domingo, 2 de março de 2025

[#1414][Out/1999] JET FORCE GEMINI (ou "Startwins" no Japão)


É um fato conhecido que não é realmente possível falar do Nintendo 64 sem falar da Rare - a única outra empresa além da Nintendo a vomitar sucesso após sucesso regularmente para o console. Sem mentira, de todos os "The Best Of" que eu já dei nesse blog para o Nintendo 64, mais da metade são da própria Nintendo ou da Rare.

Por isso mesmo é meio impossível dissociar o Nintendo 64 da Rare, pq jogos como DIDDY KONG RACING, BANJO-KAZOOIE ou GOLDENEYE 007 são imagens que te vem a mente quando se menciona a "fun machine" da Nintendo. Eu estou explicando isso pq, no entanto, nem todos os jogos da Rare daquela época recebem o mesmo nível de amor. Alguns deles caíram na obscuridade, seja porque envelheceram mal (né BATTLETOADS) ou apenas realmente não eram dignos de muita nota - como MICKEY SPEEDWAY USA.

E um desses títulos que ninguem nunca menciona quando fala do Nintendo 64 ou da Rare é justamente esse Força Jato Gemeos — e isso sempre me pareceu um tanto estranho, pq pelo que eu li a respeito jogo, este seria um jogo que pega a experiência da Rare em jogos de plataforma, tiro e aventura e joga tudo em um liquidificador. O que é que aconteceu aqui então que JFG acabou caindo nas frestas das areias do tempo?


O jogo abre com uma cena incrível dos personagens correndo por um corredor com uma música que inspira heroísmo - como é esperado da Rare desde DONKEY KONG COUNTRYela faz um ótimo trabalho de comunicar imediatamente exatamente o tom do que vamos ter a seguir e sobre o que esses personagens são. Aliás, já que estamos falando da tela título, podemos tirar um momento para apreciar o nome desse jogo? Jet Force Gemini se pronuncia "Jet Force Geminai", e esse é, sem dúvida, um dos nomes mais legais que consigo lembrar. Sério, tente dizer em voz alta: GEMINAI.

Outra coisa que adoro nessa tela inicial é como ela muda ao longo do jogo, refletindo quais personagens estão disponíveis e em que ponto da história você está. Alguns jogos fazem algo semelhante, como Final Fantasy X, que altera sua tela de abertura dependendo do progresso, mas poucos o fazem com tanta frequência e dinamismo quanto este.


Mas voltando a abertura, ela é impressionante para os padrões do N64, especialmente pela escolha da paleta de cores. O nível de detalhe na animação também chama atenção, como a cena em que o protagonista cruza as pernas e toma seu café espacial com uma fluidez rara para a época — um verdadeiro testemunho do domínio da Rare sobre o hardware do console (e do orçamento generoso que tinham para bancar isso).

Esses personagens que você vê na intro formam a "Jet Force": Capitão Juno, sua irmã gêmea Vela e seu cachorro, Lupus. Juntos, eles enfrentam alienígenas malignos do mal e resgatam civis. E... meio que é isso. É um jogo da Rare, então não espere exatamente literatura russa. A trama começa com a equipe viajando pelo espaço quando recebe um chamado de socorro dos "Tribals", uma raça alienígena parecida com coalas. Eles estão sendo atacados por um exército de formigas humanoides conhecidas como "Drones". Ao responder ao SOS, a Jet Force descobre que sua própria nave foi invadida pelos Drones. Forçados a fugir, os três acabam se separando.


Juno pousa em Goldwood, um planeta sob ocupação dos Drones, sem nenhuma pista sobre o paradeiro de sua equipe. Lá, ele encontra os líderes dos Tribals, que explicam que sua espécie foi escravizada pelos Drones. Sem hesitar, Juno decide reunir seus companheiros, salvar os Tribals e derrotar o exército inimigo.

O enredo é bem direto — basicamente "derrotar os vilões e salvar o dia". Não há muito desenvolvimento de personagem, o que já era esperado de um jogo de ação no N64, especialmente um da Rare que não é a maior fã de narrativas do mundo (vide PERFECT DARK). Ainda sim, a intro cinematográfica me fez pensar que talvez isso daria em uma história mais profunda, mas no fim das contas, é só isso mesmo.

Para não dizer que o jogo não faz absolutamente nada pela narrativa, ele pelo menos entrega aquela dose do icônico humor britânico cínico pelo qual a Rare é conhecida. Meu exemplo favorito acontece nas lojas de munição e energia: além das opções normais de diálogo, como aceitar ou recusar a compra, há uma terceira alternativa completamente gratuita na grosseria. Em vez de um simples "Não, obrigado" ou "Não preciso de nada", você pode escolher "Fique longe de mim, sua coisa horrível!". DUNEIDA, por que estamos sendo tão babacas com o vendedor sem motivo algum?


Mecanicamente, Jet Force Gemini é um jogo de tiro em terceira pessoa: você avança pelos níveis metralhando formigas e resgatando o máximo de Tribals possível. A influência do collectathon, gênero pelo qual a Rare ficou famosa, é bem evidente — afinal, você literalmente coleta os Tribals. Basta andar sobre eles para resgatá-los, e eles são adicionados ao seu total de itens. O problema, no entanto, são os controles... e vamos dizer que leva um bom tempo para se acostumar. Isso sendo otimista.

Você pode andar livremente e pular com o botão A, até mesmo se agarrando em beiradas e escalando certas plataformas, o que adiciona um leve elemento de plataforma ao jogo. Mas no momento em que inimigos aparecem, os controles mudam completamente para um esquema mais próximo de um tanque. Agora, em vez de andar para os lados, você gira, enquanto os botões C servem para desviar. É parecido com GOLDENEYE 007, mas muito mais desajeitado — e mesmo depois de mais de dez horas de jogo, eu nunca consegui me acostumar ao jogo ficar alternando entre os dois modos.


Boa parte do tempo, você depende da mira automática: basta apontar na direção geral do inimigo, e Juno provavelmente vai acertar alguns tiros. O problema começa quando os inimigos estão em alturas diferentes da sua, o que acontece com frequência. Para mirar manualmente, você segura o botão R, e é aqui que a coisa desanda de vez.

Se você já jogou GOLDENEYE 007, deve lembrar daquela mira manual estranha que se move ao segurar R. O mesmo acontece aqui, só que pior — porque a mira simplesmente não fica onde você deixou. Muito parecido com o pesadelo de TUROK: Dinosaur Hunter, ela insiste em voltar para o centro da tela assim que você solta o analógico - então não basta levar o analógico até o inimigo, tem que segurar a alavanca nessa posição enquanto atira e ai de vc se respirar. Para piorar, a câmera só se move quando você empurra o cursor para as bordas da tela, como se estivesse usando um Wiimote... exceto que você está preso ao analógico do N64.

O resultado é que mirar em qualquer coisa acima ou abaixo da sua altura se torna uma briga constante contra os controles. Além de ser desconfortável, exige uma precisão que simplesmente não dá para alcançar com o controle do N64. Manter o retículo fixo no alvo para acertar mais de um tiro (e ninguem morre com um único tiro, saiba disso) é uma batalha perdida, já que ele sempre volta para o centro assim que você solta o analógico. Depois de algumas horas, desisti de tentar mirar e passei a simplesmente varrer a tela com tiros na base do desespero. Agora, junte essa mira frustrante com o fato de que você precisa desviar constantemente usando os botões C, e pronto: depois de uma hora de jogo você consegue sentir as juntas dos seus dedos pedindo arrego - e com razão.


Esse, infelizmente, não é o único grande problema do jogo. Aqui está o ponto de virada: você começa com seus três heróis espalhados pela galáxia, mas eventualmente eles se reúnem, o que significa que, a partir desse momento, você pode alternar entre eles. Então, o líder dos Drones decide que quer colidir com a Terra porque... bem, basicamente porque dane-se vocês. Ele descobriu que os protagonistas são terráqueos e resolveu destruir o planeta só de raiva. Seus três personagens precisam impedir isso, mas tem um problema: a nave deles não é rápida o suficiente para alcançá-lo.

Felizmente, o líder dos Tribals tem uma nave capaz de chegar lá num piscar de olhos. O problema? Para usá-la, você precisa consertá-la coletando as 12 peças que faltam. E uma dessas peças está com ele... mas ele se recusa a entregá-la até que você tenha resgatado TODOS os Tribals do jogo.

E é aqui que o ritmo do jogo desmorona. Para acessar a missão final, você é obrigado a revisitar todos os estágios, procurando as 11 peças restantes e resgatando cada Tribal. O jogo essencialmente vira um Metroidvania forçado, exigindo que você refaça cada área para coletar tudo o que precisa. Embora eu goste da ideia de revisitar fases antigas com novos personagens para descobrir caminhos escondidos, a execução é simplesmente péssima.



Os problemas aqui são os mesmos problemas que apontei com TOMBA! 2: The Evil Swine Return, de um Metroidvania socado goela a baixo, mas piorado: sair de um planeta reinicia seu progresso, e trocar de personagem faz com que você tenha que começar do começo do mapa - então você pode passar 2 horas reunindo cada Tribal apenas para perceber que os dois últimos exigem um personagem diferente. Isso significa que você tem que abrir o mapa, selecionar o nível, assistir à longa cena da nave viajando até lá e, em seguida, reiniciar o nível inteiro. Isso aconteceu comigo várias vezes.

Por exemplo, eu estava refazendo um nível de pântano com a Vela, achando que sua habilidade de nadar me ajudaria a encontrar Tribals escondidos debaixo d'água. Depois de 20 minutos, cheguei a uma porta de escotilha que só o Juno podia abrir. Tempo perdido. Tive que reiniciar o nível com o Juno, o que foi um saco. Para piorar, alguns estágios exigem que um personagem colete a peça da nave e outro resgate todos os Tribals, obrigando você a refazê-los múltiplas vezes. Não chega a ser tão ruim quanto DONKEY KONG 64, mas ainda é um sistema mal planejado que arrasta o ritmo a um nível desesperador.

E é verdadeiramente uma pena que tanto a parte de tiro quando o game design na segunda metade do jogo sejam tão ruins, pq a apresentação deste jogo é facilmente um dos seus maiores pontos fortes de toda biblioteca do console. Os modelos de personagens são extremamente detalhados para um jogo de N64. Eu sempre achei os modelos dos bonecos nesse jogo meio sem graça nas imagens em revistas e nas propagandas, mas com o jogo rodando eles parecem melhores no jogo do que em suas versões de alta resolução. Tem também alguns detalhes impressionantes, como uma cena onde derramam um balde de água e, conforme o líquido se espalha, você vê o reflexo do personagem na poça. Ray Tracing no Nintendo 64, pq fodam-se vocês, apenas por isso.


Outro toque incrível: às vezes, quando você está massacrando geral as formigas as vezes largam suas armas e se rendem - isso é muito legal. O que é menos legal é que de qualquer jeito você precisa matar todos os inimigos da sala para destrancar a porta, então você acaba tendo que eliminar os pobres coitados rendidos. Desculpa aí, Jesus, acho que acabei de violar a Convenção Intergaláctica de Genebra.

Os ambientes são incrivelmente detalhados e bem planejados. Cada área tem uma identidade visual distinta, com uma grande variedade de cenários e uma geometria de salas bem interessante.
Eu nunca me perdi uma única vez nesse jogo porque os espaços são únicos o suficiente para que eu sempre tivesse um senso de direção claro. Melhor ainda, o jogo utiliza um sistema inteligente de marcação nas portas: um ícone vermelho indica que a sala leva de volta a uma área já explorada, enquanto um verde aponta para o caminho do progresso. As saídas de nível são ainda mais evidentes, marcadas por hologramas de bandeira, evitando que você saia sem querer antes de coletar tudo o que precisa. Esse tipo de boa comunicação visual com o jogador é algo que valorizo muito no level design — e Jet Force Gemini acerta em cheio nesse aspecto.

A variedade de cenários em si também é um dos pontos altos do jogo. Você atravessa florestas exuberantes, pântanos traiçoeiros, vulcões ativos e até mesmo as entranhas de um verme gigante. Mas um dos meus níveis favoritos é uma estação espacial abandonada, quase totalmente mergulhada na escuridão, com apenas as luzes de emergência piscando nos corredores - a trilha sonora aqui é absolutamente fantástica, me lembrando os melhores momentos de Wrecked Ship em SUPER METROID, mistério e tensão, aquela sensação de que algo pode dar errado a qualquer momento.


As lutas de chefe são outro aspecto interessante do jogo: durante essas lutas, você está preso a um trilho — você não pode mais se mover livremente, mas em vez disso, pode usar apenas os botões C para desviar para a esquerda e para a direita mais ou menos como em WILD GUNS. Esta foi uma ideia muito boa porque agora você pode se concentrar em mirar sem ter que se preocupar em se mover em mais de duas direções (dito isso, a mira desajeitada ainda torna essas partes muito mais difíceis do que elas deveriam ser). Ainda sim, as lutas de chefe nesse jogo são muito maneiras: os chefes são sempre gigantescos e de aparência legal, e os cenários em que você luta contra eles geralmente são muito interessantes — como um inseto gigante perseguindo você por um rio de lava enquanto você atira nele. Nada mal.

Então... eu consigo meio que entender o que aconteceu com Jet Force Gemini. Para a época, foi de fato um jogo impressionante com a Rare no topo do seu jogo e entendendo o hardware mais poderoso da quinta geração como ninguém. O jogo tem visuais acima do que era o padrão no N64 (mesmo que ao custo de framerate), uma trilha sonora memorável e alguns momentos genuinamente divertidos como a Rare era conhecida por entregar.

Mas então... respondendo a pergunta do pq ninguem fala dele, se ele é tão bom? É um jogo de tiro com controles de mira tão teimosos que apenas te fazem pensar "ah, foda-se essa merda", e meio que não ser divertido atirar em um jogo de tiro é a definição de um problema, sabe? Alem disso, o backtracking exaustivo na reta final parece um compilado dos piores momentos de DONKEY KONG 64 e isso não é algo do qual a Rare deveria se orgulhar. O ritmo do jogo desmorona na segunda metade, e o modo multijogador parece algo jogado ali sem muito polimento.


Verdade que hoje a versão Rare Replay no Xbox melhora os controles, corrige a taxa de quadros e adiciona suporte para widescreen, tornando a experiência um pouco mais fluida. Mas mesmo com esses ajustes, os problemas estruturais continuam. O jogo é um recorte fascinante do que era a Rare nessa época e faz coisas com o N64 que nem a própria Nintendo conseguia fazer... mas infelizmente ao preço de decisões de design que tornam toda experiencia apenas uma nota de rodapé na história dos videogames.

Ainda sim, eu posso aplaudir a Rare ao ser culpada por tentar de mais ao invés de tentar de menos. Eles escolheram não jogar seguro e tentaram puxar os limites do console ainda mais, e isso é louvável. Conseguiram entregar uma experiencia inteiramente divertida e satisfatória? Err... não. Mas hey, a intenção é o que conta, né?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 140 (Junho de 1999)


EDIÇÃO 146 (Dezembro de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)


EDIÇÃO 064 (Julho de 1999)


EDIÇÃO 067 (Outubro de 1999)


EDIÇÃO 068 (Novembro de 1999)


EDIÇÃO 069 (Dezembro de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 045 (Outubro de 1999)