Croc 2 é uma continuação bem curiosa: sob todos os aspectos tecnicos e práticos, ele é vastamente superior ao seu predecessor e não é por uma margem pequena. Porém, isso sendo dito, ele é muito pior avaliado ao ponto que enterrou a franquia! Como isso pode ser? É o que veremos no episódio de hoje.
Então, para aqueles que não estão lembrados, CROC: The Legend of Gobbos é mais famoso por ser o jogo de plataforma mais medíocre da história da plataforma 3D do PS1. E eu estou usando o sentido literal da palavra, pq esse é o jogo mais "okay, ele não faz nada de fundamentalmente errado, mas também não faz nada de tão certo assim também". É um jogo que fundamenta todos os problemas da Argonaut Games: eles excelentes nerds de programação, péssimos artistas de criação. CROC: The Legend of Gobbos tecnicamente funciona, mas é desinspirado e nada nele é digno de nota realmente.
Na verdade sua melhor qualidade foi estar no lugar certo e na hora certa, já que quando ele saiu não haviam muitas opções melhores para jogar no PS1 e Saturn (nossa, parece que foi ontem que o Saturn ainda era uma coisa nesse blog) em termos de plataforma 3D. Todas as crianças que não tinham um Nintendo 64 e não podiam jogar SUPER MARIO 64, o mais perto que dava pra ter era CROC: The Legend of Gobbos.
"Eu não sei o que tá escrito nessa mensagem, mas tem uma foto do meu pé! Meu pé, cara, será que o Tarantino tá solto por aí?" |
Isso fez com que CROC: The Legend of Gobbos, apesar de todas as suas limitações, vendesse excelentes 3 milhões de cópias - o que garantiu uma continuação. E hey, uma continuação é sempre uma chance de corrigir os erros do passado e soltar sua imaginação sem se preocupar tanto em fazer o jogo apenas funcionar (o que consome um tempo enorme do desenvolvimento, afinal).
Nossa história aqui é que após ter derrotado o vilão do mal que odeia o bem no jogo anterior, seus cultistas dantinis literalmente o ressuscitam do inferno e ele volta a aterrorizar os Gobbos por motivos que não foram explicados naquele jogo, e logo não serão agora.
Entretanto essa jornada tem um toque pessoal para nosso menino crocolicia: ele encontra uma carta de seus pais biológicos pedindo socorro... pq o vilão queria se vingar do Croc, então... encontrou os pais que ele nem sabia que ainda estavam vivos... o que permitirá um reencontro? Hã, obrigado, eu acho?
Pq sério, até onde planos malignos vão, eu diria que "há! Você achou que era órfão criado por Gobbos, mas eu achei seus pais e aqui está onde vc poderá se reunir com eles! Tome essa!" não é exatamente o plano mais maligno que eu já vi em todos esses anos nessa indústria vital. Mas o que eu sei de planos malignos realmente, né?
Mas enfim, se nosso vilão do mal que odeia o bem não é lá muito competente no seu trabalho, ao menos os caras da Argonaut podem dizer que são: os controles são infinitamente melhores que no jogo anterior. Ao invés daquele esquema bizonho que tentava ser analógico e usar tank controls ao mesmo tempo, fazendo um jogo parecer não saber se queria ser TOMB RAIDER ou SUPER MARIO 64 e decidiu ser os dois ao mesmo tempo.
Aqui não, o jogo adere ao esquema completamente insano de apertar para direita move você para a direita, esqueda vai pra esquerda, frente vai pra frente e trás vai pra trás. Insanidade, eu sei, mas esses loucos argonautas realmente estavam se sentindo ousados. O que torna o movimento de sidestep do jogo anterior meio inutil, eles mantiveram só pra não mexer na programação do boneco - o que qualquer um que já programou na vida pode entender, se está funcionando PELO AMOR DE DEUS NÃO MEXE!
A duração do seu ataque também foi aumentada - Croc agora fica invulneravel a dano por mais quadros de animação quando você aperta o botão e isso contribui muito com a enjoyabilidade do jogo, jogos 3D com alcance curto são uma das pragas que Deus mandou para assolar o egito.
Porém a coisa que mais mudou nesse jogo em relação ao anterior é que aqui a Argonaut realmente, realmente deu o seu melhor para ter uma variedade no level design com o melhor das suas habilidades. Especialmente após o segundo mundo, quase todos os níveis têm algum tipo de gimmick, o jogo faz o que pode para que a fase não seja só chegar até o final do nível.
O mais memorável dessas fases diferentes é a da asa-delta, em Croc voan sobre um abismo cheio de lava resgatando Gobbos presos no gelo ou amarrados a balões. O que torna essa fase tão especial é que ela é repleta de referencias a PILOTWINGS - vc passa por anéis e pega correntes de ar para subir, todas elas usando referencias ao clássico do Super Nintendo. No final tem até um alvo para pousar que me arrancou um sorriso genuíno do rosto. Nem todas as fases são radicalmente diferentes e algumas são meio chatinhas (como a de coletar 30 bebês e ter que colocar eles nos berços), mas ninguém pode dizer que eles não tentaram. Até uma fase de corrida eles colocaram!
As vezes tentam até demais, verdade seja dita, pq o sistema de vidas desse jogo é muito estranho: cada vez que você morre, você perde uma energia máxima até chegar em zero, aí é game over. Isso quer dizer que se você entra em uma fase com, digamos, nove pontos de energia e morre, você então recomeça com oito pontos, se morrer de novo volta com sete e assim vai. Isso gera um efeito bola de neve bem ruim, pq quanto mais você morrer menos energia máxima você vai ter - o que torna mais propício a morrer de novo!
... e eu suponho que não ajuda muito se eu disser que itens de cura são a coisa que eu vi menos nesse jogo, se eu vi uns 10 o jogo todo foi muito e certamente eles são mais raros do que colecionáveis! Game Over não é tanto o problema aqui pq o jogo tem save, mas se você perder todas as suas vidas vc é chutado pra fora da fase com apenas 3 energias (não importa qual o seu máximo) e precisa recomeçar ela do zero, apagando todos os checkpoints - sendo que algumas, como a citada dos bebês, leva quase meia hora de juntar um por um espalhados pela fase.
Tipo aqui que o item de cura dessa fase precisa de um salto de fé pra chegar nele! |
Suponho que eu não precise dizer que repetir meia hora de jogo não é exatamente o meu conceito de diversão... O resultado disso é que Croc 2 não deveria ser um jogo dificil, o que o jogo te pede pra fazer não é nada realmente de outro mundo. Só que esse sistema de energia ser tão tacanho e tão punitivo acaba tornando o jogo muito mais estressante do que ele foi feito para ser!
Imagine que cada vez que você perde todas as suas vidas em SUPER MARIO 64 o jogo não repõe a sua energia quando você volta pro castelo ele te dá apenas 3 barras. E os itens de recuperar energia tem no máximo um por fase, quando tem, e são mais escondidos que colecionaveis! Croc 2 faz isso e eu ficava só pensando "meu deus, Argonaut, pra que me atochar desse jeito, esse claramente não era pra ser um jogo dificil!"
Especialmente as fases que são de coletar coisas se tornam desnecessariamente frustrantes de perder todo seu progresso de meia hora pq vc errou um pulo duas vezes, e ainda sim parece que a Argonaut não viu o quão frustrante eles estavam tornando esse jogo.
Isso é verdadeiramente uma pena, pq a Argonaut colocou esforço genuíno em todo resto aqui! Por exemplo, os Gobbos agora em cada mundo tem roupinhas temáticas exclusivas, o que fazem eles tãaaaaaaao mais fofinhos! E as lutas contra os chefes, que eram a pior desgraça do jogo anterior com todas tendo a programação literalmente sendo copiadas e coladas umas das outras, agora estão tão mais variadas e criativas: o meu favorito é o chefe planta que a cada padrão de ataques ele te dá uma pedra, que vc tem que pegar e jogar numa canaleta para tentar fazer ela cair dentro da boca do monstro
Então, como dá pra ver, Croc 2 é onde a Argonaut mais se esforçou para compensar o seu maior ponto fraco: a falta de criatividade, de visão artistica. A falta de ideias não é o problema aqui ao mesmo tempo que ele resolve a maior parte dos problemas do jogo anterior de controle, level design e camera.
Só que é uma pena que tudo isso tenha ido por agua abaixo com uma única decisão infeliz de mexer no sistema de vidas/energia, exponenciada pela decisão de ser o jogo mais tacanho com dar itens de cura na história dos videogames. Videogames são midias extremamente complexas - dentre as midias do entretenimento, a com mais camdas e basta apenas uma das suas inúmeras camadas saia errado para levar tudo com ela morro abaixo
A engine desse jogo ainda teve um pouco mais de vida, sendo usada em vários outros jogos licenciados como Aladdin in Nasira's Revenge e Harry Potter and the Sorcerer's Stone, e talvez em um terceiro jogo eles concertassem isso e continuassem desenvolvendo o que esse jogo tem de melhor, sua variedade, mas isso é algo que jamais saberemos pq as aventuras de Croc terminam aqui.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 141 (Julho de 1999)
EDIÇÃO 142 (Agosto de 1999)
EDIÇÃO 061 (Abril de 1999)