Crossovers são uma coisa curiosa, não? Na teoria, parece algo extremamente simples de fazer: pegue duas franquias famosas que de alguma forma fazem sentido estarem no mesmo universo, largue elas pra trocar porrada e pronto, o trabalho está feito. Na prática, a teoria é outra.
Com efeito, tão poucas, mas tão poucas franquias realmente acertam isso que obviamente o desafio é maior do que parece. Vc precisa ter uma história para contar em um tom que provavelmente não vai ser confortável para algum dos participantes. Assim como o crossover entre Power Rangers e Tartarugas Ninjas, raramente passa da fase do "olha só que louco isso" e deixa de ser interessante depois de 5 minutos.
Nesse aspecto, a ideia de juntar o caçador perfeito (o Predador) com o animal perfeito (o Xenomorfo) parece muito legal no papel, mas a industria nunca realmente conseguiu fazer isso virar uma coisa mainstream. E não foi por falta de tentativa
O primeiro confronto entre os xenomorfos de mentalidade hivemind de 1979 e os caçadores de Schwarzenegger de 1987 ocorreu nas páginas da "Dark Horse Presents" da Dark Horse Comics entre novembro de 1989 e fevereiro de 1990. A Dark Horse, saiba você, antes de Hellboy aparecer era conhecido por fazer esse tipo de crossover, tipo ROBOCOP VERSUS THE TERMINATOR. Pilhado por essa ideia, o filme PREDATOR 2 foi lançado no final de 1990 apresentando um crânio de xenomorfo como um dos muitos troféus de caça do Predador.
Entre PREDATOR 2 e o (terrível) primeiro filme Alien vs. Predator em 2004 se passariam 14 anos, e pelo menos mais seis séries de quadrinhos, uma série de bonecos de ação, três livros e sete videogames, alguns dos quais eu já cobri aqui: ALIEN VS PREDATOR do Super Nintendo e do Arcade (que são dois jogos diferentes), e ALIEN VS PREDATOR para Jaguar que calha de ser o único jogo genuínamente bom para a abominação em forma de console da Atari.
Com efeito, foi um acontecimento tão raro, tão fora da curva alguem fazer um jogo bom para o Jaguar - meio que um milagre - que no final da decada a Fox Interactive estava querendo ordenhar uma grana das suas propriedades intelectuais e pensou "hã, vamos chamar esses caras denovo! Se eles fizeram algo bom na bomba do Jaguar, imagina para PC!"
Eu gosto bastante do Predator, mas admito meu fraco mesmo é a franquia Alien. Alem dos jogos citados que eu já joguei, eu fiz review de todos os filmes da trilogia para ALIEN TRILOGY, o que faz de mim uma das quatro pessoas no planeta que já assistiu Alien 3 mais de uma vez. Então qualquer jogo que me permita ser o predador perfeito ou tentar sobreviver a ele, sempre terá minha atenção.
E a questão aqui é: a Rebellion Development conseguiu juntar no mesmo jogo a sensação de ser um xenomorfo, um predador e... o space marine mais azarado do universo pq está no meio desses dois? E a resposta é sim. Agora a próxima pergunta: isso é bom?
Eeeeehhhhhh... kinda... mas vamos a isso.
A mais longa de todas e sobre o qual o jogo foi construído em cima é a campanha do Space Marine, onde você assume o papel de um soldado sem nome em uma estação de pesquisa no planeta LV-426, a lua que deu início a toda a franquia Alien, construída para estudar os restos da espaçonave alienígena acidentada que Ripley e a tripulação do Nostromo descobriram no filme original. Pouco surpreendentemente, isso não acaba exatamente bem.
Armado com uma variedade de armas iconicas da franquia Alien, incluindo rifles de pulso, armas inteligentes e o icônico rastreador de movimento, você deve percorrer os corredores escuros e sinuosos da instalação, defendendo-se das hordas de aliens antes de viajar para a estação de processamento de atmosfera e, eventualmente, para uma estação espacial - todos cenários muito reconhecíveis da franquia. Não vou dizer que não deu um quentinho no coração passar pelo hangar da nave e ver uma empilhadeira de carga como no final de Alien 2, ninguem pode acusar a Rebellion de não ter feito sua lição de casa.
E de longe essa é a mais assustadora das três campanhas, a seção do Marine força você a atravessar áreas quase totalmente escuras e tendo que fazer uma escolha cruel: você pode usar o modulo de visão noturna e enxergar o que está acontecendo... mas não pode usar o rastreador de movimento. Ou ter o rastreador de movimento mas não ver um palmo a sua frente. Isso te leva a ter que alternar os dois, pq os aliens costumam se esconder no teto e os dutos de ventilação de modo que apenas enxergar não é o suficiente.
A ideia é realmente muito boa e causa muita tensão, o problema é que a engine do jogo é bem simplória: tudo parece leve e sem peso, a mira flutua na tela e a sensação de atirar não é satisfatória. O jogo lembra muito os primeiros FPS em 3D de 1996/1997, e para um jogo de uma época que já tinhamos coisas sofisticadas como THIEF: The Shadow Project e HALF-LIFE, a sensação é de um produto inferior e desconjuntado - do tipo que não fosse a marca da franquia, provavelmente nem entraria no radar de movimento de ninguém na época.
O que é uma pena que a engine central do jogo pareça tão sloppy, pq a produtora realmente se esforçou no que podia. Tipo AvP, ao contrário de ALIEN TRILOGY, onde os xenomorfos se comportam como qualquer outro inimigo da IA e tropeçam na sua linha de tiro, os aliens de AvP se escondem na escuridão e atacam apenas quando eles estão bem em cima de você ou perto o suficiente para te pegar no cagaço - por isso o detector de movimento é tão importante. Isso sem mencionar os Predadores ocasionalmente invisíveis e que são tão duros de matar pq os filhos da puta tem armadura e se curam.
A campanha do Predador é bem mais curta (dá pra terminar em meia hora) e parece apenas um aftertough da campanha do Marine. Mecanicamente vc joga com um Marine, só que com um conjunto inteiramente diferente de equipamentos - e essa é a graça da coisa. Enviado para recapturar a tecnologia Yautja capturada pelos humanos, o Predador se encontra viajando para vários planetas diferentes, incluindo Fiorina 'Fury' 161 de Alien 3, enquanto caça e destrói os responsáveis pela criação de vários híbridos Alien/Predador.
O diferente aqui é que você tem quatro tipos de visão diferentes: a visão normal, visão de calor (ideal para enxergar humanos), visão infravermelha (que destaca estruturas metálicas como auto-turrets e xenomorfos) e visão baseada em ruído... que eu não sei qual é o melhor uso dela. Adicionalmente, você tem o canhão de ombro que trava no alvo, e o modo de invisibilidade.
A pegadinha, entretanto, é que tudo gasta energia e vc tem que administrar o uso dos seus recursos ao invés de só deixar a mira automática matar qualquer Zé que aparece - algo que os filmes nunca se deram ao trabalho de tentar balancear, e ficou interessante.
Infelizmente, como eu disse a engine do jogo é bem sloppy e não é muito mecanicamente satisfatório caçar e matar os humanos desavisados enquanto vc está invisivel, tudo parece bem flutuante e não tem a sensação de conexão.
Por fim, temos a campanha do xenomorpho que, embora tão curta quanto a do Predador, é a mais diferente das três. O Alien só tem ataques físicos, mas em compensação ele se move a velocidade do som e anda pelas paredes. Somado isso a visão tunelada do alienígina, o resultado é realmente, bem, uma experiencia que de fato não parece apenas ser um humano com outra skin, o que é exatamente o proposito da coisa...
... por outro lado, você tem essencialmente motion sickness the game. Sério, eu jogo FPS a 30 anos e me senti confuso e desorientado jogando como xenomorfo. A visão dele é realmente muito limitada, o modo de visão no escuro faz ficar mais tunelada ainda e ele se move muito rápido para você manter um mapeamento espacial de onde você está na sala.
O que, novamente, eu entendo que seja o proposito de jogar com uma raça alienigina com sentidos totalmente diferentes dos nossos e o jogo passa bem essa sensação. Agora o que eu não posso é dizer que isso é lá muito divertido...
No fim do dia, Aliens Versus Predator foi o primeiro jogo a dar uma boa noção de como seria controlar os monstros das franquias icônicas de filmes e essencialmente deu aos jogadores três jogos pelo preço de um. O problema é que isso foi construído sobre uma fundação bem frouxa e vc sente que as intenções da Rebellion eram definitivamente melhores do que sua capacidade de coloca-las na prática.
Esse não é um jogo ruim, mas o fato dele ter sido esquecido apesar da quantidade de boas ideias que ele trás diz o suficiente sobre o produto final entregue.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 062 (Maio de 1999)