terça-feira, 12 de novembro de 2024

[#1347][Ago/92] HUGO


De todos os mil trezentos e quarenta e sete jogos já resenhados nesse blog, hoje é dia de falar possivelmente do mais estranho, bizarro e anomalo de todos eles. Um jogo tão diferente que faria o próprio diabo em pessoa ter medo

HÃ, NÃO ESTOU VENDO O QUE TEM DE TÃO ABERRANTE NESSE JOGO, SE ALGUMA COISA  PARECE É EXAGERADAMENTE SIMPLÓRIO...

E é simples. Possivelmente o jogo mais simples que eu já joguei em toda história desse blog. Porém nõa é o seu gameplay que o torna uma anomalia e sim que... eu não sei como dizer isso... esse foi um jogo de Amiga que eu genuinamente quis jogar quando era criança.


Vamos lá: se tem algo que eu verdadeiramente, realmente, genuinamente abomino em videogames são jogos europeus de plataforma do começo dos anos 90 - e eu já passei mais tempo do que a sanidade recomenda falando sobre essas abominações que assombram a alma da propria humanidade, só ver minhas reviews de jogos como STORMLORD ou SHADOW OF THE BEAST. E calha do Amiga ser o lar de todos eles, onde todo o pavoroso game design europeu do começo da decada se reunia para nos assombrar com seus bonecos sem peso em level design mal feito.


Com efeito, muito do meu ranço com a Sega é que 70% da biblioteca do começo da vida do Mega Drive são ports dessas abominações destruidoras de almas e só quem viveu esse horror entenderá acordar no meio da noite gritando em desespero pq vc está jogando TURRICAN.

Isso sendo dito, explicado esse contexto, existe um e apenas um jogo de Amiga que eu queria realmente jogar quando era criança, e esse vem a ser o jogo de hoje: Hugo. Pq? Bem, pq em setembro de 1990 a produtora de televisão dinamarquesa ITE Media (capaz que não são os dinamarqueses a pensar nisso, um povo que criou as pecinhas de Lego pra vc pisar é capaz de tudo) desenvolveu uma tecnologia que conseguia transformar apertar um numero do telefone durante uma ligação em um comando para um jogo. Eles fizeram tal que apertar 6 ia pra direita, 3 ia pra esquerda e assim por diante.


E pra que eles desenvolveram isso? Para criar um programa de televisão onde as crianças jogassem um jogo pelo telefone, é claro! O pimpoluxo ligava para emissora e jogava pelo telefone ao vivo em rede nacional, todos riam, muitas alegrias.

Para isso foi desenvolvido um jogo de Amiga que obviamente se prestava a simplicidade necessária da tarefa. Logo, Hugo é um jogo tão simples como se tivesse isdo desenhado para ser jogado por uma criança no telefone... porque é exatamente isso que ele é, oras.

O resultado disso, saiba você, foi um total e absoluto sucesso: Hugo não apenas foi um fenomeno de audienica na Dinamarca, como sua formula acabou sendo exportada para mais de 40 países... incluindo o Brasil, obviamente. No Brasil o programa foi exibido pela CNT Gazeta, e provavelmente se você perguntar para alguem na rua, vai ser o único programa da CNT que alguém vai conseguir lembrar.


Mais do que lembrar, o programa foi um sucesso tão grande na CNT que se tornou o Chaves da emissora: onde precisava tapar um buraco, Hugo quebrava um galho. No auge da sua popularidade, Hugo tinha duas exibições diarias - uma de manhã e uma de tarde - e ainda mais um programa aos domingos.

E isso muito porque esse era de longe o programa mais lucrativo da emissora já que para participar as crianças tinham que ligar para um 0900. 0900, saibam vocês jovens crianças do verão, era um sistema em que vc ligava para um numero e o telefone ligado recebia um pagamento - por minuto ou por ligação - que vinha cobrado na sua conta telefonica. Se tornou uma grande febre nos anos 90, para horror dos pais que pagavam as contas de telefone - e hoje como adulto eu consigo entender plenamente isso - sendo que haviam 0900 de todas as coisas imagináveis.

Essa vinha na contracapa da Ação Games, o que deve de ter caído de moleque nesse "interurbano grátis" não tá no gibi

No caso de Hugo, a CNT cobrava R$3,95 (aproximadamente dois dolares em 1995, só pra ter uma base) de cada criança que ligava para participar do programa. Suponho que vocês conseguem ter uma ideia do quanto eles se lavavam de fazer dinheiro usando isso no programa mais popular da emissora. E ajuda que os premios que o programa dava para seus participantes: inicialmente os premios para a maior pontuação do dia eram camisetas, e jogos de tabuleiro como MONOPOLY e THE GAME OF LIFE.

Verdade que mais pro final do programa, lá por 98, os premios já tinham melhorado bastante a melhor pontuação do dia ganhava um "kit Hugo" que consistia de um rollerblade com camiseta, joelheira e capacete, e a melhor pontuação da semana ganhava um computador!


Em todos os lugares do mundo o programa tinha um formato semelhante, uma apresentadora gateeenha ou um dude descolado atendiam as ligações e faziam o meio de campo do programa, pq é assim que os anos 90 rolavam. A versão brasileira, entretanto, tinha um diferencial: o dublador Orlando Viggiani (mais conhecido por ser a voz do Ryu de Street Fighter) ficava no estúdio e o Hugo interagia em tempo real no programa. Meio que como uma versão de baixo orçamento da TV COLOSSO que tinha dubladores em tempo real no programa, o que dadas as limitações da CNT Gazeta era kinda cool.

Isso somado as frases de efeito da dublagem do Hugo certamente é pelo que esse programa é mais lembrado até hoje, tendo frases que se tornaram parte da cultura popular brasileira como "não tem chororô, esse jogo acabou".



Alem disso, posteriormente o Clube do Hugo passou a exibir desenhos animados entre uma participação de criança e outra... e passavam uns desenhos bem bucha da Hannah-Barbera, para ser honesto. Não, esqueça SCOOBY-DOO MYSTERY ou WACKY RACES, eles passavam a rapa do tacho mesmo com coisas como o desenho do Jerry Lewis ou Bicudo, o Lobisomem. Aí é foda, mermão. Mas hey, eles também passavam um anime, pequeno otaku do Verão... Don Dracula, uma adaptação do manga de Osamu Tesuka e se você nunca ouviu falar dele já pode imaginar que existe um motivo para isso...


Mas hey, não é verdade que não havia NENHUM desenho bom no programa do Hugo, já que afinal eles tambem passaram a ultima e mais ambiciosa produção da Hannah-Barbera: SWAT KATS: The Radical Squadron. Esse era de longe o melhor desenho de toda emissora, e o real motivo de eu gostar desse programa já que na época esse era meu cartoon favorito.

Isso sendo dito, é claro que como pequeno gamemaníaco dos anos 90 eu queria muito jogar o jogo do Hugo. Como a gente não tinha a mais remota condição pagar por uma ligação de R$ 3,95 (que não daria em nada, honestamente), o que eu fazia era pegar o telefone desligado da tomada e fingir que estava jogando apertando os botões. Pois é, minhas tardes de infancia eram emocionantes assim.


Mas hey, nada que o tempo nõa resolva e eventualmente eu descobri que os jogos de Hugo sairam para Amiga e posteriormente receberam um port para Playstation - o que mais eventualmente ainda eu vim a jogar, vulgo agora. E... bem, fora do contexto do programa de TV, não tem muita coisa aqui realmente.

Quero dizer, são minigames tão simples quanto simples pode ser, mas então o que se poderia esperar quando são minigames feitos para serem jogados pelo fucking TELEFONE na televisão? No máximo do máximo de complexidade, o jogo do avião exige que você abra um mapa para ver para onde está indo, mas não espere muito disso também.

No fim, sem a fumaça e espelhos da televisão os jogos do Hugo não são nada impressionantes e está tudo bem, eles não foram feitos para ser. Eles foram feitos para serem o programa de TV do Hugo.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 065 (Agosto de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 041 (Junho de 1999)