domingo, 24 de novembro de 2024

[#1355][Jun/1999] BUGS BUNNY: Lost in Time


A dois anos e meioa trás, quando eu escrevi sobre PORKY PIG'S HAUNTED HOLYDAY, eu contei como em 1935 a Warner Bros teve seu primeiro personagem recorrente - o Gaguinho - pq isso estava se tornando moda naquele tempo e a venda de pelucias e brinquedos de personagens fixos havia se provado um sucesso com  FELIX THE CAT. Tá, eu sei, é só o Gaguinho e quem caralhas liga pro fucking Gaguinho, mas então os anos 30 rolavam diferente.

Seja como for, a parte que importa é que em 1937 rolou um desenho que acabou vindo a se tornar muito importante, Porky's Duck Hunt, em que um pato completamente abilolado das ideias atazanava a vida do Gaguinho caçador. Esse é desenho é importante pq esse pato lelé da cuca veio a se tornar o Patolino, e isso foi a história que eu contei naquele dia. O que eu não sabia, no entanto, é que aquele desenho viria a ser ainda mais importante do que eu havia inicialmente considerado. Tipo bem mais.


Isso pq Bob Clampett, que animou o Patolino na ocasião, escreveu várias gags que não entraram no desenho e deixou elas guardadas. No ano seguinte, o diretor de animação da Warner, Ben Hardaway, estava recolhendo ideias para uma nova animação e Clampett tirou da gaveta as piadas que tinha escrito para o desenho de estréia do Patolino.

A coisa é que Hardaway era tido como um cara que tinha bastante facilidade para criar e adaptar gags, mas não era um cara lá tão criativo assim para bolar um cenário para as piadas acontecerem - por isso ele preferia trabalhar com uma formula fixa. E essa formula seria um caçador tentando pegar um animal completamente biruta e tomando ferro como resposta.


Por isso quando Clampett propos utilizar as piadas não usadas no desenho do Patolino que tinha essa mesma proposta, Hardaway adorou e mandou brasa. Esse desenho foi "Porky's Hare Hunt", onde o pato biruta só foi substituído por uma lebre biruta e dá pra ver que a personalidade é exatamente a mesma. A única real diferença mesmo é que o dublador Mel Blanc usou uma risada insana e gutural como ele gostava de brincar quando estava no colégio - uma risada, alias, que posteriormente viria a ser refinada como a risada do PICA-PAU.

O desenho foi um enorme sucesso, especialmente por causa da dublagem de Mel Blanc, e não demoraria muito para o coelho voltar a estrelar outro desenho - até porque a Warner ainda queria um mascote fixo, e naquela época não tinha mais ninguém usando uma lebre, já que a Disney havia abandonado de vez o coelho Oswald em prol de Mickey Mouse como seu personagem chefe.

Só havia um problema: o coelho não tinha nome, e se eles iriam comercializar o personagem é claro que ele precisaria de um. Naquela época, o diretor Ben Hardaway tinha o apelido de "Bugs", pq "Bugs" é uma giria que se usava na época para um cara grosso e durão e Hardaway encaixava exatamente nessa descrição, tendo inclusive sendo capitão do exército durante a Primeira Guerra. Não é raro ver bastante gangsters dessa época também com o apelido de "Bugs", pq novamente, era um apelido para caras durões e mal encarados e Hardaway encaixava perfeitamente nessa descrição (o que era uma grande surpresa descobrir que ele tinha um grande senso de humor quando as pessoas o conheciam, até).

Taí um cara que vc batia o olho e não dizia que era diretor de comédias animadas

Mas a parte que importa aqui é que o coelho não tinha nome realmente, os esboços do personagem vinham apenas identificados como "Bug's Bunny", ou seja, literalmente "o coelho do Bugs". Os caras da Warner olharam aquilo e pensaram "hã, na verdade... isso soa bastante bem". 

O nome Bugs Bunny acabou ficando, assim como o personagem - que ganhou vários redesigns, especialmente na mão do animador Tedd Pierce que era ex-animador da Disney e acabaram deixando o coelho com um ar mais Disney-like. Com efeito, Tedd havia sido animador no desenho "A Lebre e a Tartaruga" de 1935 e o design ficou bem parecido com a lebre daquela animação da Disney, como eles não tomaram um processinho nas ideias era visto na Warner como nada senão um milagre.

Especialmente a cabeça com formato ovalado era um traço da animação que remetia muito ao desenho da Disney

Porém o que cementou de vez Bugs Bunny como um personagem chave na história da animação foi o curta "A Wild Hare", de 1940, dirigido por ninguém menos que a lenda e praticamente pai da animação cartunesca ocidental, Tex Avery. Tex pegou aquele personagem que era um coelho biruta das ideias e pensou "hmm, isso não tem graça, já tem personagem loucão demais no mercado. Vamos tentar algo diferente!"

E de fato, o mercado já estava saturado de personagens ablublé huehuehue, a própria Warner tinha o Patolino para essa função, Tex queria algo completamente novo. Foi então que ele teve a ideia: ao invés de ser um cara aos níveis Pica-Pau malucão, seria muito mais engraçado se ele fosse um cara ultra cool em qualquer situação.



No curta, Hortelino voltaria a ser um caçador tentando pegar a lebre, mas ao invés de ser todo hauhuahsuhuehuehue, ao ter uma arma apontada pra ele o Bugs Bunny tranquilamente continuaria comendo sua cenoura e perguntaria casualmente "que que há, chefe?" - ou "What's up, Doc?", uma ideia dada por Mel Blanc com base numa expressão texana que tinha esse mesmo sentido.

Porque essa era a coisa do Bugs Bunny agora, ele era sempre cool e no controle da situação e nunca perdia a calma no melhor estilo "dá pra acreditar nesse cara?", muito porque ele era muito mais esperto do que o seu oponente. O sucesso foi imediato, estrondoso, a Wild Hare foi indicada ao Oscar de melhor animação - o que não ganhou, e isso acabou se tornando uma piada no final de "What's Cooking, Doc?" de 1944


O jeitão descolado e esperto do Pernalonga (que no Brasil recebeu esse nome devido a sua aparencia) o transformou no personagem de desenho animado mais popular dos anos seguintes, superando até mesmo Mickey Mouse. Tanto que em 1961, o dublador do personagem, Mel Blanc, sofreu um acidente de carro bem sério ao ponto que ele ficou duas semanas em coma.

O caso se tornou uma comoção nacional, com crianças mandando cartinhas e cenouras para o hospital pedindo que o Pernalonga melhorasse. Dizem as lendas que após duas semanas em coma entre a vida e a morte, um dia o médico do plantão estava checando Mel Blanc e perguntou "Como estamos hoje, Pernalonga?", ao que Mel Blanc respondeu com a voz do personagem "Heh, what's up, doc?". Se o espirito do Pernalonga salvou a vida de Mel Blanc ou se ele apenas tinha um grande senso de humor é um dos mistérios que permanecerá para sempre sem resposta.



Apenas como curiosidade, Mel Blanc contou na sua biografia que depois desse acidente ele ainda ficou meses no hospital (a coisa tinha sido muito, muito séria mesmo) mas ele tinha um seguro que o pagaria se estivesse doente demais para trabalhar, então não precisava se preocupar em faltar ao trabalho. Só que a Warner precisava terminar um cartoon e só precisavam que ele lesse algumas falas. Eles então trouxeram o equipamento de gravação para seu quarto de hospital e ele leu as falas.

O que acabou sendo um favor muito caro, pq a seguradora soube disso e parou de pagar sua apólice, argumentando que ele estava bem o suficiente para trabalhar, embora estivesse internado em um hospital com vários ferimentos graves. Because seguradoras, taí algo que nem o Pernalonga foi capaz de vencer...


Mas muito que bem, suponho que daí pra frente eu não realmente precise contar a história do Pernalonga pq é o fucking Pernalonga, todo mundo e a mãe de todo mundo conhece ele, o cara que tem um bilhão de cartoons, beijou o Michael Jordan e salvou a Terra dos aliens jogando basquete. Não necessariamente nessa ordem. O que eu preciso contar, entretanto, é que em 1999 nosso amigo Coelho do Bugs ganhou um jogo para PS1 que homenageia toda sua tragetória, bem nos moldes que MICKEY MANIA: The Timeless Adventure of Mickey Mouse fez com o rato da Disney - com a diferença que o jogo agora é um jogo de plataforma 3D e não um plataforma sidescroller (uau, me sinto a Super Game Power usando esses termos).

Isso quer dizer que todas as fases são baseadas em episódios do coelho animado mais famoso do mundo, com direito inclusive aos nomes das fases serem apresentados em cartões-título inspirados no que vc esperaria encontrar em um desenho dos Looney Tunes.


Por essa razão a grande atração do jogo é, sem dúvida, o vasto número de referencias aos episódios do Pernalonga. Na batalha de chefe que é contra o touro na tourada, eu praticamente podia ouvir na minha cabeça "tã tãtãtãntã... tãntã!". Eu sei que você ouviu também.


Ajuda muito que a produtora Behaviour Enterteinment tenha experiencia com o genero, já que foram eles que fizeram o bastante competente JERSEY DEVIL, com uma estrutura modificada para ficar mais parecida com SUPER MARIO 64: você coleta itens nas fases, e a cada dado numero de itens desbloqueia uma fase nova.

Tipo para desbloquear a fase "The Conquest for Planet X" você precisa ter coletado 75 relógios, para desbloquear a fase "Downhill Duck", vc precisa coletar 250 cenouras douradas. É uma formula que funciona, coletar as coisas é um gameplay relaxante e eu até diria que esse jogo poderia ser um jogo espetacular não fosse por uma coisinha, uma coisinha meio boba, mas suponho que eu preciso falar sobre isso: é um jogo de plataforma em que pular é uma merda.

Pois é, é um jogo em que vc pula 70% do tempo e pular é meio merda. Algumas pessoas acham que isso configura um problema, sabe?


O pulo do Perna é terrivelmente rígido, o que até poderia ser algo com o que você se acostuma... não fosse a câmera ter essa tendência ridícula de balançar descontroladamente quando você pula, fazendo com que um salto para frente faça um arco para a esquerda/direita (depende do humor da camera).

Felizmente esse jogo entende que o seu desafio é explorar e coletar as coisas, então ele não te pune muito gravemente por morrer, os checkpoints são generosos e as fases não são tão grandes assim a ponto de vc sofrer em angústia por ter que refazer grandes trechos (como eu queria que CROC 2 tivesse recebido esse memorando).

Eu não apertei nenhum botão, a camera faz esse ziriguidum todo sozinha

No fim do dia, é um jogo de plataforma 3D que podia ter sido excelente (mas não é por causa dos pulos), mas que ocupa um lugar confortável acima do mediano - especialmente pelas referencias que são uma homenagem aos (na época) 60 anos do personagem. 

Eu honestamente esperava uma merda licenciada bem pior, mas não é que valeu virar a pena a esquerda em Albuquerque por esse jogo?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 141 (Julho de 1999)


EDIÇÃO 143 (Setembro de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 064 (Julho de 1999)


EDIÇÃO 065 (Agosto de 1999)