Então vamos falar sobre animação. Mais especificamente, como o título acima já dá a deixa, vamos falar sobre os longas da Disney na história da animação, ao que todos podemos concordar que o estúdio emendou uma série de sucessos sem precedentes na história do próprio cinema com a sua renascença: THE LITTLE MERMAID, THE BEAUTY AND THE BEAST, ALADDIN e THE LION KING são o tetravirato de ouro, um emendado no outro que voltou a colocar a Disney não apenas no mapa, mas no topo do jogo. Embora eu tenha alguns problemas com o primeiro e o segundo filme, não cabe a mim dizer que eles não são sucessos de público e crítica (até pq o que eu queria dizer eu já disse nos textos daqueles jogos).
Cada filme estava quebrando recordes de bilheteria, ganhando prêmios (principalmente por suas músicas), álbuns nas paradas da Billboard 100, aclamação da crítica, personagens fortes a serem admirados que se traduziam em bilhões em merchandising associado, enfim a Disney se restabelecendo novamente na cultura pop e muitos elogios e lucros entrando por todos os lados.
Os executivos estavam felizes, os animadores finalmente puderam expressar a sua criatividade (até um ponto) e foi um bom momento para todos os envolvidos. Até que não foram mais. Em algum momento, em algum ponto do meio dos anos 90 a Disney se tornou tão conceituada do seu próprio sucesso que entendeu que podia fazer o que bem entendesse que o publico iria aplaudir de pé. Afinal, após quatro anos seguidos estourando os recordes de bilheteria, como possivelmente você poderia errar?
POCAHONTAS mostrou que dava, e que não era pouco (apesar de Colors of the Wind ainda ser uma puta música, thou). Fracasso absoluto com o público, a Disney pareceu não entender como possivelmente eles poderiam ter falhado e seguiu com uma escolha mais infeliz ainda, possivelmente o pior livro que eles poderiam adaptar em um musical family-friendly Disney-like.
O Corcunda de Notre Dame é um livro pesado com temas que são tudo menos musicais classificação livre para a familia toda, e novamente apesar de ter uma música do caramba (like fire, hellfire!), foi outra bordoada nas pretenções da Disney.
Para adicionar sal a ferida, a concorrencia que antes praticamente inexistia passou a tomar com facilidade a liderança, com filmes como TOY STORY e Príncipe do Egito roubando a cena bonitaço. Isso levou a uma era de incerteza e mudanças dentro da Disney, dois tabefes desses na cara não é algo que aconteça numa empresa desse tamanho sem que cabeças rolem.
Isso resultou em um HERCULES esquisito que parece um filme feito sob encomenda por executivos assustados e só queriam algo seguro para vender merchandising e atrações nos parques (resumo da história, foi isso mesmo, mas a história completa tem no post de HERCULES ACTION GAME), seguido por Mulan que é o mais perto que temos da formula clássica de princesa Disney (mesmo a Mulan não sendo uma princesa realmente). Não é atoa que de todos os filmes após a quadrilogia dourada do começo do século, Mulan é o que é lembrado com mais carinho.
- Então você quer largar a civilização pra viver na selva no meio dos macacos? Pq? - Amiga, sabe quantos caras na Inglaterra vitoriana tem barriga tanquinho?
De toda forma, meu ponto aqui é que no final da decada a Disney estava perdida e sem saber mais o que funcionava e o que não. Nomes consagrados que criaram a renascença com as próprias mãos já tinham deixado o estúdio (tendo ido para pastos mais verdes ou falecido), tava um barata-voa desgraçado.
Todo esse contexto é importante para você entender em que situação estava a Disney quando então chega aos cinemas sua animação do ano para 1999: uma adaptação do personagem clássico de Edgar Rice Burroughs.
Agora, se existia um personagem caindo de maduro para ser adaptado para animação era Tarzan, pq era um daqueles personagens que todo mundo já ouviu falar, existem referencias a ele a torto e a direito na cultura pop... mas quase ninguém daquela geração nunca tinha assistido nada realmente a respeito do personagem. Então uma adaptação de Tarzan como animação fazia muito sentido, o que fazia menos sentido era a situação de dedo no macaco e gritaria que a Disney estava em 1999.
Isso levou a uma situação muito esquisita: na pré-produção do filme, a Disney encomendou ao cantor Phil Collins que ficasse responsavel pelas músicas em um musical do Tarzan que eles estavam desenvolvendo. Collins ficou maravilhado com a ideia, tanto porque ele era um fã da Disney e poder dirigir um musical era um sonho virando realidade, e tanto porque ele tinha saído da banda Genesis em 1996 após duas decadas e estava se aventurando na carreira solo.
E boy, não dá pra dizer que Collins não colocou seu coração nessas músicas, tanto que a trilha sonora desse filme empilhou indicações e prêmios. Não uma música em particular, ma várias, você meio que pode atirar pra cima e o que vc pegar dava pra indicar pra um prêmio pq o homem tava com tesão desse jeito. Com efeito, ele tava tanto na pilha que ele aprendeu a cantar suas próprias músicas em italiano, alemão, espanhol e francês para as versões internacionais do filme, pq ele tava querendo desse jeito.
O problema é que, como eu disse, a Disney estava uma bagunça naquela época (bem diferente de hoje, né) e as coisas estavam sendo feitas meio na moda louca. Tanto que em algum ponto da produção, eles decidiram que musicais eram bregas e coisas do passado, e que eles não colocariam ninguém cantando porque isso era totalmente not cool.
O resultado disso é um monstrengo bem esquisito pq temos músicas que foram escritas para os personagens cantarem agora sendo colocadas de forma invasiva, vindo do além e dizendo aos espectadores como eles deveriam se sentir naquela cena ao invés de serem os próprios personagens se expressando.
Na versão brasileira, toda trilha sonora foi passada para o Ed Motta (muito porque a voz dele lembra do Phil Collins, só que carioca)
O filme é repleto de momentos assim, que claramente o que foi pensado na pré-produção não é o que vemos no resultado final do filme pq a Disney tava a casa da Mãe Joana. Um momento que particularmente me chamou atenção é que na introdução do filme Tarzan se torna órfão quando um leopardo (chamado "Sabor". ui delicia) mata os seus pais. Mais tarde Tarzan enfrenta esse mesmo leopardo e mata ele, mas... isso não é um momento emocional para Tarzan, na verdade ele sequer estava ciente que estava "se vingando", é um arco narrativo que não fecha e o resultado final é bem esquisito.
E fica mais esquisito ainda quando o filme faz a transição na metade dele para o seu segundo vilão, Clayton. Eu entendo que a ideia era transferir a vilania da pantera para o caçador - inclusive com um uso muito inteligente de sombras para isso - mas então vc acabou de ter uma vitória emocionalmente anticlimática para o Tarzan e transfere isso para um segundo vilão, quando o espectador nem teve um payoff pelo primeiro!
Não ajuda muito também que Clayton não é de longe o pior vilão de toda decada de 90 da Disney (pior até mesmo que os conquistadores de POCAHONTAS). Eles meio que miraram aqui no Gaston de THE BEAUTY AND THE BEAST e acertaram no... hã, eu não sei onde eles acertaram, mas definitivamente ele não é um novo Gaston. Nem o velho. Com efeito, todo mundo lembra do Clayton por uma coisa e uma única coisa apenas, ele é o único vilão de filme da Disney que eu lembro de ter uma morte brutal na tela.
Quero dizer, todos os vilões da Disney mais ou menos é implicito que eles morrem ou algo do tipo (eu particularmente gosto do Dr. Facilier da Princesa e o Sapo, que ele é literalmente arrastado para o inferno), mas aqui Clayton termina com um fatality onscreen. Brabo.
Então, como dá pra ver, Tarzan estruturalmente é um filme meio desconjuntado que nasceu de uma era em que as coisas estavam desconjuntadas e bagunçadas na Disney. Mas isso quer dizer que o filme é ruim? Bem... não realmente.
Isso pq enquanto o todo do filme é bem questionável, individualmente ele tem valores de produção que carregam o filme acima de um patamar que ele poderia estar. Por exemplo, eu já mencionei a trilha sonora de Phil Collins, tanto que virou um meme "Phil Collins não precisava ir tão hard em Tarzan".
O mesmo pode ser dito a respeito do visual do filme. Tarzan tem um dos melhores usos de computação gráfica em uma animação 2D que eu veria em muito tempo (hoje esse posto é de Demon Slayer, mas o fato de levar 20 anos para ele ser ultrapassado diz muito sobre nosso menino das selvas). Isso pq o que é que todo mundo lembra a respeito de Tarzan dos Mamacos?
Que ele tem o grito iconico dele, mas que ele tambem se pendura em cipós. A Disney quis fazer uma versão moderna e radical disso, fazendo ele meio que skateboarding nos galhos das arvores... o que poderia ter saído catastrófico com essa descrição, mas os artistas tinham uma visão muito boa de onde queriam chegar e o resultado final é realmente awesome - especialmente com a forma que eles usaram a CG nesse filme.
E então temos também que os personagens - com exceção do Clayton - são bastante bem escritos. Peguemos, Jane, por exemplo: ela é essencialmente uma nerd vitoriana que (junto com o pai) decidiu se tocar para o meio da selva pra estudar os gorilas, pq é o que nerds vitorianos faziam antes da invenção do D&D.
Porém o que é realmente charmoso a respeito dela é que ela é realmente isso, apenas uma nerd sem a mais remota noção de no que ela estava se metendo. Isso quer dizer que enquanto ela é razoavelmente esperta e tem um bom coração, ela não tem a menor malemolencia para sobreviver na selva e o filme não tenta compensar isso fazendo ela um super genio nem nada. Ela e o pai dela são nerds emocionados, mas sem muita manha da vida - tanto que o Clayton enrola eles facilmente, e olha que nem discreto ele estava tentando ser.
Claro que muito funciona exclusivamente por causa da dublagem, a Jane original é bem mais apática e desinteressante que a versão brasileira da Miriam Fischer, mas meu ponto é que o que torna personagens interessantes não são suas qualidades, mas seus defeitos, eles lidarem com aquilo que não são bons em fazer.
O próprio Tarzan é um personagem bem interessante. Na maioria dos filmes da Disney, a personagem sabe quem é e o que quer, apenas está em um lugar que ela não pode ser quem ela é realmente é - o que nos leva a inevitável "I Want Song", a cena do filme em que a personagem canta uma música para expressar essa frustração com o lugar onde está. O personagem entende quem é, só precisa encontrar quem o aprecie como tal.
Tarzan é inteiramente diferente disso. Ele também está em busca de aceitação, sim, mas a parte importante aqui é que ele não faz ideia de quem é e passa o filme em uma jornada de autodescoberta. Ele se esforça para imitar todos os animais possíveis, buscando suas próprias forças e quem ele é através de tentativa e erro. Ele sabe que não é um gorila, isso é óbvio, mas literalmente não existe outro animal na selva como ele - o que leva a uma cena muito bonita do Tarzan ainda criança, frustrado de que seria muito mais fácil se ele apenas tivesse nascido um gorila. Como o filme não é muito bem montado, não é exatamente satisfatória essa jornada dele encontrar outros humanos e descobrir que existe toda uma espécie "dele", mas o dilema do personagem é interessante.
Outro bom exemplo é o líder dos gorilas, Kershak. Ele não gosta do Tarzan e não deveria ter motivos para gostar, porque Tarzan é diferente e diferente na selva quer dizer que você e todo mundo que você conhece vai ter uma morte horrível, a selva não é lugar para tentar coisas novas. Entretanto ele permite que Tarzan fique porque é o que Khala quer e ele se importa demais com ela para tirar mais isso dela depois dela perder seu filho... só que ele não é bom em expressar seus sentimentos, e como macho alfa dos gorilas nem é bem visto que ele o faça.
Isso faz dele um personagem interessante, pq quando eu era criança eu achava que ele era um tipo de antagonista pq ele é sempre super sério e ameaçador, mas... olhando agora, cara, todas as preocupações dele são perfeitamente razoaveis.
No final do filme, Tarzan se torna líder dos gorilas, mas... como novo macho alfa do bando, isso não quer dizer que ele também vai ter que gerar os filhotes com todas as femas daqui pra frente?
Então, no fim do dia, Tarzan da Disney é um retrato da própria empresa: a estrutura da coisa é desconjuntada a tal ponto que o primeiro e o segundo ato do filme parecem filmes completamente diferentes (e um afeta bem pouco o outro, realmente), muitas das escolhas da produção foram menos que otimizadas (como inserir as músicas de forma intrusiva pq a Disney achava que musicais estavam datados), toda a infeliz cena do "Thrashing the Camp" que está ali só pra lembrar que crianças vão gostar de qualquer coisa aleatoria que faça barulho, mas... tudo é compensado por valores individuais que salvam o dia. A trilha sonora, os visuais, o uso de CG, como os personagens são falhos, etc.
Como dá pra ver, não é um filme perfeito porém é forte o suficiente para ser digno de ser considerado o ultimo dos filmes da era da renascença da Disney. Daqui pra frente é uma nova era e as coisas vão ficar realmente esquisitas...
E no fim, Jane realiza o sonho de toda garota: viver uma aventura seminua com um homão da porra trinkado no shape junto com seu pai de tanga.
Falando em esquisito, eu suponho que após 2 mil palavras sobre o filme, suponho que é meu dever dizer uma coisa ou outra sobre o jogo licenciado para PS1 e... hmm... hã... quer dizer, ele é bonito para um jogo de plataforma de Playstation e...
E É A PORRA DE UM JOGO EUROPEU DE PLATAFORMA, TÁ BOM? PRONTO, FALEI! Pq após algumas centenas de jogos de plataforma nesse blog, algo que ficou bem claro o que eu sinto a respeito dos jogos de plataforma europeus e esse é tão europeu que eu temi que o jogo já estivesse pensando em colonizar a Africa de novo!
Mas enfim Tarzan é um jogo de plataforma, você pode pular e pode jogar frutas nos inimigos ... ou encontrar uma faca para esfaqueá-los o que, estranhamente, não causa mais dano do que seu suprimento infinito de frutas. Hã...
Além de inúmeros animais para matar com suas frutas mortais da morte mortífera, há também uma tonelada de itens colecionáveis... que são bem desinteressantes de colecionar. Isso pq o level design desse jogo é uma versão da shopee de DONKEY KONG COUNTRY. Vc está numa selva, vc precisa coletar letras do seu nome, a grande diferença aqui é que ao contrário de DONKEY KONG COUNTRY, esse é um jogo de plataforma europeu!
HÃ, VC SABE QUE A RARE TAMBÉM É EUROPEIA, NÉ?
Não ouse usar lógica contra mim, Jorge, eu estou reclamando do jogo agora! Mas enfim, meu grande gripe com esse jogo é que em toda sua europeicidade tudo parece sem peso, as coisas apenas flutuam na tela e nada dá um feedback satisfatório. Em um bom jogo japonês de plataforma, como MEGA MAN X ou NINJA GAIDEN, ao ser atingido por um inimigo há uma reação do seu personagem na tela (como ele ser jogado para trás) acompanhado de um efeito sonoro marcante para indicar que sofreu um hit. Em um típico jogo europeu, nada acontece.
Inimigos apenas flutuam pela tela, seu marcador de life diminui, mas... nada parece conectado, nada parece satisfatório. E Tarzan é uma hora e meia disso, de coisas flutuando pela tela sem nunca te dar um feedback satisfatório. Não é atoa que o único nível semi-agradável é o que você controla a Terk percorrendo o acampamento, com boas versões em MIDI das musicas do filme tocando, especialmente pq nessa fase em especifico não tem inimigos sem peso atravessando de um lado para o outro.
Outro grande problema com Tarzan é pular nas beiradas. Não é raro um jogo de plataforma exigir que vc pule da precisa beirada pixelar para chegar numa plataforma, só como os gráficos desse jogo são feitos é um pouco confuso dizer o que o jogo entende exatamente como uma "beirada".
E como se as coisas não estivessem ruins o suficiente, por alguma razão o jogo decide que as duas ultimas fases do jogo não serão plataforma e sim em 3D solto. Se já era frustrante ter que lidar com os inimigos em linha reta bidimensional na sua frente, não queira imaginar o que é ter que acertar eles se movendo em 8 direções.
Enfm, Tarzan é um jogo de plataforma 2D muito chato, que ao menos é funcional porém sem identidade ou personalidade. Você poderia incluir qualquer licença de filme no jogo e teria exatamente os mesmos resultados. A única razão pela qual você pode querer jogar até o fim é admitir o cenário e se maravilhar com as novas formas que eles acham para os detalhes sofisticados do primeiro plano atrapalharem você entender o que pode ou não te acertar, ou onde termina o background e começam as plataformas.
A adição de animais “cénicos” pelos quais você passa sem incidentes, e animais “reais” quase idênticos que te causam dano não faz nenhum favor ao jogo. Não existe uma forma de diferenciá-los a menos que tenha jogado até a morte decorado cada sprite nesse jogo se é cenário ou inimigo, e honestamente ninguém em sã consciência merece ter que passar por isso.