Huh, olha só quem voltou dos mortos nesse feriado de finados? Se não é um joguinho de Super Nintendo novo (bem, não novo, mas sim que eu não joguei até então) na sessão de "Flashback" da Super Game Power! Mas que grata surpresa jogar um SNESzinho querido assim, em pleno 2024!
AH SIM, PQ QUANDO É O SUPER NINTENDO É "UMA GRATA SURPRESA", QUANDO VOLTA DOS MORTOS UM JOGO DE SEGA SATURN COMO DUNGEONS AND DRAGONS: Tower of Doom AÍ É A SEGA QUERENDO TE FERRAR. SINTO UM TRATAMENTO MEIO TENDENCIOSO AQUI.
Bobagem, não faço ideia do vc está falando a respeito. O que eu sei é que hoje é dia de falar do último jogo de Super Nintendo, CORRESOMBRAS de 1993!
Daqui a poucos dias vão fazer exatamente quatro anos (18 de novembro de 2020) que eu falei sobre SHADOWRUN de Mega Drive, de modo que eu suponho que cabe dar uma refrescada no tema: em algum ponto dos anos 80, nerds estavam fazendo as duas atividades nerds favoritas que são jogar jogando D&D e fantasiar que a tecnologia avançará o suficiente para que eles possam ser alguém na vida sem ter um corpo ou uma personalidade minimamente decente.
Quer dizer, eu não sei explicar cientificamente pq nerds são atraídos pelo genero cyberpunk - embora desconfie que tem muito haver com maidcatslolibots para uso doméstico - mas o fato é que nós somos atraídos como moscas para o mel com esse futuro distópico onde o apocalipse capitalista tornou as mega corporações donas não apenas do mundo, como dos corpos e das almas das pessoas.
Apesar de achar o conceito pika pra caralho, o sistema em si de Shadowrun... deus... nem eu sou tão nerd pra ir lá |
Então eu estava dizendo que em algum ponto os nerds dos anos 80 estavam jogando RPG e pensaram "E SE, veja bem, E SE o universo tecnologico de cyberpunk se passasse no mundo de D&D? Quer dizer, um mundo com mega corporações, implantes cybernéticos, a matrix e a porra toda onde a vida não vale merda nenhuma, mas também com elfos, dragões, orcs e magia?". Nascia assim Shadowrun.
Como seu conceito é algo que atinge o coração pulsante de mesclar duas coisas que nerds gostam, Shadowrun se tornou um sistema de RPG bem sucedido e existe até hoje, estando atualmente na sua sexta edição - o que faz com que seja inevitável que uma hora ou outra ganharia uma adaptação videogamistica.
A coisa é, no entanto, que durante os anos 90 Shadowrun ganhou não uma mas três adaptações inteiramente diferentes umas das outras. Primeiro teve esta versão para o Super Nintendo de 1993, que falaremos hoje, em 1994 teve o Action RPG para Mega Drive SHADOWRUN, e em 1996 teve uma visual novel lançada exclusivamente no Japão... para o Sega CD. Pra que caralhos alguém lançou um jogo de Sega CD em 1996 num país onde sequer o Mega Drive jamais foi um grande sucesso é uma excelente pergunta para a qual jamais teremos uma resposta.
Destes três, de longe o mais estranho deles com certeza é o jogo para Super Nintendo - sim, mais estranho até que uma visual novel para Sega CD lançada em 1996. Isso pq Shadowrun do Super Nintendo é um cRPG
É O QUE?
CRPG, ou "classical RPG" é um genero que eu poderia melhor descrever como "um tipo de RTS onde vc controla apenas um boneco ao invés de tropas inteiras". Ainda funciona da mesma maneira: vc tem que clicar onde quer que o seu char vá, tem que ativar as skills em icones e tudo funciona como um RTS, só que aqui é um RPG onde vc cuida de apenas um boneco. FALLOUT: A Post Nuclear Role Playing Game e DIABLO são os exemplos mais iconicos desse genero.
DIABLO, de 1996 |
ISSO PARECE MUITO UMA COISA QUE FOI PENSADA PARA SER JOGADA CLICANDO COM MOUSE NAS COISAS, NÃO VEJO COMO PODERIA FUNCIONAR PORTANDO ESSE JOGO PARA UM CONTROLE DE SUPER NINTENDO
Então, essa é a parte que torna tudo tão estranho: esse jogo não é um port. Ele é um jogo original de Super Nintendo, feito para ser jogado no Super Nintendo... mas que precisa de um mouse para ser jogado direito - e esse jogo sequer é compatível com o mouse do Super Nintendo! Pra que caralhas a Beam Software (mais conhecida por ter punido o mundo com BACK TO THE FUTURE II & III e BLADES OF VENGEANCE) se deu todo esse trabalho de fazer um cRPG no Super Nintendo é algo que jamais saberemos.
O que sabemos, no entanto, é que funciona assim: se você apertar B sai do seu boneco um cursor de interagir com coisas. Vc então tem que guiar a mãozinha até o objeto que vc quer interagir e clicar nele - o que, obviamente, é uma merda guiar um cursor com o D-Pad do Super Nintendo. Porém, contudo, todavida, entretanto, isso só funciona se o seu personagem na tela estiver fisicamente próximo do objeto.
Digamos então que você quer abrir uma porta: vc aperta B, move o cursor até a porta e clica nela, vai abrir um menu de examinar ou interagir - os quais só vão funcionar se o seu boneco estiver fisicamente próximo na tela, senão o jogo só exibe uma mensagem que vc está longe demais.
PRA QUE O JOGO NÃO SIMPLESMENTE DEIXA VC IR ATÉ A COISA E APERTAR UM BOTÃO COMO TODOS OS OUTROS JOGOS DO MUNDO FAZEM, NÃO SERIA MAIS SIMPLES ASSIM?
Seria. Porém, novamente, minha explicação do porque a Beam Software escolheu esse estilo de gameplay é bastante simples:
Eu não faço a mais remota ideia cara, a mais remota. Para o combate funciona parecido: aperte A e aparece um cursor de mira na tela, coloque em cima de quem vc quer atirar e macete A que você atira com a arma que estiver equipada. Magia mesma coisa, mas com X. Claro, vc pode argumentar que não é muito justo que vc tenha que apertar o botão, mover o cursor e só então poder começar a atirar enquanto o inimigo já está te comendo no chumbo, mas...
... mas não tem nenhum mas, é injusto mesmo e toda a grande dificuldade do jogo vem daí - o que te obriga a grindar para estar overnivelado e aguentar os tiros no seco. Isso faz o começo desse jogo brutalmente dificil, porque qualquer inimigo pode te passoquizar antes que você tenha tempo de reagir com esse sistema burocrático de controles.
Suponho que esse conceito de controles deve ter parecido bem criativo para os australianos da Beam Software, o que não deixa de ser já que criativo realmente é para um jogo de Super Nintendo, mas o que eles falharam em ver é que tambem torna a batalha difícil, especialmente com alvos em movimento ou vários inimigos.
Porém se isso pode ser resolvido por grinding, tem uma coisa pior ainda que não pode: tem uma coisa pior do que os controles que realmente tornam esse jogo impossível. Assim como em THE CITY OF LOST CHILDREN, você precisa encontrar itens impossíveis de enxergar no cenário e lembrar que eles existem muito mais tarde. Por exemplo, se você teve a sorte de notar o pé de cabra pixelado no chão durante a primeira parte do jogo, provavelmente vai ficar bastante desapontado quando tentar usar ele para arrombar alguma coisa e tentar descobrir que ele não faz absolutamente nada.
Isso se torna ainda mais problemático quando vc considera como o sistema de dialogo funciona nesse jogo: ao falar com um NPC, vc pode ganhar uma palavra chave que pode ser usada para desbloquear dialogos com ele mesmo ou outro NPC. Por exemplo: em dado bar do jogo, um cara diz que está com sede e que gostaria de um chá gelado. Vc ganha a palavra chave "Ice Tea". Se vc você for até o barman e mencionar "Ice Tea", ele começa um dialogo dizendo que que ele não pode fazer chá gelado porque o carregamento de gelo deles ainda não chegou - Eu acho que em Seattle, no ano de 2050, você não pode fazer gelo sem licença, ou talvez o conceito do freezer tenha se tornado uma tecnologia perdida.
De qualquer forma, você ganha a palavra "ice" que não serve para nada pelas próximas horas de jogo. Só que mais tarde quando você está tentando fazer um barco levá-lo ao lugar com as portas enferrujadas, o capitão diz que não pode te levar porque a agua está cheia de sereias e que só vai poder viajar quando alguem resolver isso. Se você, por motivo nenhum, no meio de outras 35 palavras que vc já tem aquela altura pra tentar, usar a palavra "ice" o capitão então menciona que sereias começaram a se reunir na água morna do esgoto porque elas não gostam de água gelada. Aí você vai até o esgoto matar o ninho das sereias.
Agora eu só queria saber... COMO. CARALHAS. EU. VOU. ASSOCIAR. ICE. COM. A. PORRA. DAS. SEREIAS?! Isso sim é de longe a coisa mais frustrante do jogo, essencialmente vc tem que tentar todas as palavras com todos NPCs do jogo (e são muitos), e repetir isso toda e cada vez que você ganha uma palavra nova. Mas puta que me pariu, HAJA SACO!
Essa é a pior coisa do jogo, pq esse é realmente um daqueles jogos que não tem como jogar sem um detonado, pq os saltos de lógica que o jogo quer que você dê não são humanamente computáveis. E isso é realmente uma pena, pq eu queria muito mesmo gostar mais desse jogo. O sistema de combate é esquisito, mas é okay uma vez que você se acostuma com ele e passa até a ser divertido quando vc pode contratar capangas pra andar com vc (que é outro fator que diminui a dificuldade após os primeiros momentos do jogo) - ser o líder de uma party controlada pelo computador é um conceito bastante bacana, especialmente para 1993.
Mas mais importante que isso, ainda é Shadowrun! Sabe quantos jogos cyberpunk existem para o Super Nintendo? Bem poucos. Sabe quantos jogos de Super Nintendo começam com você acordando em um necrotério? APENAS UM. Porra, a Beam Software fez um bom trabalho em transferir o mundo sem valores morais e onde a vida vale tanto quanto seus implantes puderem pagar para o Super Nintendo, o que não é algo que acontece todo dia.
Nossa história aqui é que nosso herói acorda no necrotério sem memória: aparentemente ele tem algo muito valioso guardado no seu cerebro e tentaram apagar ele por isso - o que quase teve sucesso, não fosse uma kitsune ter castado uma magia no ultimo momento. Então sua jornada agora é descobrir quem você é, quem quer te apagar, o que é que você tem de tão valioso na cabeça e como se vingar por isso, because cyberpunk. É massa ou não é?
Shadowrun tinha tanto potencial, é um jogo tão diferente de qualquer outra coisa no Super Nintendo, é um genero que você nunca jogou nesse console em um cenário que você nunca jogou nesse console! E os momentos iniciais do jogo fazem sentido o suficiente... pena que não demora muito para os puzzles e o uso de keywords espiralem para fora de controle. Ele adiciona personagens e elementos que não combinam com nada mais que você esteja tentando fazer. Ele deixa você sem rumo, te obrigando a tentar todas as opções com cada NPC e objeto ido jogo... e isso não é divertido.
Jogos que exigem detonados para completá-los não são jogos divertidos.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 063 (Junho de 1999)