sábado, 27 de setembro de 2025

[#1563][Jan/2000] THE TYPING OF THE DEAD


Eu já disse isso algumas vezes neste blog (mais recentemente na minha review de SAMBA DE AMIGO), mas existe um tipo especial de genialidade insana que só aparece quando um criador está com as costas contra a parede e não tem mais nada a perder. Não se trata apenas de sobreviver, é uma última resistência desesperada onde a luta se torna menos sobre vencer e mais sobre provar algo, sobre deixar uma marca mesmo sabendo que as chances estão contra você.

Nos games, o caso mais famoso é o de Hironobu Sakaguchi em 1987, que, com a Square à beira do colapso, despejou todo o seu desespero criativo em uma última cartada que ele literalmente intitulou de Fantasia Final. Não foi só um jogo, foi um canto do cisne, uma bala final disparada aos céus antes de se resignar à rotina. Todos sabemos como essa história terminou.

Sim, o Arcade realmente tinha teclados desse jeito mesmo

E eu diria que a Sega, no crepúsculo de seus dias como fabricante de hardware, atingiu exatamente essa mesma frequência no ano 2000. Com o fenomeno que foi o lançamento do PS2, o pulso do Dreamcast não enfraqueceu, ele parou da noite pro dia. E nesse desespero de ver a torneira aberta sem pingar uma única gosta cair, a Sega atingiu um estado de pura clareza — a Zona, aquele lugar mítico onde atletas e artistas vislumbram subitamente o código da Matrix, onde o desespero se transforma em brilhantismo.

Depois de SAMBA DE AMIGO, eles não pisaram no freio. Não, a Sega meteu uma nova marcha como o Luffy enfrentando um vilão invencível. E desse frenesi surgiu Typing of the Dead — um jogo tão absurdo, tão sem sentido, tão hilariamente estúpido... que dá a volta e se torna pura genialidade.

Então, Typing of the Dead é exatamente o que você pensa que é: THE HOUSE OF THE DEAD 2 — mesma engine, mesmo loop de gameplay — mas em vez de uma lightgun, você recebe um teclado para digitar palavras e atirar em zumbis. E se essa não é a premissa mais idiota que eu já vi em um videogame, honestamente, eu não sei qual seria.

Normalmente, eu nem me incomodo em cobrir jogos rail shooter neste blog e por dois motivos: A) Acho eles chatíssimos de jogar, e B) Geralmente não há muito o que dizer além de "apontar, atirar, recarregar, repetir.". Só que vocês vão ter que concordar comigo que isso é uma coisa completamente diferente.

Com a força do time do Tony!

É tão descaradamente bizarro que a própria Sega abraçou o absurdo. Os personagens do jogo nem sequer fingem usar armas. Não — esses coitados estão literalmente vagando pelo apocalipse zumbi com um Dreamcast amarrado às costas, alimentado por uma pilha AA gigante e digitando em um teclado como arma de escolha. Eles não carregam esse aparato como uma piada — é equipamento canônico. Você realmente os vê carregando isso em todas as cutscenes.

E a melhor parte é que a Sega nem tenta justificar. Não tem um tecno-blá-blá meia-boca, nenhuma explicação irônica. Eles simplesmente apresentam isso tipo: "É, claro que os heróis digitam palavras num console para matar zumbis. Qual é o problema?" O jogo age como se essa configuração fosse perfeitamente natural, tão natural que nem merece uma linha de explicação. Isso é o ápice da comédia. É o tipo de humor absurdo onde a piada não é explicada — ela simplesmente está lá. 


... O que ainda é estranho de dizer, dados tantos anos que eu passei nesse blog no lado oposto do campo de batalha contra a Sega. Mas, ei — eu joguei o que eu joguei, e kudos onde kudos são devidos. Agora falando do gameplay... olha, eu sou um bom digitador. Sinceramente, digito melhor do que eu falo — 

[EU JÁ VI VOCÊ FALANDO, NÃO É ALGO TÃO DIFICIL ASSIM TAMBÉM]

Tá, nessa eu não vou discordar de você, Jorge. Mas o que você precisa saber sobre Typing of the Dead é o seguinte: não é um jogo educativo de digitação. Não é um clone amigável de MARIO TEACH TYPING feito para melhorar sua contagem de palavras por minuto. É um jogo de arcade, feito para arrancar fichas no menos espaço de tempo possível. Isso significa que não importa quão rápido ou impecável você se ache, o jogo ainda vai arrancar o seu couro.

O fato de eu ter ficado em dúvida nessa meio que pode explicar pq ninguém gosta de mim...

Ele não testa apenas a velocidade, ele lança bolas curvas com palavras que você nunca digita no dia a dia — coisas como "ukulele". As frases às vezes vêm com trocadilhos sorrateiros, feitos para fazer seu cérebro hesitar por apenas um segundo a mais. Você vai se deparar com pontuação incomum salpicada — reticências, apóstrofos, aspas — coisas que seus dedos não estão acostumados a disparar em pânico. Não se trata apenas de digitar rápido; é sobre ler na velocidade da luz, processar texto estranho na hora e, em seguida, traduzir isso em movimentos dos dedos antes que o zumbi te arranque a cara.

Um dos chefes te faz perguntas de curiosidades. Você tem que escanear as respostas de múltipla escolha, escolher a certa e depois digitá-la enquanto um monstro com o dobro do seu tamanho respira no seu pescoço. Isso significa que mesmo pessoas como eu — que vivem em teclados e martelam milhares de palavras por dia — ainda podem sentir o suor pingando quando a pressão bate.

TUA MÃE, aquela sanguessuga

Agora, falando enquanto Rail Shooter, o jogo tem algumas questões. Estrategicamente, você gostaria de priorizar os zumbis mais próximos de atacar. O problema é que o jogo faz um trabalho péssimo em dizer quem está prestes a atacar. O único indicador é a borda da caixa de palavras mudando de verde para vermelho. Parece simples, exceto que não é um gradiente suave. Uma caixa pode ficar verde por um tempo e então — bam — fica instantaneamente carmesim e o zumbi está na sua cara. 

Em um Rail Shooter normal isso não é tão ruim pq vc pode estar atirando em um zumbi e quando vê que apareceu um bem na sua cara que vai atacar antes, só passa a atirar ele. Exceto que aqui issso não é uma opção porque uma vez que você começa a digitar uma palavra, você está trancado. Você não pode mudar para outra caixa, mesmo que de repente perceba que o cara atrás daquele em que você está digitando está prestes a arrancar sua cabeça. Eu tive que checar duas vezes só para ter certeza... e não, não há como cancelar no meio da palavra. Sega dá, Sega tira.


Então é assim que vc escreve isso?

Agora, você poderia argumentar que é apenas mais uma camada de estratégia: ficar de olho em quais inimigos estão "armados" com frases perigosas. Justo. Mas de vez em quando, dois zumbis aparecem com frases que começam com a mesma letra. Você aperta a primeira tecla, e o jogo arbitrariamente decide em qual você está preso. Felizmente não acontece com muita frequência, mas quando acontece, parece sacana.

Ainda assim, essa não é minha maior crítica. O verdadeiro problema de Typing of the Dead é que ele não aceita letras maiúsculas ou espaços. Se você apertar a barra de espaço, o jogo te penaliza e isso é muito ruim não apenas pq vc está acostumado a digitar com espaços, como a frase aparece na caixa com espaços. E o jogo já é dificil o bastante sem precisar te induzir ao erro

Mas o ponto é o seguinte: tudo isso é secundário. A digitação não é o que torna Typing of the Dead memorável. O que vai fazer você lembrar dele é o seu humor absurdo. Além da visão já infame de agentes da AMS vagando com Dreamcasts amarrados às costas e baterias AA gigantes alimentando seus teclados assassinos, o jogo alegremente faz algumas piadocas como na hora em que você enfrenta vampiros e as frases que vc tem que digitar são:

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 Às vezes, você pega um item de fantasia que substitui o modelo do seu personagem por um zumbi ou, melhor ainda, um homem de meia-idade careca. Como é em primeira pessoa, você só percebe em uma cutscene, e de repente você está assistindo ao drama se desenrolar estrelado por... você, o professor substituto menos ameaçador do mundo.

O absurdo não para por aí. O jogo base — HOUSE OF THE DEAD 2 — já era meio estranho. Seu cenário parece um cruzamento entre o Japão e Veneza, com canais, gôndolas e carros inexplicáveis com volante à direita. (Eu pesquisei: era pra ser Veneza. Então, por que se parece com um cartão-postal europeu impresso por alguém que só viu o trânsito de Tóquio?)

E depois tem a dublagem. Ah, a dublagem. HOUSE OF THE DEAD 2 já detinha a coroa para algumas das piores entregas de falas na história dos games, e Typing of the Dead eleva isso a estratosfera. É tão ruim quevocê se pergunta se eles fizeram isso de propósito, e o meu palpite é que eles estavam mirando em uma vibe de filme B e mesmo isso ficou tão ruim que caiu no território de filme Z. Porque mesmo que tivessem pegado empresários americanos aleatórios visitando a sede da Sega e os colocado em uma cabine e os feito ler as falas às cegas eles ainda soariam melhores do que isso.

Pegue a infame frase: "Não venha! Não venha!" (algo que claramente um ser humano diria prestes a ser comido por zumbis). A entrega tem a urgência de um homem lendo relatórios financeiros às 2:50 da manhã após seu terceiro uísque. Um zumbi está atacando, a morte é iminente, e o cara parece que está prestes a pedir uma prorrogação de imposto. É absurdo, é doloroso, é arte. É genuinamente uma das dublagens mais engraçadas que já ouvi — pior que TENCHU: Stealth Assassins, e confie em mim, isso é dizer muito.

Então, Typing of the Dead é basicamente HOUSE OF THE DEAD 2 com um gimmick. Mas que gimmick! É tão ridículo que você quase consegue imaginar executivos da Sega em 1999 se encarando em uma mesa de reunião, se perguntando se talvez — só talvez — eles tivessem ido longe demais desta vez. Então, em algum lugar no corredor, uma pilha de contas atrasadas tombou na mesa de alguém, e esse foi o fim do debate. "Dane-se — vamo vender isso dái."

E assim eles fizeram.


O resultado é um jogo que pega algo já desconfortavelmente estranho — HOUSE OF THE DEAD 2 dificilmente seria chamado de "normal" para começar — e o mistura com digitação de coisas estranhas. É uma união tão esquisita que de alguma forma funciona, como pasta de amendoim e bacon ou Nicolas Cage e literalmente qualquer roteiro já escrito. Honestamente, deveria ser socialmente aceitável — melhor, até encorajado — eu listar minha pontuação alta de Typing of the Dead no meu currículo. Se isso não prova minha resiliência sob pressão e habilidades de resolução de problemas ultrarrápidas, eu não sei o que provaria. Seja como for, esse é Digitação dos Mortos, um jogo absurdamente bizarro de uma época inspirada em que a Sega transbordava criatividade... apenas não mais rápido do que ele sangravam dinheiro.

MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 065 (Maio de 2000 - Semana 3)