar da cabeça. 



Felizmente os personagens desbloqueáveis não são clones ou recoloros dos existentes, são designs novos - então ponto para a Kronos aqui. Claro, eles geralmente compartilham a maioria das mesmas características gerais do corpo (por exemplo, terminar com o anão corpulento libera o homem lagarto igualmente corpulento), mas ao menos vc tem a sensação que está jogando com algo diferente. Menos legal é que muitos dos golpes dos personagens desbloqueados são iguais aos do personagem com o qual você os desbloqueou, mas ainda sim eles tem uma boa dose de seus próprios golpes.

E eu não sei vocês, mas pra um jogo que é o terceiro de uma desenvolvedora que começou com CRITICOM, traçar comparações com TEKKEN 3 é léguas acima do que eu estava esperando realmente. Mesmo que seja só no elenco de personagens.



A jogabilidade é meio o que a Kronos tenta fazer desde CRITICOM: a sua boa e velha versão do homem pobre de SOUL EDGE: existem 3 botões de ataque, alto, médio e baixo e misturar os botões de ataque junto com uma ou duas direções do direcional faz com que o golpe saia em uma variedade de
alturas para passar pela defesa do seu oponente. É tão fluído e chocolatante, a física dos golpes e das armas funciona tão bem quanto em SOUL EDGE

Obvio que não. Não sei sequer pq vc considerou que havia essa possibilidade. MAS contudo porém todavia entretanto... não é terrível também. A detecção de hit é okay, a camera é comportadinha e emendar os combos é satisfatório. Não é nada que se diga "minha nooooossa que loucura", mas tudo funciona como deveria funcionar - o que, mais uma vez, é muito mais do que eu esperava desse jogo. 


E olha só, Syn ainda vai um passo além e tenta algo diferente: semelhante ao que acontece em BUSHIDO BLADEvocê tem fases 3D em que pode se movimentar livremente (usando um botão de roaming) e essas fases tem baús de power-up e perigos únicos. As fases variam em tamanho e formato, e não são tão grandes ou tem diferenças de altura quanto as de BUSHIDO BLADE... mas são diferentes o suficiente pra tornar o cenário memorável. 

Os perigos das fases incluem poças de lama venenosas, um carrinho de mina sobre trilhos, uma pedra rolante, bestas montadas na parede e até mesmo uma cabeça de palhaço soprando bolhas. A parte boa é que esses elementos que causam dano permanecem em posições fixas ou previsíveis dentro de um cenário, então não apenas ser atingido aleatoriamente não ocorre como o jogo tem um botão de empurrar que empurra seu oponente contra uma parede ou contra um dos perigos mencionados - o que não só tira vida do seu oponente, mas também ajuda a desorientá-lo, deixando-o com a defesa aberta. 


Eu vou te dizer que não são muitos jogos de luta que usam o cenário tão ativamente assim, especialmente incorporando ele a estratégia do combate, tornando esse jogo memorável por si próprio. Claro, verdade que a IA do computador é muito melhor em vc pra te empurrar para os piores lugares possíveis, o que é bem frustrante, mas já chego a isso.

Quanto aos baús de power-up, existem normalmente 3 em uma fase, embora algumas palcos tenham mais, e algumas até tenham baús em paredes quebráveis - os powerups incluem uma recuperação de energia, aumentar seu ataque temporariamente ou uma bomba que explode alguns segundos após a abertura do baú e poções mágicas (que são a "barra de especial" desse jogo, o que você gasta para dar o especial do personagem). E vou te dizer que os especiais são bem maneiros até: Hecklar amarra você como uma marionete, Voduu pode encolher sua cabeça, Juni transforma seus braços em galhos inúteis, etc.


Isso tudo torna esse jogo bem único e sua própria coisa, porém se você é o tipo pro-player serião que não quer bullshitagem na sua contagem de frames perfeita para cada golpe, bem, você pode ativar ou desativar qualquer uma dessas coisas no menu de opções. Todo mundo joga do jeito que quer, yay!

Então por tudo isso que eu disse que Cardinal Syn é, surpreendentemente, meio que bom até. E é aqui que eu explico pq o "meio que", pq embora o jogo tenha ideias muito boas rolando aqui a execução é um tanto falha. Para começar, tem a questão da dificuldade: jogar contra a máquina é uma desgraça. 


Seus bloqueios são sempre perfeitos, ao passo que o mesmo não é verdade para você. Isso se torna problemático pq os combos nesse jogo são um tanto longos, então não é incomum a máquina te emendar longas sequencias de combos e vc ter que acertar a altura do bloqueio pra tentar parar - o que não é uma coisa realmente simples dado o tempo de reação que vc tem. Novamente, o computador nunca tem nenhum desses problemas, é claro.

Honestamente o melhor que vc pode fazer é não tentar acertar a defesa: apenas adote uma altura de bloqueio e fique nela. Vc vai tomar todos os outros tipos de golpes, mas ao menos uma categoria vc vai bloquear. É uma forma divertida de jogar o jogo? Não, é uma bosta, mas é o mais eficiente que dá pra fazer.

Adicione a isso um sistema onde quando vc cai não tem nada que possa fazer pra ser atingido no chão, e um sistema de ataques de projeteis que abre completamente sua defesa - e o computador está muito disposto a usá-los com frequência. Novamente, pra vc jogador não é tão fácil spawnar projeteis, mas o computador tem zero dificuldade em fazer isso se vc se afastar e acredite que ele vai.


Some a isso o chefe final mais roubado da história dos videogames (ele se move rápido como se não tivesse peso, alcança toda tela e tem três tipos de ataques indefensáveis) e temos um jogo absurdamente frustrante pra se jogar a campanha. O pior jogo de luta é aquele que você apenas apanha e não tem ferramentas para sair dos combos, e em Pecado Cardeal isso acontece. Tipo bastante. Se a dificuldade do modo normal fosse diminuida e o sistema de ataque fosse mais telegrafado, seria um jogo muito mais divertido no geral, tanto para jogadores novos quanto para veteranos dos jogos de luta.

Isso é a parte que faz CS ser "meio que" bom e não realmente bom de verdade. Ainda sim, preciso dizer que comparado com outros lutadores medianos do PS1 da época, ele está muito acima de STAR WARS: Masters of Teras Kasi e VS.., e galaxias inteira acima do já citado predecessor da Kronos, CRITICOM. Mas comparado a qualquer lutador da Namco ou da Sega, falta fluidez e jogabilidade. Os lutadores da Namco têm uma certa sensação de peso certo e naturalidade dos movimentos que falta a Syn. 

O jogo é okay para dois jogadores e o caos dos perigos elementais dos cenários adiciona muita zoeira com o coleguinha do seu lado, apenas fique longe do modo campanha e as coisas vão funcionar pra vc. Mais ou menos. 

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES

Edição 133 (Novembro de 1998)



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 045 (Dezembro de 1997)


Edição 052 (Julho de 1998)