segunda-feira, 8 de outubro de 2018

[STREET FIGHTER II] A história do maior jogo de luta de todos os tempos!



Em meados dos anos 80, jogos do estilo Beat'm Ups (popularmente conhecidos como "briga de rua" no Brasil) eram bastante populares. Você sabe, normalmente a namorada de alguém era sequestrada e um fescenino reunia seu bando de amigos para sair espancando todos os punks da cidade porque namoradas não cresciam em arvores nos anos 80, afinal.

Argh, pensando bem podem ficar com ela, eu nem gostava dela tanto assim...
Takashi Nishiyama era o criador de um dos primeiros jogos desse tipo, o arcade "Kung Fu Master" lançado em 1984. Na verdade, Nishiyama era um cara bastante criativo e havia trabalhado em outro "primeiro" dos videogames, o arcade Moon Patrol que foi o primeiro jogo a usar efeito de paralaxe.

Por isso, quando a Capcom o contratou ele não se contentou em apenas fazer outro beat'm up, não. Ele queria fazer algo diferente, algo criativo! Assim, ele devisou um plano bastante ousado: um  jogo de luta focado em combates 1x1. Ora, alguns jogos já tinham feito isso antes, de pegar a jogabilidade dos beat'm ups e transporta-los para um bom e velho "dois homens entram, um homem sai", o que isso tem de mais?

Tinha que Nishiyama queria fazer algo com esse conceito. Cada personagem teria movimentos próprios, golpes especiais únicos e até mesmo haveria uma história que seria contada entre as lutas como em um filme de artes marciais.

Era um conceito realmente novo, de fato, e com base nessas premissas nascia Street Fighter - que acabou sendo um dos maiores e mais retumbantes... FRACASSOS na história dos videogames.

Ora, enquanto suas ideias eram realmente boas, sua execução foi completamente medonha. Em primeiro lugar, não era um jogo muito bonito de se ver nem particularmente bem desenhado.


A trilha sonora também não fazia nenhum favor ao jogo, sendo completamente esquecível, e toda parte da "narrativa"acabou sendo deixada de lado. Ryu é um cara que entra em um torneio de artes marciais, o World Warrior, para mostrar que ele é o fodelão da pancadaria e todos os outros 11 personagens do jogo apenas tem nome, não há mais nada além disso.

Alias Ryu é o único personagem jogavel, sendo que para o modo de dois jogadores é possível que o segundo jogador jogue com Ken porém não existe sequer uma história nem nada para ele. Outra ideia que Nishiyama teve foi te tornar os personagens mais marcantes através de golpes com nomes - como todos mangas de luta faziam desde sempre - porém a Capcom não tinha muita experiencia em trabalhar com isso e o som desse jogo ficou uma bosta.

Mas de todos os problemas do jogo, o pior deles sem dúvida é a sua jogabilidade: a melhor descrição que pode ser feita de Street Fighter é INJOGAVEL. Seu personagem é muito lento e duro de controlar, problema que não é compartilhado pelos inimigos controlados pelo computador que moem o seu Ryuzinho antes que você consiga entender o que está acontecendo.


Teoricamente você poderia contrapor isso com movimentos especiais desencadeados com comandos únicos que tiram 1/4 da vida do oponente, e enquanto isso é bonito na teoria, na prática nada disso funciona.

Acontece que existe um "pequeno" problema de programação aqui: supostamente você poderia fazer o Ryu disparar sua magia apertando em sequencia baixo, diagonal, frente e soco. Na teoria. Na prática, a janela de quadros de animação que você tem para fazer isso é impossível de ser executada por um ser humano e sua única e verdadeira chance de soltar algum golpe especial é apertar todos os botões desesperadamente e torcer para a sorte atingir os comandos exigidos na janela exigida. Os inimigos controlados pelo computador também tem esses golpes especiais que tiram 1/4 da vida, só que eles conseguem usa-lo o tempo todo, é claro.



Isso é tão divertido de jogar quanto a descrição soa.

De forma pouco surpreendente, após passar dois anos trabalhando em um jogo que era uma bosta, Nishiyama levou a bota da Capcom e toda ideia de Street Fighter foi arquivada. De fato, a Capcom se importava tão pouco com Street Fighter que o jogo foi portado para o Turbografx com o nome de Fighting Street apenas porque FODA-SE mesmo. Para grande decepção de Dominic Toretto, nenhuma rua luta nesse jogo, entretanto.

Vida que segue, alguns anos  depois a Capcom atingiu um sucesso estrondoso com a boa e velha briga de rua mesmo através do clássico Final Fight. Também conhecido como o jogo em que os punks decidiram sequestrar a filha do prefeito para forçar ele a pegar leve com a bandidagem, só que o melhor amigo dela, o namorado dela e o pai dela (o prefeito) eram esses caras:


Puta ideia ruim, heim mano?

Final Fight foi um sucesso, como não podia deixar de ser. E enquanto folheava os arquivos e artes concentuais em busca de ideias para o que fazer a partir dali, o diretor de Final Fight, Yoshiki Okamoto, se deparou com a ideia uma salinha empoeirada onde haviam pastas sobre um projeto constrangedor e fracassado chamado "Street Fighter".

Okamoto leu atentamente aquele material, revisou o código de programação utilizado e após três dias e quatro noites debruçado sobre isso fez uma constatação reveladora: "Mas é claro que isso não ia dar certo, nós programamos essa merda que nem a cara do Pedro de Lara! A ideia é boa, nós totalmente temos que fazer isso funcionar!".

O que não fez tanto sentido assim, porque ele estava no Japão e ninguém sabia quem era o Pedro de Lara. De qualquer maneira, aquela altura o criador de Street Fighter já estava longe (havia sido contratado pela SNK, onde criou ... basicamente todas as franquias que viriam a concorrer com Street Fighter no Japão, mas isso é outra história) e ele tinha que assumir o projeto em suas próprias mãos.

Ele não tinha dúvida que Street Fighter era ideia que valia uma mina de ouro, só precisava ser bem executado. E foi isso que ele passou os próximos anos fazendo, mesmo com toda pressão para que ele largasse essa merda e se focasse em fazer um arcade de Final Fight 2. Pra que tentar resgatar um projeto fracassado quando você tinha um título de sucesso em suas mãos?

Okamoto has da monys!


Em primeiro lugar, e isso era óbvio, toda jogabilidade do jogo teria que ser refeita. Os controles não apenas se tornaram mais rápidos e responsivos, como a velocidade e alcance dos lutadores  foram customizados para refletir o peso e altura individuais de cada personagem. Criar cada personagem com velocidades, alturas de salto a alcance diferentes foi um pesadelo de programar, mas você não obtém o sucesso sem sacrificar um ou dois estagiários.

Em segundo lugar, a ideia dos golpes especiais era puta boa mas estava toda cagada. Felizmente, isso era muito fácil de resolver: bastava apenas aumentar a janela de quadros de animação para o jogo reconhecer o comando como um movimento especial. Agora soltar o hadouken com "baixo, diagonal, frente e soco" não era impossível para qualquer um que não fosse a Domino, os jogadores tinham um espaço de tempo razoavel para inserir os comandos.

Outra ideia original de Nishiyama, que era ter seis botões no arcade (para chute fraco, médio e forte, e soco fraco, médio e forte) também foi muito melhor aproveitada. Agora cada botão tinha não apenas quadros de animação especificos para cada comando, como tinha velocidades diferentes, causava dano diferente e influenciava na velocidade e dano dos golpes especiais.


Os personagens terem velocidade fixa e um número de quadros da animação bem estabelecido, além de uma detecção de golpes bastante apurada, eliminou completamente o fator sorte que arruinava o jogo anterior.
Como um videogame funciona: os gráficos que aparecem na tela são apenas gráficos para o jogador ver. O que o jogo realmente lê são essas caixas, daí o nome hitbox. As verdes significa onde o personagem é vulneravel, as vermelhas representam ataques. Se uma caixa vermelha tocar em  uma caixa verde, o jogo computa o dano. Se duas caixas vermelhas se encostarem, então depende dos parametros programados no jogo para ver quem causa dano (alguns jogos consideram quem atacou primeiro, outros atribuem pontos de atributo a determinado golpe de determinado personagem, varia muitio). Então, do ponto de vista do jogo, videogames 2D são apenas um bando de caixas coloridas tentando encostar umas nas outras.
 
O que a Capcom não esperava era como os jogadores reagiriam a isso: ora, se os movimentos de dado personagem são regulares e não variaveis então é possível encaixar uma sequencia de golpes que explora justamente os pontos fracos de cada sprite de animação. Ou seja, após algum estudo dos personagens era possível criar combos de golpes e fazer coisas como essa:


Inicialmente eles entenderam isso como um bug que seria removido nos updates do jogo (ou seja, novas versões de arcades), mas os jogadores gostaram tanto dessa ideia e reagiram tão bem a possibilidade de fazer "combos" que isso acabou sendo incorporado no jogo - versões posteriores até contavam os combos e davam pontuações extras por isso.

O grande atrativo era que dessa forma, Street Fighter acabou se tornando um jogo tático que exigia conhecer os movimentos do seu personagem e o oponente - meio que como em uma arte marcial de verdade. Se você desse o Shouryuken na hora errada, por exemplo, isso abriria completamente sua defesa e você sentaria na graxa bonitaço. Como o jogo tinha multiplos personagens com atributos diferentes, isso criou uma variedade de situações praticamente infinita e os jogadores amaram cada segundo disso.


Como na época não tinhamos as casas de Hogwarts, poucas coisas diziam mais a respeito de que tipo de pessoa você era na infancia do que qual personagem de Street Fighter II você jogava melhor. Quem jogava bem de Zangief era incensado como o mestre supremo do personagem mais dificil de lutar bem... e depois apanhava dos caras descolados que as meninas adoravam, porque afinal era começo dos anos 90 e ser nerd não era nada cool. Quem jogava bem de Dhalsim era... bem, eu não sei, nunca conheci ninguém com o Dhalsim como favorito. Obviamente que ninguém admitia jogar de Chun Li senão "para ver a calcinha dela" porque meninos são criados com a sexualidade frágil e insegura (o que nunca muda para a maioria dos homens), mesmo ela sendo uma das melhores personagens.


Reação das mina de "quero seu corpo agora" quando você mostra que sabe jogar de Zangief.


E, saiba você, apenas esquisitos jogavam com o Honda ou o Blanka. Como eu. Eu, pessoalmente, jogava com o Honda não apenas pela idenficação pessoal de ser uma máquina de morte voadora de 150 kg (dada a opção eu preferiria não ter 150 kg, mas na impossibilidade disso se mover na velocidade do som e despejar toda minha banhosidade em morte e dor), mas porque o sumotori realmente golpes que deixam muita pouca brecha para contragolpes se você souber o que está fazendo.

Hoje, é claro, isso não parece tão impressionante assim. Temos e-Sports, temos campões que podem dar uma entrevista de uma hora falando sobre tática, treinamento e preparação para jogar como qualquer atleta de qualquer esporte. Porém, em 1991 não havia nada disso. Tudo isso nasceu com Street Fighter 2 que, por todo polimento das suas mecanicas de combate, se tornou o desafio competitivo definitivo de sua época.

Não era apenas um novo genero de jogo, era uma nova forma de enxergar videogames inteiramente.


Esse é um vídeo de quase 10 minutos apenas se aprofundando na mecanica do hadouken, na ciência da contagem de frames de animação, nos efeitos psicologicos que causa no oponente e que situações usar de acordo com a leitura do combate e do adversário. Sério, existe um grau de profundidade aí comparavel aos torneios profissionais de poker e tudo isso nasceu com Street Figher 2

A outra metade da equação que tornou Street Figher 2 um dos maiores jogos da sua época, e que não foi superada até hoje por nenhum outro jogo de luta - e rivalizada por muitos poucos jogos de qualquer genero - é, discutivelmente, a mais importante: carisma. Como Final Fantasy XV provou tão bem, personagens bons podem carregar um jogo ruim - imagine então o que eles podem fazer por um jogo que é tecnicamente bom? Err, claro, nós temos hoje The Last of Us, então não precisa imaginar tanto assim também, né?

O fato é que o próximo passo em resgatar o projeto Street Fighter das profundezas da cesta de lixo era criar personagens com quem os jogadores de importassem. Agora, essa é uma questão complicada, não é? Em um jogo de luta você não tem muito espaço para dialogo, o que torna o desenvolvimento de personagem complicado, e ainda sim você precisa fazer com que as pessoas gostem do seu personagem baseado apenas em frases de efeito, postura corporal e carisma puro.

Pela descrição parece algo quase impossível, porém felizmente isso não apenas é conhecido, como é algo que o Japão tem uma grande tradição e paixão a respeito. Okamoto sabia exatamente de onde tirar a inspiração que precisava:


Sim, o Wrestling - que é um esporte muito amado no Japão - foi uma das grandes inspirações de Street Fighter 2. Foi o primeiro jogo de luta onde cada lutador tinha seu próprio cenário e sua própria música tema, tal qual os wrestlers tem sempre a sua entrada e sua música tema.

Vamos fazer um teste: se eu disser "Braziiiill", muito provavelmente você já vai começar a ouvir a batida dos tambores na sua cabeça e imaginar uma anaconda enrolada na arvore no meio dos manauaras.


De 1991 para cá, muitas empresas tentaram copiar Street Fighter 2 - obviamente - mas quase nenhuma teve o mesmo sucesso. Uma empresa que entendeu bem o segredo da coisa foi a Blizzard: um dos pilares do sucesso de Overwatch é o carisma dos personagens. É mais do que apenas um bonequinho, é algo que você de orgulha como parte da sua identidade cultural bater no peito e dizer "eu sou um jogador de Xis-Caboquinho" ou algo do tipo. As pessoas tem uma necessidade biológica de se definir em grupos, e alguns jogos acabam fornecendo essa ferramenta para elas (aproposito, #TeamMinduim).

E, mais uma vez, tudo isso começou com Street Fighter 2. Agora, interessante mesmo é a forma com que isso foi atingido. A Capcom bolou um jeito bem criativo de fazer sua equipe bolar os personagens mais legais que eles conseguiriam bolar, uma forma que faz eleitores do PSTU tremerem apenas de imaginar tamanha abominação: livre competição.



Sendo conhecido por ser um grande trollador e com um excelente senso de humor, a ideia original de Okamoto foi pegar oito de seus funcionarios e entregar a cada um deles um personagem. Assim, caberia a cada um desenvolver o "seu" personagem e, as pessoas sendo como são, logo isso se tornou uma competição para ver quem conseguia o melhor personagem. Sendo Okamoto foi o mediador dessa disputa, todo dia seus funcionarios tentavam barganhar com ele para conseguir melhorias para o "seu" personagem. A compositora Yoko Shinomura relatou que as pessoas ligavam para a casa dela no meio da noite porque tinham tido uma ideia incrível que totalmente ela tinha que colocar na música tema do personagem deles!

Insanidade, eu te digo!

No arcade original de Street Fighter 1, havia apenas um grande botão para soco e um para chute. A força do golpe variava conforme o socão que o jogador dava no botão. Claro que isso não deu muito certo e essas máquinas quebravam logo.
Daí surgiu o controle com seis botões, para variar a potencia dos socos em forte, fraco e médio sem que ninguém tivesse que socar nada.


Isso levou a um crescimento exponencial de qualidade ao ponto que, passados quase trinta anos do jogo, os oito personagens jogaveis de Street Fighter são tão enraizados na cultura gamer quanto Mario ou Sonic!

Então foi assim que juntando ideias inéditas para a época, mecanica muito bem polidas e personagens carismáticos, nascia um fliperama vistoso, repleto de vozes digitalizadas e nomes de golpes que marcariam toda uma geração. Tiger Robocop! Ataque das Corujas!

dos jogos  mais influentes de todos os tempos que deu origem não apenas a um genero, mas a todo cenário competitivo profissional que existe hoje!

Mas não é necessário que eu tenha que explicar o quão popular Street Fighter é hoje, não é? Não, claro que não. Como prova eu vou apenas colocar uma música aqui e te desafio a ouvi-la sem mexer os braços para canalizar o seu chi. I dare you, i double dare you!