Era uma vez um tempo em que os beat'em ups dominavam os videogames, jogando punks pelas janelas e comendo frango assado convenientemente encontrado em latas de lixo como se não houvesse amanhã. Mas esses dias de glória agora são ecos do passado. Na virada do milênio, o gênero havia se desvanecido em uma sombra de si mesmo — você encontraria um beat'm up a cada cinquenta jogos, se chegar a tanto.
E honestamente não é difícil entender o porquê. A fórmula de "andar para a direita, bater nas coisas, repetir até a morte termica do universo" só te leva até certo ponto antes que o tédio tome conta. Especialmente quando seu primo mais novo — o hack 'n slash — oferecia aos jogadores a mesma satisfação primitiva de esmagar botões, mas com mais variedade, espadas maiores e o dobro do espetáculo com o dobro da velocidade.
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Capa europeia do jogo |
Ainda assim, de vez em quando, algum estúdio decidia tirar a poeira da soqueira e tentar mesmo assim. No ano 2000, essa responsabilidade — ou talvez a maldição — recaiu sobre a NAPS Team, uma pequena equipe siciliana que aparentemente acordou uma manhã e disse: "Sim, o mundo precisa de mais um beat 'em up". E, para seu crédito, eles pelo menos entenderam uma verdade óbvia: se você vai ressuscitar um gênero moribundo, é melhor trazer algo novo à mesa. Algo para fazer seu peixe se destacar na barraca do mercado.
Então, qual é a grande atração aqui? O que faz Gekido se destacar em um mar de beat 'em ups meio mortos? Simples: atitude punk rock pura e sem filtros. E, falando sério, não há nada mais punk rock do que arrebentar omoplatas enquanto uma trilha sonora com Fatboy Slim e Apartment 26 arregaça até o último decibel que suas pobres caixas de som CRT conseguem extrair.
Não, falando sério — há algo absurdamente satisfatório a respeito de dar dropkicks em punks e pobres coitados que apenas sairam no meio da noite pra comprar cigarro enquanto Norman Quentin Cook canta "Confira agora, o irmão do funk soul". Ou melhor ainda, imagine a linha de baixo do Apartment 26 transbordando malícia pelas paredes enquanto você dá uma cabeçada em algum pobre coitado no capô de um carro estacionado sem motivo algum. Isso sim é videojogos, baby!
E esse é realmente o ponto forte de Gekido: ele não quer ser apenas um beat 'em up — ele quer parecer um mosh pit na forma de um disco de PS1. O jogo prospera na mesma fúria primitiva que você encontra em um show suado e lotado, onde as guitarras estão distorcidas, a multidão está descontrolada e o caos é a única lei. Para seu crédito, Gekido acerta essa vibe por ser rápido, selvagem e surpreendentemente ágil para sua época. O ritmo não é arrastado como muitos de seus primos do gênero; em vez disso, ele flerta com a energia do hack 'n slash, dando a você velocidade e mobilidade suficientes para manter seu sangue pulsando e sua tela repleta de caos glorioso. Mas, depois que deixamos de lado toda a atitude de "simulador de mosh pit", Gekido tem algo mais a oferecer? Bem... não. Não realmente. E você nem precisa se aprofundar muito para entender o porquê — as rachaduras começam a aparecer no momento em que você vê a história do jogo.
Uma garota é sequestrada, seu pai desesperado contrata um mercenário para trazê-la de volta, e esse mercenário é Travis — o homem com a cara achatada da capa do jogo. Parece simples, não é? Mas Travis sabe que não conseguiria fazer isso sozinho, então recruta Michelle — sua antiga paixão, que por acaso também é uma artista marcial capaz de quebrar sua espinha em duas. Legal. Maneiro até agora.
Só que aí o jogo adiciona dois outros personagens jogáveis... e esquece completamente de explicar quem diabos eles são. Não estou exagerando: a história nõa faz a menor menção a eles. Na sessão individual dos personagens, o manual menciona que Ushi e Tetsuo são mestre e aprendiz. Ótimo, mas e aí? Será que eles conhecem o Travis ou simplesmente passaram pelo mesmo beco e pensaram: "Ah, ei, acho que vou dar uma surra em cinquenta bandidos de rua hoje à noite também"? É sério, em todos os meus anos de videojogos acho que nunca vi uma história simplesmente esquecer metade do seu elenco. Esse é o nível de cuidado narrativo com o qual estamos lidando aqui.
Ainda falando de personagens a NAPS Team decidiu redobrar a "atitude" e contratou Joe Madureira para o design dos personagens. Sim, aquele Joe Madureira: um dos artistas mais famosos da Marvel nos anos 90, o cara que deu a Uncanny X-Men seu visual definitivo durante sua fase mais popular, entre 94 e 97. Se você fechar os olhos e pensar na imagem mais clássica dos X-Men que vc puder imaginar, vc vai pensar no estilo definido por Zé Madureira (que é americano, apesar do nome típico de quem tem uma barraquinha de pastel no Rio-Centro). Para um estúdio italiano pequeno, essa foi uma power move e tanto. Trazer um nome com tanta influência nos quadrinhos foi o tipo de decisão que deveria ter feito os fãs dizerem: "Uau, esse jogo é a coisa de verdade".
Só que... o que Joe entregou aqui não é exatamente lendário. Na verdade, é dolorosamente genérico. Nenhum dos personagens grita "icônico" ou "memorável". Você olha para Travis, Michelle, Ushi e Tetsuo e, em vez de pensar "uau, mal posso esperar para fazer cosplay disso na Comic-Con", seu cérebro silenciosamente os arquiva na categoria "capangas aleatórios nº 3 de HQ". Não há nada particularmente memorável a respeito deles que senão o Ushi me lembra o Toru das Aventuras de Jackie-Chan.
E essa é a parte frustrante. D para sentir a intenção: eles queriam um estilo grandioso, ousado, de história em quadrinhos. Mas o que obtivemos parece sobras de um spin-off dos X-Men cancelado na terceira edição. Para um jogo que se esforça tanto para usar o "punk rock" como arma, o visual é surpreendentemente seguro. É como se Madureira tivesse deixado suas melhores ideias na Marvel e dado o que ele tinha largado numa gaveta para a NAPS Team. E se o visual não é cativante, prepare-se pq a luta em si vai te impressionar ainda menos. E sejamos honestos: um briga de rua sem graça no quesito briga... bem, isso não realmente funciona, né?
Aqui está minha maior exigência com o gênero: a sensação de acertar os inimigos. Você vai apertar os mesmos botões contra onda após onda de bandidos idênticos, então o mínimo que um desenvolvedor pode fazer é tornar cada golpe crocante, satisfatório, catártico. Mas em Gekido atacar os inimigos é como socar o ar. Quase não há feedback audiovisual — sem peso, sem impacto, sem retorno. É fraco, é oco e faz com que o loop principal de jogo pareça um trabalho em vez de catarse.
E a situação só piora à medida que você avança. Os inimigos têm frames de invencibilidade que comem metade dos seus combos, e a hit detection é muito desleixada. Ushi, em especial, foi horrivalmente programado como se seus punhos fossem alérgicos a carne humana. Os inimigos também adoram apelar com truques baratos: alguns disparam de fora da tela, outros te acertam no segundo em que uma fase começa, antes mesmo que você consiga se mexer. É difícil menos como "desafio divertido" e mais "os desenvolvedores não se importaram o suficiente para balancear isso". Um bom exemplo ruim são os cachorros, esses são os piores. Eles usam ataques que têm prioridade absurda, então o ataque deles sempre passa por cima de o que quer que vc faça para se defender.
Para piorar, os próprios controles lutam contra vc. O botão de Fúria, por exemplo, exige que você aperte como se estivesse tentando quebrar o controle ao meio. E não, não é o meu controle — eu testei em outros jogos. Gekido simplesmente não registra entradas direito.
O que é realmente triste é que dá para perceber que os corações dos desenvolvedores estavam no lugar certo. Não se trata de cashgrab feito nas coxas — eles realmente tentaram aqui. Eles transformaram os chefes em personagens desbloqueáveis. Contrataram Joe Madureira para o design dos personagens. Licenciaram uma trilha sonora cheia de energia, transbordando atitude por todos os alto-falantes. Incluíram todos os elementos básicos de beat 'em up que você possa imaginar: os elevadores, os cachorros, os canos, a fase do trem. Caramba, eles até adicionaram um modo de luta extra e deram aos personagens um arsenal de movimentos bastante sólido. No papel, tudo se encaixava para que esta fosse uma joia escondida.
O problema é que eles fizeram tudo... exceto acertar o essencial. E em um beat 'em up, o importante é o que realmente importa. Hmm, acho que em tudo na vida o importante é o que importa, essa é meio que a definição da palavra... Mas divago, o ponto é que Gekido: Urban Fighters simplesmente não é gostoso de jogar. Os golpes não satisfazem. Os inimigos lutam barato. As fases são genéricas e os personagens, apesar do pedigree do seu autor, desaparecem da memória no momento em que você desliga o console.
É uma tragédia de prioridades. Gekido tem estilo, energia e paixão genuína embutidos em seu DNA — mas paixão por si só não faz um ótimo jogo. Você pode cumprir todos os requisitos, tocar Fatboy Slim até os vizinhos chamarem a polícia e ainda perder a única coisa pela qual o gênero vive e morre: a diversão da luta em si. No fim das contas, Gekido é um jogo com uma vibe incrível e todas as intenções certas... que simplesmente não funciona onde importa. É punk rock em espírito, mas fraco na execução. E não importa o quanto você se esforce em um briga de rua, se socar as pessoas na cara não for bom, então nada mais é.