terça-feira, 5 de novembro de 2024

[#1340][Ago/87] STREET FIGHTER





Em meados dos anos 80, jogos do estilo Beat'm Ups (popularmente conhecidos como "briga de rua" no Brasil) eram bastante populares. Você sabe, normalmente a namorada de alguém era sequestrada e um fescenino reunia seu bando de amigos para sair espancando todos os punks da cidade porque namoradas não cresciam em arvores nos anos 80, afinal.

Argh, pensando bem podem ficar com ela, eu nem gostava dela tanto assim...

Takashi Nishiyama era o criador de um dos primeiros jogos desse tipo, o arcade Spartan X lançado em 1984, que veio para o ocidente "Kung Fu Master". Na verdade, Nishiyama era um cara bastante criativo e havia trabalhado em outro "primeiro" dos videogames, o arcade Moon Patrol que foi o primeiro jogo a usar efeito de paralaxe.

Por isso, quando a Capcom o contratou ele não se contentou em apenas fazer outro beat'm up, não. Ele queria fazer algo diferente, algo criativo! Assim, ele devisou um plano bastante ousado: um  jogo de luta focado em combates 1x1. Ora, alguns jogos já tinham feito isso antes, de pegar a jogabilidade dos beat'm ups e transporta-los para um bom e velho "dois homens entram, um homem sai", o que isso tem de mais?

Heavyweight Champ de 1976 da Sega é o primeiro jogo de luta do qual se tem notícia

Tinha que Nishiyama queria fazer algo com esse conceito. Cada personagem teria movimentos próprios, golpes especiais únicos e até mesmo haveria uma história que seria contada entre as lutas como em um filme de artes marciais.

Era um conceito realmente novo, de fato, e com base nessas premissas nascia Street Fighter - que ao contrário do que dizem as lendas urbanas por aí, não foi realmente um fracasso. Não foi "minha noooossa que sucesso de outro planeta tchuintchuinfunflai", mas não flopou severamente com cerca de 50 mil máquinas vendidas apenas no Japão e sendo o quinto jogo mais lucrativo de 1987 para a Capcom

Um dos grandes motivos desse sucesso todo é que para a época, os bonecos eram GIGANTES na tela e absurdamente detalhados, do nível dos maiores títulos AAA de 1987 - senão vejamos uma simples comparação: 

Street Fighter, de 1987...

... e DOUBLE DRAGON, um grande sucesso daquele mesmo ano

A trilha sonora, por outro lado, não fez nenhum favor ao jogo, sendo completamente esquecível - o que é particularmente doloroso quando pensamos que seu sucessor tem músicas tão boas e tão iconicas que mesmo TRINTA anos depois a Capcom ainda não conseguiu encontrar novas músicas-tema a altura... né Street Fighter 6?

A ideia inicial de Nishiyama, como eu disse, era fazer um jogo amplamente ambicioso tendo vários personagens e cada um com sua própria história, cutscenes no final, a porra toda... ao que a Capcom respondeu apenas:


Sem dinheiro para implementar todas as coisas que ele tinha pensado, Nishiyama teve que se contentar em deixar toda parte narrativa de lado. Ryu é um cara que entra em um torneio de artes marciais, o World Warrior, para mostrar que ele é o fodelão da pancadaria e todos os outros 11 personagens do jogo apenas tem nome, não há mais nada além disso.

Alias Ryu é o único personagem que ficou jogavel, sendo que para o modo de dois jogadores é possível que o segundo jogador jogue com Ken - que é a programação do Ryu com outros sprites - porém não existe sequer uma história nem nada para ele. Outra ideia que Nishiyama teve foi te tornar os personagens mais marcantes através de golpes com nomes - como todos mangas de luta faziam desde sempre - porém a Capcom não tinha muita experiencia em trabalhar com isso e o som desse jogo ficou ó
 uma bosta.

Mas de todos os problemas do jogo, o pior deles sem dúvida é a sua jogabilidade: a melhor descrição que pode ser feita de Street Fighter beira o INJOGAVEL. Seu personagem é muito lento e duro de controlar, problema que não é compartilhado pelos inimigos controlados pelo computador que moem o seu Ryuzinho antes que você consiga entender o que está acontecendo.


Teoricamente você poderia contrapor isso com movimentos especiais desencadeados com comandos únicos que tiram 1/4 da vida do oponente, e enquanto isso é bonito na teoria, na prática nada disso funciona.

Eu quero dizer, literalmente não funciona: acontece que existe um "pequeno" problema de programação aqui porque supostamente você poderia fazer o Ryu disparar sua magia apertando em sequencia baixo, diagonal, frente e soco. Na teoria. Na prática, a janela de quadros de animação que você tem para fazer isso é impossível de ser executada por um ser humano e sua única e verdadeira chance de soltar algum golpe especial é apertar todos os botões desesperadamente e torcer para a sorte atingir os comandos exigidos na janela exigida. Os inimigos controlados pelo computador também tem esses golpes especiais que tiram 1/4 da vida, as vezes 1/3 ... e eles conseguem usa-lo o tempo todo, é claro.



Isso resulta em lutas que o adversário te derrota em três golpes. TRÊS. Não é hiperbole, são literais três golpes pra te vencer. E isso é tão divertido de jogar quanto a descrição soa.

Golpes especiais a parte, mesmo os golpes básicos não funcionavam lá muito bem tambem. A hit detection transcende o pavoroso e se um golpe vai pegar ou atravessar o oponente é nada senão uma questão de fé. E eu não posso usar a desculpa das limitações da época porque na real jogos como Urban Champion (lançado TRÊS anos antes no arcade e um ano antes para o Nintendinho) já tinham uma hit detection muito mais sólida e que davam um feedback muito mais satisfatório que vc acertou o golpe.

Urban Champion, de 1987

Outra ideia original de Nishiyama era que o jogo teria apenas dois botões, um para soco e outro para chute, mas os botões na verdade seriam tipo uma almofada pro jogador socar e quanto mias forte você socasse, mais forte sairia o golpe.

O que, como vc pode imaginar, era uma ideia meio ruim que não apenas tornaria jogar o jogo muito desconfortável como essa porra quebraria em dois tempos. Ainda sim a Capcom testou a ideia e algumas poucas máquinas de dois botões socaveis foram feitas.


A Capcom então pediu pra ele pensar em outra coisa, e foi aí que nasceu o esquema de controles de seis botões (para chute fraco, médio e forte, e soco fraco, médio e forte) que é usado até hoje nos jogos de luta. Na real na real mesmo isso não fazia muita diferença pq a programação do jogo é toda cagada,  como eu disse, mas tenha em mente que posteriormente essa ideia seria melhor desenvolvida e em também foi muito melhor aproveitada em  STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR onde agora cada botão tinha não apenas quadros de animação especificos para cada comando, como tinha velocidades diferentes, causava dano diferente e influenciava na velocidade e dano dos golpes especiais.

Como dá pra ver, o primeiro Street Fighter não é um jogo muito bom e quase nada funcionava como deveria, não é surpresa que a Capcom esperou 4 anos pra alguém tirar essa ideia do fundo da gaveta e transformar em  STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR - e aí sim virar o fenomeno que mudou para sempre a história dos videogames.

Isso sendo dito, antes de encerrar eu gostaria de fazer uma última coisa que é olhar o elenco desse jogo e ver que fim levaram os pioneiros que, por bem ou por mal, acabaram pavimentando o caminho do encontro ao mais forte! O esquema do jogo aqui é que cada país tem dois representantes, e é o que olharemos mais de perto agora:

ESTADOS UNIDOS: Joe & Mike



Ironicamente, de todos os personagens do elenco original de Street Fighter são justamente os dois americanos que não voltariam a dar o ar da graça na franquia - especialmente pq a Capcom já confirmou que não, esse Mike boxeador não é o Mike Bison (que no ocidente teve o nome mudado pra Balrog pra não tomar um processinho do Myke Tyson).

Entretanto, também não é inteiramente verdade que eles jamais voltariam a aparecer na série já que eles aparecem sim na abertura de  STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR! Sim, esses dois caras iconicos são ninguém menos que os gringos do jogo original!


JAPÃO: Retsu & Geki



Retsu é um monge expulso do seu monastério por brigar demais (e é até onde vai a história desse jogo), e o personagem que mais demorou a voltar para a franquia: depois de ser um dos lutadores do primeiro jogo, ele só voltaria a ver a luz do Sol novamente depois de TRINTA E SEIS ANOS, ao voltar como personagem em Street Fighter 6

Geki teve menos sorte ainda, embora o tanto o conceito de um full ninja foi reaproveitado pela Ibuki em STREET FIGHTER 3: The New Generation, como o conceito de um personagem que luta com uma garra não precisa ser explicado para quem já jogou Streetzão da Massa

INGLATERRA: Birdie & Eagle


Birdie não é estranho aos jogadores de STREET FIGHTER ALPHA: Warrior's Dream, embora ele tenha ganho uma barriguinha de chop nos ultimos 30 anos... fazendo deste o personagem mais realista da franquia inteira.


CHINA: Lee & Gen


Lee é outro personagem que foi engolido pelas areias do tempo da Capcom, mas seu legado não foi de todo perdito: seu estilo de luta foi herdado pelos sobrinhos Ying e Yang, de STREET FIGHTER 3: The New Generation. Já Gen, assim como Birdie, é figurinha carimbada da franquia desde STREET FIGHTER ALPHA 2 embora ele pareça mais velho em 1987 do que parecia em 1998. Deve ser a barba.

THAILANDIA: Adon & Sagat


Talvez o conceito que mais foi mantido nos jogos posteriores da série foram o chefe final José Gato campeão de muay thay e seu aprendiz Adon. Claro que posteriormente Sagat perdeu o posto de chefe final para M. Bison e Adon só voltaria em STREET FIGHTER ALPHA 2, mas ainda sim.

Narrativamente, o final desse jogo também é canonico em que Ryu perde o controle para o espirito assassino do Hadou e causa a cicatriz do Sagat. O que obviamente não foi pensado nessa época e sim retconeado, porém a cena no longa metragem ficou lindona mesmo assim!


Então o resumo dessa história é que não havia absolutamente nada como Street Fighter em 1987 no quesito variedade de personagens e golpes especiais com comandos - o que é o pilar fundamental dos jogos de luta até hoje. Infelizmente, a execução não é tão fluída quanto a ideia e praticamente nada nesse jogo funciona: o desbalanceio do dano que a máquina te causa é hilário (TRÊS HITS), a hit detection é tão ruim quanto e a jogabilidade é na base do "nada funciona direito".

Como eu disse, existe um motivo para a Capcom ter esquecido esse nome por quatro anos... durante os quais Nishiyama levou o pé na bunda e não estava lá para fazer a continuação. De certa forma magoado com isso, ele foi para uma empresa rival mostrar o que ele julgava ser a sua visão para a continuação para este jogo e assim nasceu FATAL FURY: The King of Fighters

O curioso é que jogando FATAL FURY: The King of Fighters, ele REALMENTE parece mais uma continuação deste primeiro jogo do que  STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR parece - este sendo uma coisa feita inteiramente do zero que usa bem pouco senão os conceitos básicos.

É mais relevante como peça da história do que jogo? Definitivamente, mas estou feliz de ter tido a oportunidade de finalmente conhecer de perto o jogo que começou aquele que se tornaria o genero mais popular da decada de 90 no ocidente. Pode ter levado 1340 jogos para isso, agora este blog está um pouco mais rico por causa disso. Mesmo que o jogo seja uma merda.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 007 (Novembro de 1991)




EDIÇÃO 140 (Junho de 1999)