De todas as desenvolvedoras de jogos, é dificil encontrar uma empresa com uma linha editorial mais clara do que a Nintendo. Essencialmente eles são a Disney dos videogames: seu negócio são conteúdos family friendly em que o objetivo primário é não ofender ninguém da mínima forma possível.
Isso quer dizer que os jogos de Nintendinho, e posteriormente de Super Nintendo, passavam por uma censura pesada na mão da Big N antes de serem lançados pq não podia incomodar nenhuma vovó que estivesse passando pela sala. O que resultou em coisas bizarras, tipo MORTAL KOMBAT ter sido lançado no Super Nintendo com cortes family friendly. Porra véi, fucking MORTAL KOMBAT, um jogo de luta fraco cujo todo o ponto do jogo é apenas sua violencia!
Acima a versão "family friendly" do Super Nintendo, enquanto no original o Sub-Zero arranca a cabeça com coluna e tudo
Porém não é apenas violencia que a Nintendo censurava, mas qualquer tema minimamente controverso. Não que em 1990 os jogos fosse veículos de discussões sociais ou nada do tipo, porém a Nintendo não corria nenhum risco e por exemplo qualquer simbolo levemente religioso era censurado no ocidente. Serião:
E pq eu estou falando disso? Bem, pq tendo em mente como as coisas eram nessa época (não que hoje a Nintendo tenha abandonado totalmente essa politica, mas eles não tem mais o mesmo poder de veto que já tiveram um dia), é realmente surpreendente que um dos jogos de lançamento do Super Nintendo no ocidente tenha sido um jogo sobre ser DEUS.
Não, eu não estou falando de jogos que são classificados como "god games" onde vc gerencia coisas através de um poder invisivel como se fosse uma divindade mágica (como SIM CITY, por exemplo) e sim um jogo em que você é literalmente Deus - com as pessoas te adorando e rezando pra vc, a coisa toda. Definitivamente é a última coisa que eu esperava para ser um dos seis jogos que estrearam o lançamento do SNES no ocidente!
Nossa história aqui é que a muito tempo atrás Deus e o Diabo lutaram (embora devido às regras rígidas da Nintendo, os nomes tiveram que ser alterados no Ocidente para “O Mestre” e “O Maligno” , mas não esconde sobre o que a história é realmente), e o Tranca-Rua venceu.
Deus então, tendo tomada uma ruim nas mãos do Maligno e seus seis generais, caiu em um sono profundo para se recuperar. Despertado vários anos depois por um anjo, Deus encontra seu mundo desprovido de fé - a fonte de seu poder. O Tinhoso reina supremo sobre a terra e, para derrotá-lo, Deus deve reconstruir a fé dos cidadãos e enfrentar cada um dos seis generais, um por um.
E como você faz isso, exatamente? Bem, é aqui que o jogo começa.
O jogo começa você sobrevoando uma região na sua nuvem Deusmovel, então a primeira coisa que vc tem que fazer é tornar a terra habitavel para que os humanos possam viver e te louvar (a parte mais importante pra vc pq é daí que vem a sua barra de HP e a sua mana). E por "tornar habitavel", eu quero dizer descer lá e encher os monstros de piaba na orelha. Literalmente descer lá, transferindo uma fagulha da sua essencia divina para uma estátua que servirá como seu avatar divino para espancar divinamente todos seres não divinos, pq é assim que Jeovazão da Massa rola.
Então a primeira coisa que você faz em um mapa é jogar uma fase de plataforma. Vou ser sincero com vocês, não é a melhor plataforma do mundo mas então eu sou obrigado a dar um desconto aqui: é literalmente a primeira leva de jogos do console. O gameplay é muito durango e parece muito com jogos de Nintendinho, mas então não é como se alguém já tivesse feito jogos para o SNES antes. Como eu disse, se existe um jogo que merece um desconto nesse mundo, é esse.
Então vc pula, você corta os inimigos, você pode usar magias (como meteoros de fogo caindo do céu). Enfim, o extremamente básico do básico. Não é ruim, apenas é um jogo comum e definitivamente não é nada que salte aos olhos em comparação ao que já se fazia no Nintendinho.
O curioso aqui é que a seleção dos inimigos não é nada aleatória: a Quintet sorrateiramente coloca o cristianismo em uma cruzada contra todas as outras crenças, as batalhas são travadas contra deuses e monstros hindus, maias, gregos e romanos ao longo do caminho em uma busca para ser a única crença verdadeira. Não é uma coisa muito na cara (até pq senão a Nintendo teria um AVC censurando isso), mas não dá pra negar que cada fase tem uma temática bem pronunciada.
Então kudos aos caras por terem metido essa, olhando em retrospecto foi uma sacada tematicamente brilhante.
Seja como for, depois que você terminou essa primeira fase de plataforma é que a verdadeira magia do jogo entra em jogo, pq agora seus fieis estão habitando aquela região e cabe a você administrar a bagaça em um estilo SIM CITY. Essa é a parte do jogo que me ganhou.
No modo de simulação, você ajuda os habitantes da cidade a construir casas, cultivar plantações, selar covis de monstros e construir outras estruturas. Em outras palavras, você ajuda a construir civilizações, e quanto mais você constrói e descobre, mais a civilização avança.
Para isso você tem algumas ferramentas: você pode indicar para que lado quer que o povo construa a cidade, assim como tem controle total sobre o clima. Você pode usar o sol escaldante para secar pantnos e torna-los habitaveis, nuvens de chuva para encharcar as plantações ou tornar desertos habitaveis.
Em compensação, existem coisas que você precisa fazer pelas pessoas para elas te louvarem como seu Senhor e salvador. Você pode permitir que os monstros errantes capturem seu povo, ou você pode sentar a flechada nos safados. Você não morre enquanto estiver nesse modo, mas se você ficar sem energia você tem que esperar um minuto ou mais antes de poder usar suas flechas novamente. Durante esse tempo, os monstros podem destruir casas, colheitas ou sequestrar pessoas da vila!
E vc quer que o seu povo fique feliz e desenvolvido, pq é daí que vem suas barras de energia para as fases de plataforma. Logo, é um ecossistema que possui uma sinergia muito interessante: vc protege as pessoas e resolve as tretas deles, em troca eles te louvam o que te dá HP, mana e algumas oferendas que você usa para resolver problemas em outras terras. Por exemplo, depois de resolver as tretas do primeiro mapa, seus seguidores te oferecem a tecnologia que eles desenvolveram de criar pontes - algo que você pode dar para o pessoal do mapa vizinho.
Cada mapa tem um tema e seus problemas particulares para resolver - seja através dos seus poderes ou através de oferendas conseguidas de outras terras - e uma vez que vc faz isso abre outra fase de plataforma onde vc lutará para eliminar os capirotos de vez daquele mapa.
E esse é basicamente o loop do jogo: plataforma, simcity-like, plataforma. E quer saber? É realmente divertido. Embora nenhum dos dois modos de jogo seja particularmente complexo (o jogo de plataforma, como eu disse, é bem basicão ao nível Nintendinho e o modo simulação não é nenhum SID MEYER'S CIVILIZATION certamente), juntos eles criam um equilibrio que te mantem entretido por várias horas.
Quando você adiciona a isso uma representação bastante interessante do seu conceito (algo que não pode ser dado como garantido mesmo hoje, quanto mais naquela época) e que esse jogo foi lançado quando o Super Nintendo era tudo mato... taí um jogo que definitivamente vale a experiencia.
A pior coisa a respeito desse jogo é que infelizmente seu conceito não foi polido em uma continuação, já que ACTRAISER 2 jogou seguro sendo um jogo inteiramente de plataforma e... boy, oh boy... Mas hey, nem tudo esta perdido porque em 2021 esse jogo recebeu um remake completo - porém essa é história para outro dia, se Deus quiser.
... viram o que eu fiz aqui, hã? Hã?
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES Edição 001 (Maio de 1991)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER Edição 031 (Outubro de 1996)
MATÉRIA NA GAMERS EDIÇÃO 075 (Agosto de 2000 - Quinzena 1)