quarta-feira, 26 de março de 2025

[#1430][Mar/2000] JOHN ROMERO'S DAIKATANA



Ao longo dos mais de 1400 jogos nesse blog, caminhando para 1500 reviews, eu já tive todo tipo de decepções nesta indústria vital. Desde descobrir que o meu amado DOUBLE DRAGON 3 do Nintendinho é na verdade uma bomba modorrenta criada nos porões do inferno, ou que por alguma razão é um ponto pivotal na indústria dos videogames que eu jamais serei feliz jogando como um DINÓCERO em qualquer jogo que seja.

Entretanto uma decepção que eu nunca tinha tido até agora foi descobrir que aquele que é amplamente odiado como dos piores, mais pestilentos, arruaceiros, gato polar FPS de todos os tempos... não é tão ruim quanto sua história é contada na internet. Não chega remotamente perto de algo que pode ser chamado de "bom", mas não é esse holocausto nuclear todo que pintam também.

Só que para entender como um jogo que é mais esquecível do que qualquer outra coisa acabou com esse pecha de piores jogos de todos os tempos, eu vou precisar conta a história desde o começo. E ela começa justamente no jogo mais influente dos anos 90 e por isso mesmo o mais citado: nossa história começa onde DOOM termina.


Isso porque uma das explicações do pq esse jogo é um dos maiores jogos de todos os tempos reside no fato que ele reside em não ter apenas um, mas dois gênios por trás da sua criação. Dois Johns e qualquer jogo daria seus bits para ter ao menos um deles, DOOM tinha os dois.

John Carmack era (e ainda é) um gênio no sentido clássico da palavra. Não no sentido superlativo de elogio, eu estou dizendo que ele é um literal gênio mesmo. Em DOOM ele criou uma gambiarra de programação que, até hoje, eu não sei explicar direito, mas que faz um jogo inteiramente 2D parecer ser 3D, em QUAKE ele ditou como os FPS 3D (de verdade dessa vez) funcionariam em seus elementos mais básicos até hoje quando ninguém nem entendia direito o que 3D era, e após isso cansar de revolucionar os videojogos o suficiente ele foi trabalhar na Oculus onde basicamente inventou a realidade virtual como a conhecemos hoje, atualmente ele é um pesquisador de inteligência artificial.

Eu realmente não estava brincando quando disse que ele é um gênio.

John Romero e John Carmack hoje, adivinhe quem é o rockstar e quem é o geek

O outro John de DOOM, o John Romero, é também um gênio mas mais no sentido artistico da palavra. Se DOOM é um fenomeno tecnico, de nada adiantaria se ninguém jogasse o jogo e é aqui que entra Romero. Ele era o rockstar cabeludo, e toda atitude de rock'n roll e de meter medo no coração dos demonios (e não o contrário), mas principalmente todo o level design de DOOM passa por ele.

Porque minha nossa senhora do passaquatro molhado, o level design de DOOM simplesmente canta, ele conversa com o jogador em um nível tão elegante para te dizer onde ir ou o que fazer sem realmente dizer onde ir ou o que fazer eu não sarcaticamente fico emocionado. O filho da mãe é um artista.

E agora que você sabe quem são John Carmack e John Romero, pode ter pego a ideia que eles não eram exatamente parecidos. Carmack é um gênio dos numeros, de fala baixa e estudo metódico. Romero é um rockstar cabeludo, que fala alto e age pela arte. Quis a feliz coisa do destino que eles trabalhassem juntos em DOOM, mas isso claramente não duraria para sempre - suas personalidades eram opostas demais para isso.


O que veio a ocorrer no desenvolvimento de QUAKE. A opinião de Romero sobre QUAKE é bastante parecida com a que eu expressei na review daquele texto: QUAKE é essencialmente DOOM em 3D. E enquanto é um feito tecnico gigante do qual Carmack podia - e deveria - se orgulhar, Romero não estava satisfeito.

Ele queria novas ideias, nova atitude, novas novidades. Ele era o artista e do ponto de vista criativo, QUAKE é bem desapontante. Essa foi a gota d'agua em uma relação que já estava lá essas maravilhas, e por fim John Romero saiu da ID Software. Para onde ele iria? Para onde ele quisesse, ele era John Fucking Romero, o rockstar dos games, e todo mundo e a mãe de todo mundo queria um pedaço do gostosão cabeludo.

Assim, Romero e alguns funcionarios da Id Software que concordavam com sua visão e fundaram a Ion Storm. Tão logo eles sairam do cartório para fundar o CNPJ, a Eidos chegou neles para oferecer aos caras um contrato milionário por seis jogos com a assinatura de John Romero.


Lembre-se que naquela época, a Eidos literalmente não sabia mais o que fazer com tanto dinheiro que eles estavam ganhando com TOMB RAIDER, e garantir o Romerão da Massa era uma das melhores formas de gaste-lo, certo?

Então... tão logo Romero botou a mão na grana e já saiu anunciando na E3 de 1997 que no fim daquele ano estaria nas prateleiras o seu estimado jogo solo, o famigerado Daikatana. Literalmente o jogo se chama ESPADÃO.

ESPERA, ESPERA... ENTÃO ROMERO PROMETEU QUE O JOGO INTEIRO SERIA FEITO EM 8 MESES QUANDO NÃO TINHA UMA ÚNICA LINHA DE CÓDIGO ESCRITA?

Na cabeça de Romero, fazia sentido. Usando a engine de QUAKE que ele comprou da Id Software (com quem ele tinha uma boa relação ainda, afinal), eles não precisariam se preocupar em fazer o jogo funcionar. Essas coisas chatas que o Carmack amava, sabe? Não, seriam 8 meses de pura criação e arte, sem precisar fazer o trabalho braçal chato e totalmente não artistico que compõe um videojogo.


Ora, se a parte de game design de Quake foi concluída em seis meses, com oito meses e uma equipe três vezes maior eles conseguiriam tranquilamente entregar um jogo ainda que fosse maior e mais ambicioso. Easy Peezy, né? ... né?

HÃ, EU NÃO TENHO TOTAL CERTEZA DE QUE É ASSIM QUE FAZER UM JOGO FUNCIONA... MAS TÁ, E AÍ, ELE CONSEGUIU?

Jamais saberemos. Isso pq naquela mesma E3, a poucos metros do stand da Ion Storm, seus antigos colegas da Id Software esvam anunciando uma coisinha chamada QUAKE 2. A principio, Romero não estava preocupado: sem ele, a Id era apenas um bando de nerds cabeçudos criando planilhas de Excel sem graça e chamando de jogos.


O que... não foi exatamente o que ele viu. QUAKE 2 tinha tudo. Tinha a atitude rock'n roll, tinha uma IA incrivalmente complexa para 1997 que tinha "Carmack gênio, não tem jeito" tatuado por toda a parte, tinha uma iluminação que dava vontade de chorar de tão boa e uma fisica chocolatante mil.

QUAKE 2 não é apenas o "DOOM só que 3D" do primeiro jogo, QUAKE 2 é uma POUTA aula de tudo (talvez exceto level design, pq pra isso precisaria de Romero). Romero ficou tão impressionado com o que ele viu que ele tomou uma decisão insana: ele lançaria o seu ESPADÃO na Quake Engine 2... que a ID Software com prazer licenciaria pra ele usar... depois que QUAKE 2 lançasse, obviamente.

O que quer dizer que a Ion Storm ficaria coçando saco até dezembro para só então começar a trabalhar no jogo com a engine nova - lembrando que dezembro era pra o jogo já estar nas prateleiras, não pra COMEÇAR a trabalhar.


A Eidos, que estava bancando aquilo tudo, pariu gatinhos. Mas Romero garantiu a eles que seria um atraso pequeno: assim que eles pusessem as mãos na engine nova, em no máximo uma semana aprenderia a trabalhar com ela, em não mais que um mês portariam os assets já feitos na engine antiga para a nova.

A publisher não ficou SUPER radiante com isso, mas... vá lá, alguns poucos meses a mais ainda eram um preço razoavel pra ter um jogo de John Fucking Romero.  Assim, os próximos 5 meses na ion Storm foram um grande janeiro, já que ninguém fazia nada de realmente importante porque sabiam que o
ano de verdade só ia começar mesmo depois do Carnaval.

Enquanto nossos bravos guerreirinhos esperavam para a engine chegar, me permitam contar uma história paralela sobre a Ion Storm: quando Romero fundou a empresa, obviamente que ele precisava de um escritório para abrigar esse verdadeiro Outter Heaven do game design. Apesar da fama de rockstar
e de dirigir uma Ferrari amarela, João Romério decidiu seguir por um caminho minimalista e alugou um espaço de escritório simples porém funcional e...

Não, é claro que ele não fez isso. Romero alugou um escritório no prédio mais chamativo de Dallas, a Chase Tower, mais especificamente o 54º andar - vulgo a cobertura. Um espaço de 2000 m² com teto e parede de vidro em 360º e como se já não bastasse gastou mais ali uns 2 milhõezinhos na decoração e na criação de áreas de lazer - o que pro Romero não era só pelo conforto ou porque ele podia... tá, também era... mas principalmente era pra reafirmar a filosofia da empresa colocando o artístico e o criativo como mais importante que o técnico e o funcional.


HÃ, ESPERA... ENTÃO ELE ALUGOU UMA COBERTURA TODA VIDRO?

Sim, incrivelmente estético, não?

TÁ, BONITO E TAL MAS... E O SOL?

E o que?

UÉ, O SOL. ELE BASICAMENTE NÃO IAM TRABALHAR DENTRO DE UMA FORMA REFRATÁRIA DESSE JEITO?

Oh... o Sol... fuck... então, apenas para conseguir enxergar os monitores e trabalhar, tudo na Ion Storm teve que ser coberto por panos pretos, fazendo esse o acampamento cigano gótico mais caro de todos os tempos. Hã, acho que técnico e funcional as vezes importam, heim Romero?


Mas tá, o final de 1997 chegou, Quake 2 foi lançado e com isso a engine foi licenciada para a Ion Storm começar a trabalhar. Romero calculou uma semaninha para aprender a engine, no máximo um mês pra portar os assets que eles já tinha feito, pá pum, show de bola.

E seria mesmo, não fosse que... hã... então...

DEIXA EU ADIVINHAR: PASSAR DA ENGINE ANTIGA PARA A NOVA NÃO FOI COISA DE "UMA SEMANA", NÉ?

Lembra a parte que eu disse que Carmack era um genio viciado em trabalho? Então... a engine de Quake 2 não era apenas um patch de update da primeira, era uma linguagem de programação inteiramente nova. Era milhões de vezes mais elaborada que a primeira, praticamente uma obra de arte da nerdice em si mesma.


Claro, não era nada alienígina que alguns nerds tecnicos não podiam sentar e aprender... só que meio que a Ion Storm não tinha caras como esses? Isso pq Romero era um artista que via videogames como um canvas para ele pintar com base na inspiração... e como chefe, foi exatamente esse perfil de caras que ele contratou: artistas como ele. A empresa tinha muitas divas, e poucos nerdões como o Carmack que sentavam e faziam o trabalho sem graça.

Com efeito, Romero como chefe contratava como uma diva inspirada - o que quer dizer que vários dos programadores da Ion Storm não era profissionais de verdade e sim nerdolas aleatórios que ele "sentiu uma energia boa" jogando contra eles em partidas online de Quake, ou que fizeram mods para Doom e Quake que ele gostou muito. Não era uma galerinha REALMENTE profissional, sabe?

Isso quer dizer que o processo de aprender a engine e migrar os assets, que devia ter terminado em janeiro ainda, levou todo o ano de 1998. No natal de 1998 o jogo já estava um ano atrasado e o desenvolvimento estava apenas começando. Vamos dizer que a Eidos ficou menos do que contente com isso... só que piora.


Como eu disse, Romero era um artista... e ser o chefe de uma empresa envolve varias outras funções além do que sentar e criar. Ele tinha que gerenciar prazos, determinar prioridades organizacionais, gerenciar pessoas, lidar trabalhar com orçamento, burocracia, logistica de manter um escritório... Romero queria só sentar e criar, não aprovar licitações para o fornecedor de bebedouros! Enfim, ele odiava fazer a parte burocrática e técnica de ser chefe... e o estúdio meio que precisava disso.

O resultado foi um desenvolvimento bem a bangu, onde as pessoas não tinham uma direção muito clara do que tinham que fazer e nem uma cadeia organizacional para quem perguntar quando tinham dúvidas, era muito na base do cada um por si e Arceus por todos.

E se as coisas já estavam ruins... pioraram na metade de 1999 (lembrando que o jogo era pra ter saído em dezembro de 1997) quando na E3 daquele ano, Romero encontra seus velhos colegas da Id Software novamente e o que eles estavam anunciando?


Quake 3. Romero, novamente, ficou com o queixo caído e...

ELE NÃO REALMENTE PENSOU EM PARAR TODO O DESENVOLVIMENTO E MIGRAR DE ENGINE DE NOVO DE UM JOGO QUE JÁ TAVA UM ANO E MEIO ATRASADO, NÉ?

Não, claro que ele não pensou isso.

UFA...

Ele não pensou, ele efetivamente foi lá e propôs isso a Eidos. Atrasar o desenvolvimento em mais um ano para... antes que ele sequer terminasse a frase, a reação da Eidos foi bastante compreensível:


Não posso dizer que os culpo. Seja como for, aquilo foi a gota d'agua. O que era pra ser um jogo de 10 milhões de dolares em um ano já tinha virado 30 em três anos sem lançar nada. Acabou a palhaçada. Ele podia ser John Romero, ele podia ser Mahatma Ghandi, ele podia ser Jesus Fucking Cristo de Oliveira. Acabou. A. Palha. Assada. A única forma que a Eidos colocaria mais um único centavo naquele jogo era se mudanças grandes acontecessem. Tipo, realmente grandes.

Em primeiro lugar, eles comprariam a Ion Storm e eles iam colocar um produtor - um adulto responsável - para gerenciar aquela bagunça. Em segundo lugar, o jogo lançaria no final de 1999. Sem "mas", sem "ideias", sem nada. Ponto final. Terceiro lugar, tava na hora de gerenciar esse acampamento de férias como uma empresa de verdade, o que quer dizer que mudanças enormes no fluxo de trabalho e várias demissões rolaram soltas.

TÁ, PARECE DURO, MAS... PELO MENOS AS COISAS ENTRARAM NA LINHA... EU ESPERO?

Então... majoritariamente sim, e de fato o jogo acabou sendo lançado em maio de 2000. Não era o lançamento de natal de 1999 que a Eidos queria, mas pelo menos o jogo saiu.

UFA...

O que não quer dizer que as coisas não pioraram muito mais ainda. Isso pq Mike Wilson era o encarregado pelo marketing do jogo e...

ESPERA, O MESMO MIKE WILSON QUE HOJE É O PRESIDENTE DA DEVOLVER DIGITAL? ELES SÃO A PUBLISHER MAIS DESCOLADA DO MERCADO, ELES TEM UM BOM SENSO DE DE OURO PARA DESCOBRIR INDIES E TRAZER ELES PARA A SUPERFICIE SEM COMPROMETER O QUE OS FEZ ÚNICOS EM PRIMEIRO LUGAR!

É. Isso hoje. Pq em 1999, Wilson tinha... vamos dizer assim... um pouco menos de bom senso? A campanha de marketing que ele imaginou seria... vamos dizer... polemica... mas Romero achou que aquilo seria uma boa ideia para chamar atenção para o jogo. Eu não posso dizer que... polemica... não seja um bom adjetivo, mas... não é só esse que cabe ser usado

AH, NÃO TEM COMO O MARKETING SER TÃO RUIM ASSIM, VAI...


MEU PAI AMADO...

Pois é. O marketing do jogo era literalmente "John Romero vai fazer de você a putinha dele. Chupa.". Sabe, nos muitos anos que se passaram desde estes eventos, Romero já disse diversas vezes que essa é a coisa que ele mais se arrepende em toda sua carreira, é a coisa que ele ainda hoje acorda a noite pensando "puta merda, como que eu achei que isso ia ser legal?". Eu entendo o sentimento, e acho legal que ele tenha reconhecido o erro.

As pessoas de 1999, no entanto, acharam bem menos legal. Sabe, o caso do marketing de ESPADÃO foi um dos primeiros momentos em que a ainda jovem internet se juntou em um consciente coletivo para odiar alguma coisa. Haviam forums, haviam sites, haviam todo tipo de memes (ou o equivalente prehistorico disso em 1999) apenas torcendo contra Daikatana e desejando que o John Romero se ferrasse muito, muito, muito mesmo.

Se havia alguma expectativa do próximo grande jogo do designer de Doom, essa expectativa virou imediatamente "tomara que esse babaca se ferre e MUITO". Pq sério, caras, que caralhas, né?

Não posso dizer que realmente ajudou muito a imagem do jogo que a demo de Daikatana na E3 estivesse rodando a DOZE quadros por segundo. Não é hiperbole, eram fodendos 12 FPS mesmo!

A esse ponto, e isso foi algo já disse em entrevistas, ele sabia que nada, absolutamente NADA que ele fizesse salvaria o jogo. Não importa o quão bom Daikatana fosse, as pessoas queriam apenas odiar o jogo. E, hã, não ajudou muito que o jogo não fosse lá tão bom assim, sabe?

Isso pq se deixarmos de lado todo mito por de trás do jogo, se tirarmos toda a expectativa que o jogo gerou por ser o próximo jogo da lenda que criou Doom e que atrasou pra caralho, se deixarmos de lado todo o ódio que o marketing gerou... será que Daikatana é realmente um jogo tão ruim assim? 

Bem... sim, é. Mas não TÃO ruim asism.


Apesar de contar com alguns elementos de RPG, como o sistema de level up da katana (que por alguma razão, esse jogo tem atributos que eu tenho minhas duvidas no quanto eles melhoram realmente a movimentação ou mira do seu boneco),
Daikatana é, no fim do dia, um FPS tradicional. E quando ele tenta replicar aquilo que os jogos anteriores de John Romero faziam de melhor, ele se sai bem. Com efeito, ele se sai fantasticamente bem pq Romero, apesar de toda sua personalidade, ainda é um gênio do level design, isso não mudou nada.

O jogo tem trinta e cinco - sim, 35 - armas diferentes, sendo que a imensa maioria dela são criativas e bastante satisfatórias de usar. Sabe, em um jogo de TIRO, o ato de ATIRAR em coisas ser satisfatório algo que costuma ser importante e em ESPADÃO a parte do tiro é bastante satisfatória.

O level design é outra masterclass do que Romero fazia de melhor e os combates são frenéticos, trazendo uma boa variedade ao jogo. Então no que compete a ser um FPS tradicional, ESPADÃO não é um jogo ruim. Diabos, eu diria até que ele está acima do bom!


O problema é que... bem, ESPADÃO não para no que Romero era bom em fazer e é aí que o trem descarrilha. E esse trem estava carregando ogivas nucleares. Porque toda vez que Daikatana tenta inovar... ele falha. Miseravelmente.

O jogo deveria ter uma história épica que se passa em quatro períodos de tempo diferentes, mas quando tenta contar uma história o jogo varia do absolutamente constrangedor ao apenas entediante. Sendo que é entediante na maior parte do tempo, e bota tempo nisso pq esse jogo tem mais cutscenes que um jogo do fucking Kojima - só que elas não são escritas pelo mestre do trash divertido, são escritas a nível fanfic aborrescente edgy que se acha super cool. E sinceramente, eu não boto minha mão no fogo que nem o próprio Romero entende totalmente a história aqui...

O sistema de armas corpo a corpo - que faz sentido em um jogo chamado ESPADÃO - é classificado como crime contra a humanidade segundo a conveção de Genebra de tão ruim e tosco. Um desastre.

E então temos a coisa pela qual ESPADÃO é mais lembrada e a pedra que arrasta o jogo para o fundo do lago: seus companheiros. A ideia de Romero era ter esses NPCs acompanhando o jogador e agindo como um multiplayer: eles jogariam pelas mesmas regras do jogador, usariam munição, subiriam escadas, precisariam se curar... era como jogar com um amigo, só que esse amigo no sofá, só que sem dividir a tela e esse amigo é um NPC chamado Superfly Johnson - o que é o melhor nome da história dos videogames. Ou de qualquer história de tudo.

Só que... bem, a IA de NPCs em cenários complexos é um problema até hoje, mesmo em jogos AAA super polidos. Em The Last of Us, que é o padrão ouro do blockbuster moderno, a Ellie teleporta (fora da camera) pra não ficar presa no cenário e é imortal - os inimigos também tem rotinas diferentes para reagir a ela.

Tudo isso pra que ela não atrapalhe o jogador e você não odeie sua sidekick. Só que se precisa de todos esses truques pq a IA de um NPC ainda não foi resolvido 100% do tempo HOJE... imagine que Daikatana tentou fazer isso lá em 1997. Sinceramente, é admirável. Tipo, sério mesmo, eu pilho muito nesa ideia de criar personagens que se movessem pelas mesmas regras do jogador, andando, pulando e escalando sem recorrer a truques de teleporte. 

Só que de boas intenções... 

O que temos aqui são coleguinhas virtuais que insistem em ficar presos no cenário, morrem por qualquer coisa e, pior, se um deles morre, você toma game over. Se eles não estiverem ao seu lado, você não pode avançar para a próxima área. É um pesadelo tático pq sério, John Romero... o que eu te fiz pra vc fazer isso comigo?

Mano, Romero, meu trutão... alguma vez tu já jogou videogame na vida? Pq não, sério, eu realmente duvido que alguém que já jogou videogame antes fosse achar que tornar o jogo inteiro uma GRANDE MISSÃO DE ESCOLTA seria uma coisa divertida! Porra, cara! A pior e mais enfadonha coisa que existe em um jogo, ter que manter um NPC burro que nem uma porta vivo senão a missão falha, e tu faz o jogo inteiro disso? Joga 15 minutos, não, 5 minutos de EEK THE CAT do Super Nintendo e olha a merda que tu tá fazendo com o jogo, irmão!

Aff, é foda, viu... bem, a boa noticia é que isso é resolvível. A comunidade de fãs criou um patch não oficial que corrige muitos bugs, melhora o comportamento dos aliados e até adiciona a opção de jogar sem eles ou torná-los imortais. Sim, o jogo tem fãs o suficiente pra alguem se prestar a fazer mods disso, eu estou tão surpreso quanto vocês.

Versão para o N64

Mas honestamente, a melhor forma de jogar ESPADÃO é o port de Nintendo 64. Não, sério, o port (que foi lançado antes que o jogo original, pq o desenvolvimento estava zoado desse jeito) é melhor que o jogo original pq enquanto a versão de N64 tem menos armas, menos fases, menos inimigos, menos iluminação, menos gráficos e menos TUDO... ao menos ele não tem esse sistema patético de babysitting NPC e apenas isso faz esse jogo imensamente melhor de ser jogado. Se Daikatana tivesse chegado assim desde o início, talvez sua reputação fosse um pouco menos trágica.

O que então me remete ao começo do texto: Daikatana é ruim. Tipo, bem ruim. Tipo "jogo de escoltar dois NPCs que tem dificuldade em subir uma escada por 15 horas" ruim. Maaaaaaaaaaas... não é TÃO ruim quanto a lenda urbana a respeito dele conta. Eu, honestamente, esperava bem pior e esses dias mesmo eu sofri muito mais jogando ARMORINES: Project SWARM do que esse negócio aí. Tipo bem mais.

Tirando essa coisa dos NPCs que é tenebrosa, horripilante e eu temo que Romero teve um AVC enquanto achava que isso é uma boa ideia... o resto do jogo é um FPS bastante mediano e em algumas partes até mesmo bem acima do "apenas okay".


Entretanto, o peso de ESPADÃO conta aqui mais que o jogo. A esposa de Romero, Brenda Romero, é professora universitária e em dada ocasião ela fez uma pesquisa com os seus alunos: de cem alunos, absolutamente todos tinham uma opinião negativa sobre Daikatana. Só que aqui é que está a coisa interessante: de todos cem que tinham uma opinião negativa, apenas três tinham realmente jogado o jogo. 

O resultado dessa tragédia toda é que ESPADÃO é um dos maiores fracassos da história dos videogames. Pelos custos de produção, o jogo precisaria vender 2 milhões de unidades para se pagar. Não chegou nem a 40 mil. O fracasso foi tão grande, tão retumbante que Romero meio que largou essa coisa de videogames - ele ainda faz uns joguinhos para celular para pagar as contas, mas seus dias de rockstar dos ames acabaram hoje ele vive uma vida pacífica com sua família no interior da Irlanda.

Volta e meia ele participa de algumas palestras e seminários, especialmente voltados para jovens desenvolvedores, contando o que ele aprendeu nesses anos todos e as lições que você só pode aprender apanhando da vida - e, como eu contei aqui, dificilmente algum jogo jamais apanhou tanto da vida quanto Daikatana apanhou. Eu diria que hoje Romero vive uma vida bucólica e feliz, cercado de pessoas que o amam e ensinando a próxima geração a não cometer os mesmos erros que ele cometeu. Todas as coisas consideradas, eu diria que é um good ending.


E sinceramente, o negócio não foi tão ruim assim nem para a própria Eidos que perdeu uma POUTA DE UMA GRANA nessa brincadeira... mas no fim do dia eles adquiriram a Ion Storm e disso saiu um dos mais renomados, aclamados e influentes RPGs de ação de todos os tempos: Deus EX. Então meio que foi um final feliz para eles também.

Então essa é a história que eu queria contar sobre ESPADÃO. Um dos maiores fracassos - senão o maior - da história dos videogames, uma história que começa em um dos jogos mais influentes de todos os tempos, Doom, e e termina como um alerta eterno sobre os perigos da ambição desmedida, da gestão caótica e do peso esmagador das expectativas. 25 anos depois, a lição de Daikatana ainda é valiosissima: nenhum orçamento bilionário substitui humildade, gestão competente e - principalmente - o bom senso de não prometer mundos e fundos antes de sequer ter um esboço do jogo em mãos. John Romero pode dormir em paz: seu legado não é Daikatana, mas sim o aviso eterno que ele nos deixou. 

... e que continuamos ignorando.

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