Não é realmente possível falar sobre o terceiro e último update de STREET FIGHTER 3: The New Generation sem mencionar que neste jogo especificamente aconteceu um dos maiores momentos da história dos videogames, de todos os tempos.
Só que para você entender o que esse momento significa e aprecia-lo em toda sua glória, primeiro eu vou precisar explicar a mecânica nova introduzida nesse jogo: o parry.
Vamos começar do começo, e por isso eu quero dizer REALMENTE do começo: deste STREET FIGHTER 1, lá nos anos 80, a defesa nos jogos de luta funciona mais ou menos da mesma maneira e isso seria que defendendo você ainda toma dano - porém apenas uma fração dele. Em Street Fighter (e na maioria dos jogos de luta, dado que esse foi o jogo que moldou o genero), para defender você segura para trás. Todos comigo até aqui? Ótimo.
O que o terceiro update de STREET FIGHTER 3: The New Generation fez de diferente foi introduzir um novo tipo de defesa: o parry. No parry ao invés de tomar apenas uma fração do dano, você toma zero dano e ainda atordoa o adversário por alguns quadros de animação. Parece incrível, certo?
Então, sim, mas vem com um custo: para fazer o parry você tem que apertar para FRENTE quando o ataque vem, não para trás. Isso quer dizer que se você errar o timing da janela de parry, você toma o ataque cheio na boca, sem choro nem vela. É uma grande recompensa, mas é um grande risco.
E o risco fica maior ainda quando você para para ver qual é essa janela de espaço que você tem para acertar o comando: o parry funciona apenas durante 6 quadros de animação. Como SF3 roda a 60 quadros de animação por segundo, isso quer dizer que você tem apenas 6/60 segundos para acertar o comando - ou seja, míseros 0,1 segundos.
0,1 segundos. Se você erra essa janela minúscula para apertar para frente, toma a porrada em cheio, leva a piaba mas da bem dada. Guarde essas informações, porque elas são vitais para entender o que veremos seguir.
Corta agora para 2004, mais especificamente para a EVO de 2004 - o maior torneio de jogos de luta do mundo, a Copa do Mundo dos jogos de luta e que é um torneio prestigiado até hoje. Na semifinal do torneio de Street Fighter 3 ocorreu uma chamada "final antecipada", com os tidos como dois melhores jogadores do mundo se enfrentando: o japonês Daigo Umehara contra o americano Justin Wong.
Justin estava jogando com a Chun Li e Daigo jogando com Ken, e as coisas não estavam boas para Daigo: no terceiro e decisivo round, Daigo estava apenas com um fiapo de vida... e Justin solta o super especial da Chun Li.
Em qualquer momento do tempo e do espaço de qualquer linha do tempo possível, a luta terminaria aí... exceto que nós temos sorte o suficiente para viver na timeline onde ISSO aconteceu:
Pela reação do público, você meio que já pode entender o que aconteceu aqui: se Daigo apenas defendesse, o dano residual ainda seria suficiente para decretar sua derrota. A sua única esperança era usar o parry. E foi o que ele fez... para todo e cada um dos QUINZE ataques da Chun Li. QUINZE.
Daigo acertou o parry com sua janela de 0,1 segundos QUINZE vezes seguidas e venceu uma luta absolutamente perdida. Isso, meus amigos, é magia. Pura magia acontecendo em tempo real - como o video diz, você tinha que estar lá.
Esse momento foi tão inacreditável, tão único, tão especial na história dos videogames que na EVO de 2024, o torneio fez uma competição especial de Street Fighter 3: Third Strike em homenagem aos 20 anos do "Daigo Moment" (atualmente o torneio utiliza Street Fighter 6 como representante da franquia na EVO). Na verdade, foi uma coisa tão incrível que pouca gente sequer lembra que Daigo nem venceu aquele torneio - ele perdeu a final para Kenji "KO" Obata. Não que isso importe tanto, porque o que ele fez acabou sendo muito maior do que vencer o campeonato, ele entrou para a história.
E bem, agora que você está inteirado da coisa pela qual SF3: Third Strike é mais famoso, vamos falar um pouco sobre uma coisa pelo qual ele é menos lembrado porém ainda sim bastante importante: resolver o maior problema do STREET FIGHTER 3: The New Generation - seu elenco.
Com as adições do terceiro update, somado ao segundo, finalmente temos um Street Fighter 3 com Ryu, Ken, Chun Li e Akuma no jogo, o que realmente dá uma cara de Street Fighter ao título
Relembrando, quando STREET FIGHTER 3: The New Generation foi lançado em 1997, ele introduziu um elenco totalmente novo, com apenas Ryu e Ken retornando de jogos anteriores. Essa escolha, enquanto ousada por parte da Capcom, foi recebida com desapontamento pelos jogadores, já que os fãs da série queriam ver seus personagens favoritos como Chun Li, Guile e Dhalsim. Embora os novos personagens fossem até que bem legais e mecanicamente bem desenhados, a ausência dos rostos clássicos não pegou legal.
A Capcom ouviu o feedback e reintroduziu Chun Li e Akuma, o que junto com outros personagens que pegaram com os fãs como Ibuki e Elena, acalmou os animos da galere. Outros lutadores podem até ter alguns movimentos que parecem familiares, como Remy, um roqueiro gótico fazendo o Sonic Boom de Guile, ou Hugo, um inimigo gigante de Final Fight que desempenha o papel de lutador de grapple do jogo, assim como Zangief nos jogos clássicos. Honestamente, sou totalmente a favor de algo diferente e novo, como eu disse, realmente não parece que dois lutadores são iguais. Muita variedade aqui. Quando você escolhe um lutador, você tem três movimentos especiais para escolher. Alguns especiais podem ser um super hadouken que pode afastar seu oponente, ou você pode escolher um super filme que é difícil de acertar, mas pode causar danos enormes se feito corretamente.
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Eles colocaram uma animação da Poisonzinha S2, 10/10, GOTY! |
Isso adiciona muito mais estratégia ao jogo e pode fazer você querer pensar em qual super movimento seria melhor para a batalha em que está prestes a entrar. Cada lutador traz algo diferente para a mesa e, honestamente, alguns dos personagens neste jogo são alguns dos meus favoritos na série. Então... quem você vai escolher? A inclusão desses personagens, combinada com a mecânica refinada do jogo, ajudou a solidificar Third Strike como a verdadeira entrada definitiva de Street Fighter 3.
Mas Third Strike faz mais do que trazer de volta as pernocas mais famosas dos jogos de luta, a diversidade do elenco, a inclusão do sistema de parry fez de Third Strike um queridinho de pro-players e figurinha carimbada em torneios de luta.
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Aparentemente agora Ultraman vestido como tarado do parque é um personagem de Street Fighter... okay, i guess? |
Outro aspecto que vale a pena mencionar é a apresentação visual e auditiva do jogo. Em Third Strike a Capcom tirou o escorpião do bolso e refez vários sprites 2D - algo que custa dinheiro e a Capco odeia gastar dinheiros, só ver que Marvel vs Capcom ainda usava sprites da Morrigan de Darkstalkers 3!
A trilha sonora, composta por Hideki Okugawa, também foi toda refeita e eles não economizaram pedradas no tema "Fight for the Future", misturando hip-hop, jazz e influências eletrônicas para criar um som que complementa perfeitamente a atmosfera urbana do começo do novo milênio. Faixas como "Jazzy NYC '99" e "Killing Moon" ainda são amadas pelos fãs hoje.
Suponho que apesar de seus muitos pontos fortes, tem que ser dito que Third Strike pode ser apontado como tendo sido pensado para mais para jogadores competitivos, pode uma barreira de entrada alta para novatos. O sistema de parry, embora revolucionário, requer timing preciso e tomada de decisão em frações de segundo, dificultando que jogadores casuais aproveitem isso totalmente. Além disso, o equilíbrio do jogo não era perfeito — alguns personagens, como Chun Li e Yun, eram considerados poderosos demais na cena competitiva, o que fazia com que certos confrontos parecessem unilaterais.
Ainda sim, esses problemas fizeram pouco para diminuir o legado de Third Strike. Ao longo dos anos, o jogo foi relançado várias vezes, incluindo na Street Fighter 30th Anniversary Collection, garantindo que novas gerações de jogadores possam experimentar seu brilhantismo. Sua influência pode ser vista em inúmeros jogos de luta que se seguiram, de Guilty Gear a Street Fighter IV e além.
Talvez mais importante do que qualquer mecânica, qualquer reviravolta ou qualquer torneio, Street Fighter III: Third Strike foi também a última dança da franquia por quase uma década. O próximo jogo só viria em 2008, com Street Fighter IV, tornando esse capítulo um adeus prolongado – não um simples intervalo, mas um fechamento real. Foi o momento em que a Capcom colocou as cadeiras em cima das mesas, apagou as luzes do bar e disse: "Acabou por hoje. Você não precisa ir para casa, mas não pode ficar aqui."
Mas quer saber? Foi uma despedida digna de uma lenda. Street Fighter não é só uma franquia de jogos de luta – é a fundação sobre a qual todo o gênero foi construído. Todos os mais de 200 jogos de luta que passaram e os que ainda passarão por este blog, todas as rivalidades, as vitórias épicas e as derrotas amargas, tudo começou lá atrás, com Street Fighter II. Então, se havia uma forma perfeita de colocar um ponto final nessa era, não poderia ser outra além do Daigo Parry.
Porque sejamos honestos: se existe um jeito melhor de encerrar um capítulo da história dos videogames do que com aquele momento impossível, aquele instante em que a física, a matemática e o próprio destino se dobraram à vontade de um jogador... então esse momento ainda não foi concebido. Street Fighter III se despediu como viveu – no auge, com grandeza e um toque de magia.
Durma bem, campeão. Nos veremos de novo daqui a uma década.
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