domingo, 14 de setembro de 2025

[#1552][Mai/2000] GEKIDO: Urban Fighters


Era uma vez um tempo em que os beat'em ups dominavam os videogames, jogando punks pelas janelas e comendo frango assado convenientemente encontrado em latas de lixo como se não  houvesse amanhã. Mas esses dias de glória agora são ecos do passado. Na virada do milênio, o gênero havia se desvanecido em uma sombra de si mesmo — você encontraria um beat'm up a cada cinquenta jogos, se chegar a tanto. 

E honestamente não é difícil entender o porquê. A fórmula de "andar para a direita, bater nas coisas, repetir até a morte termica do universo" só te leva até certo ponto antes que o tédio tome conta. Especialmente quando seu primo mais novo — o hack 'n slash — oferecia aos jogadores a mesma satisfação primitiva de esmagar botões, mas com mais variedade, espadas maiores e o dobro do espetáculo com o dobro da velocidade.

Capa europeia do jogo

Ainda assim, de vez em quando, algum estúdio decidia tirar a poeira da soqueira e tentar mesmo assim. No ano 2000, essa responsabilidade — ou talvez a maldição — recaiu sobre a NAPS Team, uma pequena equipe siciliana que aparentemente acordou uma manhã e disse: "Sim, o mundo precisa de mais um beat 'em up". E, para seu crédito, eles pelo menos entenderam uma verdade óbvia: se você vai ressuscitar um gênero moribundo, é melhor trazer algo novo à mesa. Algo para fazer seu peixe se destacar na barraca do mercado. 

Então, qual é a grande atração aqui? O que faz Gekido se destacar em um mar de beat 'em ups meio mortos? Simples: atitude punk rock pura e sem filtros. E, falando sério, não há nada mais punk rock do que arrebentar omoplatas enquanto uma trilha sonora com Fatboy Slim e Apartment 26 arregaça até o último decibel que suas pobres caixas de som CRT conseguem extrair.

Não, falando sério — há algo absurdamente satisfatório a respeito de dar dropkicks em punks e pobres coitados que apenas sairam no meio da noite pra comprar cigarro enquanto Norman Quentin Cook canta "Confira agora, o irmão do funk soul". Ou melhor ainda, imagine a linha de baixo do Apartment 26 transbordando malícia pelas paredes enquanto você dá uma cabeçada em algum pobre coitado no capô de um carro estacionado sem motivo algum. Isso sim é videojogos, baby!

E esse é realmente o ponto forte de Gekido: ele não quer ser apenas um beat 'em up — ele quer parecer um mosh pit na forma de um disco de PS1. O jogo prospera na mesma fúria primitiva que você encontra em um show suado e lotado, onde as guitarras estão distorcidas, a multidão está descontrolada e o caos é a única lei. Para seu crédito, Gekido acerta essa vibe por ser rápido, selvagem e surpreendentemente ágil para sua época. O ritmo não é arrastado como muitos de seus primos do gênero; em vez disso, ele flerta com a energia do hack 'n slash, dando a você velocidade e mobilidade suficientes para manter seu sangue pulsando e sua tela repleta de caos glorioso. Mas, depois que deixamos de lado toda a atitude de "simulador de mosh pit", Gekido tem algo mais a oferecer? Bem... não. Não realmente. E você nem precisa se aprofundar muito para entender o porquê — as rachaduras começam a aparecer no momento em que você vê a história do jogo.

Uma garota é sequestrada, seu pai desesperado contrata um mercenário para trazê-la de volta, e esse mercenário é Travis — o homem com a cara achatada da capa do jogo. Parece simples, não é? Mas Travis sabe que não conseguiria fazer isso sozinho, então recruta Michelle — sua antiga paixão, que por acaso também é uma artista marcial capaz de quebrar sua espinha em duas. Legal. Maneiro até agora.


Só que aí o jogo adiciona dois outros personagens jogáveis... e esquece completamente de explicar quem diabos eles são. Não estou exagerando: a história nõa faz a menor menção a eles. Na sessão individual dos personagens, o manual menciona que Ushi e Tetsuo são mestre e aprendiz. Ótimo, mas e aí? Será que eles conhecem o Travis ou simplesmente passaram pelo mesmo beco e pensaram: "Ah, ei, acho que vou dar uma surra em cinquenta bandidos de rua hoje à noite também"? É sério, em todos os meus anos de videojogos acho que nunca vi uma história simplesmente esquecer metade do seu elenco. Esse é o nível de cuidado narrativo com o qual estamos lidando aqui.

Ainda falando de personagens a NAPS Team decidiu redobrar a "atitude" e contratou Joe Madureira para o design dos personagens. Sim, aquele Joe Madureira: um dos artistas mais famosos da Marvel nos anos 90, o cara que deu a Uncanny X-Men seu visual definitivo durante sua fase mais popular, entre 94 e 97. Se você fechar os olhos e pensar na imagem mais clássica dos X-Men que vc puder imaginar, vc vai pensar no estilo definido por Zé Madureira (que é americano, apesar do nome típico de quem tem uma barraquinha de pastel no Rio-Centro). Para um estúdio italiano pequeno, essa foi uma power move e tanto. Trazer um nome com tanta influência nos quadrinhos foi o tipo de decisão que deveria ter feito os fãs dizerem: "Uau, esse jogo é a coisa de verdade".


Só que... o que Joe entregou aqui não é exatamente lendário. Na verdade, é dolorosamente genérico. Nenhum dos personagens grita "icônico" ou "memorável". Você olha para Travis, Michelle, Ushi e Tetsuo e, em vez de pensar "uau, mal posso esperar para fazer cosplay disso na Comic-Con", seu cérebro silenciosamente os arquiva na categoria "capangas aleatórios nº 3 de HQ". Não há nada particularmente memorável a respeito deles que senão o Ushi me lembra o Toru das Aventuras de Jackie-Chan.

E essa é a parte frustrante. D para sentir a intenção: eles queriam um estilo grandioso, ousado, de história em quadrinhos. Mas o que obtivemos parece sobras de um spin-off dos X-Men cancelado na terceira edição. Para um jogo que se esforça tanto para usar o "punk rock" como arma, o visual é surpreendentemente seguro. É como se Madureira tivesse deixado suas melhores ideias na Marvel e dado o que ele tinha largado numa gaveta para a NAPS Team. E se o visual não é cativante, prepare-se pq a luta em si vai te impressionar ainda menos. E sejamos honestos: um briga de rua sem graça no quesito briga... bem, isso não realmente funciona, né?


Aqui está minha maior exigência com o gênero: a sensação de acertar os inimigos. Você vai apertar os mesmos botões contra onda após onda de bandidos idênticos, então o mínimo que um desenvolvedor pode fazer é tornar cada golpe crocante, satisfatório, catártico. Mas em Gekido atacar os inimigos é como socar o ar. Quase não há feedback audiovisual — sem peso, sem impacto, sem retorno. É fraco, é oco e faz com que o loop principal de jogo pareça um trabalho em vez de catarse.

E a situação só piora à medida que você avança. Os inimigos têm frames de invencibilidade que comem metade dos seus combos, e a hit detection é muito desleixada. Ushi, em especial, foi horrivalmente programado como se seus punhos fossem alérgicos a carne humana. Os inimigos também adoram apelar com truques baratos: alguns disparam de fora da tela, outros te acertam no segundo em que uma fase começa, antes mesmo que você consiga se mexer. É difícil menos como "desafio divertido" e mais "os desenvolvedores não se importaram o suficiente para balancear isso". Um bom exemplo ruim são os cachorros, esses são os piores. Eles usam ataques que têm prioridade absurda, então o ataque deles sempre passa por cima de o que quer que vc faça para se defender.


Para piorar, os próprios controles lutam contra vc. O botão de Fúria, por exemplo, exige que você aperte como se estivesse tentando quebrar o controle ao meio. E não, não é o meu controle — eu testei em outros jogos. Gekido simplesmente não registra entradas direito. 

O que é realmente triste é que dá para perceber que os corações dos desenvolvedores estavam no lugar certo. Não se trata de cashgrab feito nas coxas — eles realmente tentaram aqui. Eles transformaram os chefes em personagens desbloqueáveis. Contrataram Joe Madureira para o design dos personagens. Licenciaram uma trilha sonora cheia de energia, transbordando atitude por todos os alto-falantes. Incluíram todos os elementos básicos de beat 'em up que você possa imaginar: os elevadores, os cachorros, os canos, a fase do trem. Caramba, eles até adicionaram um modo de luta extra e deram aos personagens um arsenal de movimentos bastante sólido. No papel, tudo se encaixava para que esta fosse uma joia escondida.


O problema é que eles fizeram tudo... exceto acertar o essencial. E em um beat 'em up, o importante é o que realmente importa. Hmm, acho que em tudo na vida o importante é o que importa, essa é meio que a definição da palavra... Mas divago, o ponto é que Gekido: Urban Fighters simplesmente não é gostoso de jogar. Os golpes não satisfazem. Os inimigos lutam barato. As fases são genéricas e os personagens, apesar do pedigree do seu autor, desaparecem da memória no momento em que você desliga o console.

É uma tragédia de prioridades. Gekido tem estilo, energia e paixão genuína embutidos em seu DNA — mas paixão por si só não faz um ótimo jogo. Você pode cumprir todos os requisitos, tocar Fatboy Slim até os vizinhos chamarem a polícia e ainda perder a única coisa pela qual o gênero vive e morre: a diversão da luta em si. No fim das contas, Gekido é um jogo com uma vibe incrível e todas as intenções certas... que simplesmente não funciona onde importa. É punk rock em espírito, mas fraco na execução. E não importa o quanto você se esforce em um briga de rua, se socar as pessoas na cara não for bom, então nada mais é.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 154 (Agosto de 2000)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 066 (Setembro de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 063 (Maio de 2000 - Semana 1)