Antes dos jogos de plataforma europeus, antes das adaptações licenciadas da Ocean, antes mesmo das pataquadas da Sega... eu tinha um inimigo neste blog. No começo, havia um nemesis, um homem com um objetivo e um objetivo apenas: tornar a minha vida gamer o mais sofrível e miserável possível.
Seu nome outrora causava ondas de terror no meu pobre e inocente coração gamer: Mechner. Jordan Mechner. O homem que puniu o mundo com a abominação conhecida como KARATEKA, PRINCE OF PERSIA e então sua obra prima do horror que assombrava meus pesadelos por anos a fio: PRINCE OF PERSIA 2: The Shadow and the Flame.
VOCÊ SABE QUE A CULPA É SUA POR JOGAR A VERSÃO HORROROSA DE SUPER NINTENDO, NÉ?
Hmm, é, suponho que para alguém que já tem inúmeros problemas com PRINCE OF PERSIA, jogar a versão da continuação feita pelos mesmos caras que fizeram SUPERMAN: The New Superman Adventures talvez não tenha sido a melhor escolha ever.
Mas divago, o ponto é que eu não gosto de PRINCE OF PERSIA e vocês podem imaginar o quão pouco saltitante eu fiquei ao saber que agora teria que jogar Prince of Persia em 3D. E agora que você sabe sobre o meu background com esse jogo e provavelmente gosta menos ainda de mim (pq sim, eu sei que PRINCE OF PERSIA é vista como uma série bastante popular), vamos mergulhar nessa história de ambição, timing ruim e escolhas de design altamente questionáveis.
Nossa história começa em 1993, logo após PRINCE OF PERSIA 2: The Shadow and the Flame ... fazer o que ele fez. Olha, eu já escrevi uma review inteira falando dos meus problemas com esse jogo, mas o ponto é uqe o jogo termina com um gancho para uma continuação... que nunca aconteceu na época pq a produtora Broderbund entendeu que o mundo dos games estava perdendo a cabeça coletivamente com DOOM, o primeiro shooter 3D que fez todo mundo esquecer dos plataformas 2D mais rápido do que você poderia dizer “id Software”.
Essa não é uma opinião minha, saibam vocês, o próprio Mechner explicou em uma entrevista em 2003 que essa era a visão da Broderbund que jogos 2D já deram o que tinham para dar.
Eu gostaria muito de perguntar que era verdade que jogos de plataforma já eram peças de museu em 1993, o que eles achavam que era exatamente isso:
DONKEY KONG COUNTRY 2: Diddy's Kong Quest, de 1995 |
... ou isso:
SUPER MARIO WORLD 2: Yoshi's Island, também de 1995 |
Mas, novamente, divago. O fato é que os planos para um terceiro Prince of Persia foram silenciosamente engavetados, e por um tempo eu pude respirar aliviado. Bem, tão aliviado o quanto alguém pode respirar sabendo que isso não era o fundo do poço e que horrores muito, muito piores que esse me aguardariam nos anos vindouros.
Avançando para 1996, então meu nemesis e criador da série, Jordan Mechner, recebeu uma ligação de Andrew Patterson da Red Orb Entertainment. O pitch de Patterson era simples: “Ei, lembra daquele cara Príncipe? Quer torná-lo 3D?” Mechner, provavelmente entediado e sem ter destruído corações gamers em um longo tempo, pensou “Por que não?” e aceitou. Mas aqui está a pegadinha: Mechner não estava realmente envolvido no desenvolvimento diário. Ele só co-escreveu a história e deu sua bênção, como um pai acenando com aprovação para o questionável projeto de ciências do filho.
O desenvolvimento real foi entregue à Mindscape Entertainment, um estúdio mais conhecido por… bem, por nada, a menos que você conte ALIENS: A Comic Book Adventure (e provavelmente não deveria).
Então, que tipo de jogo a Mindscape ao tentar adaptar nosso rotoscópico Principe para uma jogabilidade 3D? O mesmo que todo mundo e a mãe de todo mundo estava tentando naquela época, é claro: o bilhonésimo clone feito nas coxas de TOMB RAIDER
A equipe decidiu usar controles de tanque—porque nada diz “príncipe ágil e acrobático” como se mover como um empilhadeira. Se você já jogou Tomb Raider, sabe como é: aperte para frente para se mover na direção que o personagem está virado, e boa sorte fazendo saltos precisos. Spoiler: você vai precisar, porque o jogo está cheio de armadilhas de morte instantânea que vão fazer você questionar suas escolhas de vida.
Combate? Ah, existe. O príncipe pode balançar sua espada, esquivar e até usar um arco com nove tipos diferentes de flechas. Sim, nove. Porque nada grita “Pérsia antiga” como uma aljava cheia de flechas especiais como o fucking Gavião Arqueiro. Mas não se empolgue muito—o combate é travado, lento e tão satisfatório quanto... bem, quanto PRINCE OF PERSIA. Então pode ser uma porcaria, mas não dá pra dizer que não é uma conversão fiel para 3D, isso tem que ser dado a eles.
E não vamos esquecer dos puzzles. Eles estão lá, e são… tá, são ok. Alguns envolvem puxar alavancas, outros envolvem evitar armadilhas, e todos envolvem muita tentativa e erro. Mas então, nada que seja terrivelmente ofensivo para o universo dos jogos de plataforma 3D da época, então, é, vá lá...
Tal qual o jogo original, a equipe da Mindscape decidiu apostar tudo em adaptação de movimentos reais para o jogo, usando gravações de motion capture de atletas e especialistas em armas como referência. Parece legal, né? Bem, provavelmente seria, não fosse o fato que nessa época a produtora estava a beira da falencia e nem remotamente de perto eles tinham o orçamento para fazer um motion capture de qualidade.
Então o resultado é um Príncipe que se move como se estivesse usando sapatos de concreto. As animações de escalada são particularmente hilárias—imagine o Homem-Aranha se ele tivesse medo de altura e tivesse acabado de beber uma garrafa de tequila.
O level design em si é… ambicioso, tenho que dar isso a eles. São 15 no total, cada um com seu próprio tema, desde masmorras até palácios flutuantes. Mas aqui está o problema: boa intenção nem sempre significa qualidade. Os níveis estão cheios de bugs, e a câmera é um potpourri de todos problemas de camera dos anos 90: constantemente ficando presa em paredes ou se recusando a mostrar o que está à frente. E em um jogo onde um passo errado significa morte instantânea, isso é meio que um problema.
Mas então, eu meio que mencionei que a produtora estava meio que falindo, e por isso eu quero dizer que la grana se fue, no hay mas diñero, comprehendes, amigo? Então a Broderbund faliu e seus assets foram comprados pela The Learning Company por US$ 420 milhões. Sim, a mesma empresa que trouxe Oregon Trail e WHERE IN TIME IS CARMEN SANDIEGO decidiu entrar no negócio de jogos de ação e aventura.
Só que eu desconfio que tinha "alguma coisa" errada com a contabilidade da Learning Company pq apenas três meses depois de pagar quase meio bilhão de dolares pela Broderbund, a Mattel—sim, a empresa de brinquedos—comprou a The Learning Company. Porque nada diz “jogos de ponta” como os fabricantes de BARBIE SUPER MODEL e Hot Wheels
A Mattel, em sua infinita sabedoria, impôs uma data de lançamento realmente apertada para setembro de 1999. O resultado? Para surpresa de zero pessoas, o resultado final foi um rushado, cheio de bugs, que foi lançado com softlocks que impediam terminar o jogo e uma câmera que parecia ter uma rixa pessoal com o jogador. Então, apesar de todas boas intenções, nasce a versão da Shopee número 4871 de TOMB RAIDER.
Após vendas previsivelmente patéticas, em um último esforço para salvar o jogo, a Mattel encomendou a Red Orb Entertainment ports para PlayStation e Sega Dreamcast. A versão do PlayStation foi silenciosamente cancelada (até porque o PS2 já estava com data de lançamento marcado), deixando o Dreamcast sozinho para carregar a tocha.
Renomeado Prince of Persia: Arabian Nights (porque sutileza não era mais uma opção a esse ponto), a versão do Dreamcast trouxe algumas melhorias: movimentação mais rápido, iluminação melhorada e um sistema de combate reformulado. O que não quer dizer "bom", mas pelo menos eles reconheciam que não deu certo na primeira vez... mesmo não dando certo na segunda também...
Seja como for, o real problema aqui é que eles também tiram a capacidade de salvar a qualquer momento, substituindo por um sistema de checkpoints que - em um jogo que atira instadeats em você como se estivesse sendo pago pra isso - parecia ter sido projetado por alguém que realmente, realmente odiava jogadores. Ou pessoas em geral.
Para menos surpresa de menos pessoas que quando da primeira vez, quando a versão do Dreamcast finalmente foi lançada em novembro de 2000, foi recebida com a mesma recepção morna do original para PC. E apenas dois meses depois, a Sega anunciou que estava descontinuando o Dreamcast. Coincidência? Provavelmente. Mas é difícil não sentir que a aura negativa de sofrimento e dor de Prince of Persia havia atacado novamente.
Prince of Persia 3D foi um fracasso comercial, e a franquia ficou no limbro até que a Ubisoft apareceu e comprou várias franquias da Mattel pelo preço de duas balas Xaxá e um Guaraná Tuchaua - incluindo Prince of Persia. E todo mundo sabe como isso terminou: Prince of Persia: The Sands of Time é fucking awesome.
Mas isso fica para um capítulo futuro da nossa prosopopeica jornada através das areias do tempo dos games, o que tinhamos para hoje era esse breve e quase esquecido capitulo da jornada que nos trouxe até aqui—uma jornada cheia de controles de tanque, câmeras travadas e um príncipe que de alguma forma conseguia ser ao mesmo tempo acrobático e desengonçado. Prince of Persia 3D, o primo estranho de Tomb Raider que aparece sem ser convidado nas reuniões de família, pode não ter sido um sucesso, mas ... pelo menos nos deu motivos para rir. Dele, não com ele.