terça-feira, 9 de setembro de 2025

[#1549][Jul/2000] FINAL FANTASY 9


Parece que foi ontem. Quatro anos atrás, sentei aqui e escrevi minha primeira review do PlayStation para este blog. O jogo era BATTLE ARENA TOSHINDEN, não exatamente uma obra-prima mas esse não é o ponto. Naquela época, o PlayStation em si ainda era apenas o garoto novo no quarteirão entrando em um mundo de jogos no qual a Sony não tinha experiência. Era o desafiante, o forasteiro, o garoto no fliperama que ninguém levava a sério... ainda.

O que aconteceu depois disso não foi apenas sucesso, foi a história da origem de um império. 

O PS1 não apenas competiu — ele reescreveu as regras. Ele encerrou a guerra dos consoles de 16 bits com uma golpe seco e implacável. Ele colocou Nintendo nas cordas pela primeira vez na sua história, e a Sega... o Playstation não apenas venceu, ele enterrou a Sega. Cada desafio foi vencido e superado, como um herói shōnen avançando para a batalha com nada além de uma vontade teimosa e sonhos impossíveis. Mas não importa o quão poderoso seja o herói, há um inimigo que ninguém jamais derrotou.

O tempo.

Em julho de 2000, o PlayStation não era mais o azarão briguento — era um guerreiro veterano, coberto de cicatrizes de batalha. Suas vitórias eram lendárias, mas também o eram os sinais da idade. Seus dois megabytes de RAM que antes pareciam o infinito agora eram uma gaiola. Aquele confiável laser de velocidade 8x? Não era nem perto de ser suficiente mais. O Dreamcast ultrapassava ele sem sequer se esforçar, e até mesmo o antigo rival N64 ainda tinha mais lenha para queimar a esse ponto. E além do horizonte, surgia o PlayStation 2 — um monólito preto e elegante, o herdeiro preparado para transformar uma vitória em um império eterno, com DVDs em uma mão e o futuro na outra. Porque não importa o quão amado, não importa o quão imparável, nem mesmo uma máquina dos sonhos pode correr mais rápido que o relógio.


Está quase na hora de colocar o Playstation para descansar. De abaixar as armas. De assistir ao pôr do sol sobre algo que esteve comigo por tantas noites — as longas noites cheias de risos, as silenciosas, cheias de lágrimas, os incontáveis ​​pequenos momentos que se tornaram memórias sem que eu percebesse. Rostos que nunca mais verei, jornadas que jamais farei novamente... mas que ainda vivem nos cantos do meu coração.

Quase na hora.

Porque às vezes, quando você sabe que o fim está próximo, você luta com mais afinco. Às vezes, você não se aposenta silenciosamente — você brilha mais intensamente do que nunca. E para o PlayStation, ainda havia uma última história para contar.

Uma história sobre reinos e dirigíveis, sobre máscaras usadas e nomes esquecidos, sobre amigos encontrados e despedidas sussurradas. Uma história sobre como cada final carrega a forma de seu começo — e como até mesmo o mais breve encontro pode deixar um eco que dura a vida toda.

E assim, como se a cortina se abrisse pela última vez, a cena começa um teatro...
um navio navegando pela noite...
e um ladrão com um rabo de macaco, prestes a roubar uma princesa.

O que me diz, velho amigo? 
Um último lampejo de glória.
Uma... fantasia final.


Mas vamos começar esta história como ela merece ser contada: do começo.

O ano é 1998. Do alto de sua brilhante mesa de mogno, Hironobu Sakaguchi deveria ser um homem em paz. Ele havia vencido. Em cada métrica que importava, ele havia conquistado. Era difícil acreditar que, pouco mais de uma decada atrás ele era apenas mais um programador faminto em uma empresa à beira da falência, se arrastando de um fracasso comercial para outro. Até o dia em que ele finalmente surtou. Uma última chance, disse a si mesmo. Uma última tentativa antes de aceitar a verdade fria e esmagadora de que talvez aquele sonho não fosse para ele. Ele colocou tudo de si em um último jogo, o jogo da sua vida — seu esforço, sua visão, sua alma. Sua fantasia final.

E contra todas as probabilidades, funcionou. Aquela fantasia "final" não foi um final, mas o início de um império que redefiniria o meio. Final Fantasy não fez sucesso apenas como jogo, ou mesmo como franquia. Tornou-se um fenômeno cultural tão imenso que remodelou a maneira como o mundo via os RPGs japoneses. Ensinou o Ocidente a se importar com cristais e invocações, com heróis frágeis e perdas impossíveis. Sussurrou para toda uma geração de crianças não japonesas que um videogame poderia fazer você chorar.

No final dos anos 90, Sakaguchi estava no topo. FINAL FANTASY 7 havia se tornado não apenas o título mais vendido da série, mas a joia da coroa do console mais popular da história. O tipo de sucesso que você não poderia planejar, o tipo de glória que vem uma vez na vida. Você literalmente não poderia ser maior do que isso em 1998. E ainda assim... ele não estava feliz.

Hironobu Sakaguchi, também conhecido com o homem com o bigode mais maneiro do Japão

Porque o sucesso é uma coisa estranha. Ele preenche suas mãos, mas pode deixar seu coração estranhamente vazio. Sakaguchi tinha tudo o que um dia sonhou — mas ao alcançar tanto, ele se viu se afastando de onde havia começado.

No início, era apenas um sussurro, um pensamento ocioso que lhe vinha nos momentos tranquilos entre reuniões e prazos. Mas quanto mais ele ouvia, mais alto o som se tornava. E se o próximo Final Fantasy não fosse sobre arranha-céus, ataques de mísseis e corporações lutando pelo domínio? E se, em vez disso, fosse sobre reinos novamente? Sobre cavaleiros que ainda acreditavam na honra, ladrões que ainda acreditavam na liberdade, princesas que ainda acreditavam no destino?

E se não fosse mais um passo a frente, mas um retorno as origens?

A ideia criou raízes rapidamente, como se estivesse esperando o tempo todo, enterrada profundamente no solo de seu próprio passado. E quanto mais ele a nutriu, mais ela floresceu em algo claro, algo inegável. Este jogo não seria uma continuação do futuro. Seria uma carta de amor. Uma carta de amor para o garoto de olhos arregalados que um dia dedicou seu coração a uma aposta desesperada chamada Final Fantasy. Uma carta de amor para os castelos, cristais e dirigíveis que o tiraram da obscuridade e o levaram para a história.

Uma carta de amor a uma época mais simples, quando os jogos não eram impérios e o sucesso não era uma gaiola de ouro.


Acima de tudo, seria uma carta de amor ao homem que ele costumava ser — o sonhador faminto que vivia de macarrão instantâneo e histórias, que dormia debaixo de uma mesa do escritório porque o fogo em seu peito era mais forte que o frio do seu apartamento.

E assim, Final Fantasy 9 nasceu. Não por estratégia de mercado, nem por ambição corporativa, mas por desejo — um desejo de lembrar e relembrar. Para lembrar aos jogadores, e a si mesmo, que além de todos os polígonos e lucros, além dos sucessos de bilheteria e manchetes, houve uma vez uma história. Uma história sobre aventura. Sobre a vida. Sobre dizer olá e um dia ter que dizer adeus.

Final Fantasy IX foi, a princípio, pouco mais que um sussurro de nostalgia — um projeto de estimação com o qual Sakaguchi brincava enquanto Final Fantasy VIII marchava firmemente em direção ao lançamento. Eventualmente ele comentava com um colega ou outro, mostrava alguns esboços, nada demais. Nos corredores da Squaresoft, a coisa virou meio que quase uma piada, uma espécie de "já pensou?" murmurado entre reuniões e revisões de código. E se, enquanto o mundo se maravilhava com cidades futuristas e academias militarizadas, fizéssemos algo com castelos novamente? Com ​​bufões e ladrões, magos negros com chapéus pontudos e princesas que queriam escapar do seu destino?

Waitaminute... eu conheço essa referencia!

Mas então algo curioso aconteceu: aquele riso se transformou não em uma risada de joça, mas um sorriso verdadeiro de alegria. Porque não foi apenas Sakaguchi que sentiu a dor da distância, a magia dos velhos tempos se esvaindo. Cada vez mais membros da equipe — artistas, escritores, designers que cresceram sonhando com cristais e contos de fadas — se sentiram atraídos pela ideia. O que havia começado como um projeto paralelo, um suspiro nostálgico, começou a criar raízes.

A piada se tornou um protótipo.
O protótipo se tornou uma visão.
E a visão se tornou tão forte que não podia mais ser ignorada.

A ideia inicial de Sakaguchi era apresentar a ideia para Square comoum spin-off, um pequeno "Final Fantasy Gaiden", não muito diferente do que vimos anos depois com "World of Final Fantasy" (e sua mecanica bizarra de empilhar coisas, mas essa é outra história). Só que o jogo se recusou a permanecer pequeno. A cada esboço, cada melodia, cada linha de diálogo, ele se expandia em algo inegável. Não era apenas uma história paralela. Era Final Fantasy em sua forma mais pura — e exigia estar lado a lado com seus irmãos.

Então, o "projeto de estimação" abandonou sua modesta aparência e entrou para os holofotes. Não era mais um spin-off. Era Final Fantasy IX. Uma entrada principal. Um capítulo numerado na saga. E, de muitas maneiras, uma despedida — não apenas do PlayStation, mas do homem que Sakaguchi um dia fora. Porque IX não era simplesmente um jogo. Era uma memória trazida à vida, um mundo costurado a partir de fragmentos de maravilhas da infância e noites sem dormir em um escritório frio. Um lembrete de que até mesmo impérios, antes de serem impérios, começaram com um sonho.

O desenvolvimento de FF9 in a nutshell

E estou contando tudo isso... bem, em parte porque sou um caso perido de nerd por história dos videogames, claro. Mas é mais do que apenas uma curiosidade, a origem de Final Fantasy IX é a chave para entender como o jogo em si funciona. Porque é realmente importante entender que FFIX nunca foi concebido como "o próximo passo depois de FINAL FANTASY 8". Ele nasceu como uma homenagem, uma carta de amor aos bons e velhos tempos da fantasia de capa e espada. E essa intenção está gravada em seus ossos.

Por que isso importa? Porque, se você olhar de perto, FFIX é um Final Fantasy muito não convencional precisamente por ser convencional. Me permita explicar: uma das características definidoras da série até aquele momento era sua busca incansável por novidades. Cada entrada tentava reinventar o RPG de alguma forma, sempre puxando o genero para frente, e esse impulso se tornou parte da identidade da série. FINAL FANTASY 5 tinha o Sistema de Jobs profundo e flexível. FINAL FANTASY 6 introduziu relíquias e um elenco extenso. FINAL FANTASY 7 construiu um jogo inteiro em torno de Materia, enquanto FINAL FANTASY 8 apostou no controverso sistema Junction. Mecanicamente falando, não havia dois Final Fantasy iguais.

E então veio FFIX.

Em vez de perseguir um novo sistema radical, ele fez o oposto. Sua mecânica é modesta, até mesmo inofensiva em comparação. As habilidades são vinculadas aos equipamentos. Os personagens se inclinam para papéis clássicos em vez de builds intercambiáveis. Ele não tenta expandir o gênero com um novo recurso chamativo. Mas aqui está a questão: "não reinventar a roda" não significa "genérico". Longe disso. O que FFIX faz é mais uma curadoria dos greatest hits da franquia até então, todos misturados juntos e ainda funcionando.

Squall apenas deu de ombros e comentou "whatever"

É por isso que entender sua origem como uma homenagem é tão importante. Se você espera que FFIX puxe os limites das mecanicas de RPG mesma forma que VII e VIII fizeram, você vai se desapontar. Mas se você vê isso como um retorno deliberado — uma decisão consciente de celebrar em vez de inovar — então a imagem toda se encaixa. Não é apenas um jogo. É uma reflexão. Uma memória. Uma carta de amor.

A primeira coisa que você nota é a definição precisa dos papéis do elenco — algo que Final Fantasy vinha se afastando nos títulos posteriores. Claro, em FINAL FANTASY 8 você pode argumentar que Zell usa mecânicas de monge, e Quistis é tecnicamente uma Blue Mage. Mas e quanto ao Squall? Ele é... um guerreiro, eu acho? Rinoa? Uma Maga Branca? Mais ou menos? Não exatamente. Nesse ponto, a série havia começado a borrar aqueles antigos arquétipos de RPG em construções mais ambíguas, onde qualquer um poderia ser qualquer coisa se você fizesse a build certa.

Mas em FFIX, as coisas voltam ao foco com clareza cristalina. Garnet não age apenas como uma Maga Branca — em uma cena, ela literalmente usa a clássica capa branca de maga, com triângulos vermelhos e tudo. Freya é inconfundivelmente uma Dragoon, saltando no ar com uma lança na mão. Zidane é o Ladrão clássico, rápido e atrevido. Amarant é um Monge errante. Eiko é uma Invocadora. E Vivi... bem, Vivi é o Mago Negro. Não "um" Mago Negro, mas "Ô" Mago Negro — aquela silhueta de chapéu pontudo e olhos arregalados do primeiro Final Fantasy, agora com carne, voz e coração.



Voltarei ao elenco mais tarde, porque eles merecem uma discussão completa. Por enquanto, a questão é: cada personagem tem a aparência adequada e habilidades reforçam essa identidade. Não há ambiguidade, os papéis são imutáveis como um eco dos primeiros dias da série.

E a mecânica segue a mesma filosofia. O sistema de Habilidades em FFIX é basicamente uma versão anos 2000 das relíquias de FINAL FANTASY 6. Cada peça de equipamento ensina certas habilidades, que você pode usar enquanto estiver equipada. Com o tempo, conforme você ganha Pontos de Habilidade (o jogo não os chama assim, mas a ideia é a mesma), essas habilidades se tornam permanentemente aprendidas. Troque de equipamento, mantenha a habilidade.

E sim, você pode encontrar alguns combos legais — coisas como acumular "Cover + Contra-ataque + 4 Eyes" para que seu personagem intercepte ataques e contra-ataque quase sempre. Mas não espere uma loucura no estilo FINAL FANTASY 5 com combos insanos nas builds. Esse não é o objetivo aqui. É mais um "Ei, lembra aquela vez que dava pra fazer combos nos jogos mais antigos?".

E esse é o cerne do design. Trance é basicamente uma versão diluída do Limit Break de FINAL FANTASY 7. Tetra Master, o jogo de cartas, é um primo da Shopee menos refinado do Triple Triad de FINAL FANTASY 8. Quase todos os sistemas são uma referencia, não uma invenção. Mas esse é o ponto. FFIX não está tentando te impressionar com mecânicas inéditas. Ele está te mostrando um espelho da própria série — permitindo que você olhe para trás, sorria e diga: 

Então, se você quase nunca ouve ninguém elogiando Final Fantasy IX por suas mecânicas, é porque... bem, não tem muito o que elogiar. Claro, é divertido quebrar a cabeça tentando espremer cada Ponto de Habilidade nas pequenas habilidades que você quer que seus personagens tenham equipadas — mas a "profundidade sistêmica" é só até onde vai. 

Mas tudo bem, porque ninguém se importa. Porque, embora Final Fantasy IX possa não ser o título mais polido mecanicamente ou ambicioso da série, ninguém pode negar que não é oque foi feito com mis coração. O jogo vive e morre por suas emoções e até mesmo os hipsters hardcore, aqueles que descartam qualquer coisa com o logotipo de uma empresa mainstream como a Square só para se sentirem fodões e que, honestamente, preferem passar por tortura medieval a serem pegos jogando FINAL FANTASY 7, darão de ombros, baixarão os óculos escuros e admitirão: "É... tá... esse passa..."

E por quê? Por que este Final Fantasy estranhamente "retrô", a ovelha negra por ser convencional demais, ainda deixa as pessoas com os olhos marejados décadas depois? Vamos então falar do que vc estava esperando que eu falassem, o "coração de ouro" dos JRPGs. O lugar onde um sprite bobo de um jogo de 1987 ganhou uma segunda vida e me fez chorar até eu soluçar como uma criança.

E não, isso não é exagero para um toque dramático. Isso realmente aconteceu.

Quando eu consumo alguma mídia, eu sou um daqueles esquisitos que gostam de temas. Nem todas as histórias precisam ter um — às vezes, é perfeitamente aceitável que algo seja apenas uma diversão superficial e boba. Gostamos de uma boa cena de luta, gostamos de uns pouta duns peit... hã, digo, você entendeu. Eu não EXIJO um tema, mas aprecio quando está lá. Quando uma história realmente tem algo a dizer, quando você consegue espiar por trás da cortina e sentir o que o autor queria transmitir... eu realmente curto isso.

A maioria dos Final Fantasy lida com uma série de temas, muitas vezes porque o escopo de seus mundos exige isso. O mais óbvio é sempre alguma variação de "Bem vs. Mal" ou "Luz vs. Trevas". Mas, de vez em quando, eles tocam em algo mais profundo. No papel, FINAL FANTASY 7 tem temas de ambientalismo, mas, em sua essência, é uma história sobre perda. Final Fantasy XIII é sobre fé — em deuses, em sistemas, uns nos outros — embora infelizmente soterrado por uma avalanche de dialogos de anime ruins. E FINAL FANTASY 8... bem, se você realmente conseguiu entender sobre o que aquilo deveria ser, por favor, ligue para a Square Enix porque até hoje eles não parecem ter certeza.

E quanto a Final Fantasy IX?
Final Fantasy IX é sobre identidade.
Para explicar o porquê, eu preciso começar explicando o endgame do jogo — o que sim, isso significa spoilers.

O cenário se desenrola em torno de dois mundos. Terra, um planeta antigo e moribundo, sobrevive apenas por meio de um plano parasitário: fundir-se a um mundo mais jovem e saudável para se manter vivo. Gaia, o alvo infeliz, é esse mundo mais jovem — cheio de vida, cheio de pessoas e nada interessado em ser talhado como um doador de órgãos involuntário.


As almas das pessoas de Terra não habitam mais corpos; elas permanecem em um cristal, uma sopa de memória coletiva no núcleo do planeta. O Overlord de Terra, deixado de fora do cristal para supervisionar a missão, sabe que uma invasão aberta falharia — não apenas Terra é um planeta morimbundo tentado atacar um mundo saudável, como Gaia ainda tem seus Eidolons prontos para te dar um Bahamuteada até o reino dos céus. A história dá a entender que eles até já tentaram isso uma vez... e os resultados foram o que você esperaria. Então, em vez disso, os Terranos recorrem a algo mais sutil. Eles enviam agentes a Gaia, não para conquistar, mas para corromper. Para incitar guerras, colher os mortos e garantir que essas almas não retornem ao Fluxo da Vida. Lenta e pacientemente, Gaia se esvai em sangue, até chegar o dia em que Terra poderá se mudar de mala e cuia sem muita oposição.

Essa é a estrutura da trama.

Mas se você nunca jogou Final Fantasy IX e só o conhece por meio de vídeos curtos, fanarts ou pessoas que nunca param de falar sobre o quão bom este jogo é, toda essa conversa sobre cristais e planetas moribundos pode parecer confusa. À primeira vista, FFIX parece uma mistura excêntrica de desenho animado: um ladrão com rabo de macaco, bonecos sem rosto nascidos da névoa, ratazanas furry que são cavaleiros dragões que saltam para a lua, e Hippaul, uma criança alexandrina que, como você deve ter adivinhado, é parcialmente hipopótamo. Ou será que ele é todo hipopótamo? Esse é outro debate sobre identidade que vale a pena ter, mas temos assuntos mais importantes para resolver.

Porque, como eu disse, o tema do jogo é identidade, e é por isso que o icônico logotipo de Final Fantasy (que muda a cada entrada para destacar sua essência) é, desta vez, o Cristal Terrano. Não é apenas uma pedra legal — é um oceano coagulado de almas, um redemoinho solidificado dos mortos da Terra, unidos e esperando, infinitamente, pelo dia em que poderão a voltar a ter individualidade. Essa é a escala macro, a história de no fundo.


Mas a magia de Final Fantasy IX não está apenas nas grandes apostas planetárias. Está no micro, nos personagens. Cada um deles é uma lente sobre o que a identidade pode significar, uma questão viva sobre quem somos, quem fingimos ser e quem podemos nos tornar.

Então, vamos pegar o behemot branco no meio da sala e abordar a figura mais icônica de Final Fantasy IX: Vivi. Se você já viu alguma coisa sobre este jogo, você o viu — a pequena figura bonitinha com olhos amarelos brilhantes sob um chapéu pontudo, parecendo ter saído direto da era do NES para um jogo de PS1. Mas a questão é: quem é Vivi? Ou, talvez mais precisamente... o que ele é?

Porque Vivi não é um menino. Ele nem é humano. Vivi é um autômato — um fantoche, um boneco que se move. No início do jogo, ele não sabe disso. Ele se considera desajeitado, tímido, um pouco perdido no mundo — mas ainda assim uma pessoa. Lenta e dolorosamente, ele descobre a verdade: ele foi fabricado, literalmente, em uma fábrica de armas. Ele não "nasceu". Ele foi criado em uma linha de montagem.


Essa revelação por si só seria suficiente para destruir a maioria das pessoas, e quase o destrói. Quem é ele, então? O que é ele? Ele tem uma alma? Ou ele é apenas uma nuvem de névoa fabricada envolta em tecido? Se ele não nasceu como todos os outros, ele sequer pertence à sociedade? Estas não são apenas questões de jogo — são questões de identidade em si.

E então vem a crueldade: Vivi descobre que não é único. Existem outros como ele — os Magos Negros. Mas onde ele consegue pensar, sentir e se perguntar, a maioria deles é irracional. Eles existem apenas como soldados, golens de guerra programados para matar sob comando. E assim sua solidão se transforma em desespero. Não é apenas que ele seja "diferente" — é que ele pertence a um povo tratado como objetos, escravos em todos os sentidos. Se isso lhe parece familiar, é porque é. Os Magos Negros são primos espirituais dos Replicantes de BLADE RUNNER — incluindo seu curtíssimo ciclo de vida. A maioria dos Magos Negros para de funcionar depois de apenas um ano.

Mas enquanto Roy Batty respondeu com raiva, com sangue e fogo, Vivi segue outro caminho. Ele faz perguntas. Por que tem que ser assim? Por que fomos criados? Qual é o sentido da vida quando você nasceu para matar e morrerá muito antes de sequer começar a entender o mundo?

É uma coisa pesada. E Vivi é apenas uma criança. Uma criança forçada a confrontar o tipo de medo existencial que a maioria dos adultos passa a vida evitando. No entanto, de alguma forma — e é isso que o torna tão inesquecível — Vivi aprende a carregá-lo. Ele descobre que, mesmo que as respostas nunca cheguem, mesmo que seu tempo seja cruelmente curto, ainda há algo que ele pode fazer: estar presente. Cuidar. Viver.


Um dos momentos mais poderosos do jogo acontece quando Kuja tenta os Magos Negros com uma falsa promessa de prolongar suas vidas. Eles estão desesperados, se agarrando a qualquer esperança. E Vivi, dilacerado, pergunta a Zidane: "Zidane! O que eu devo dizer a eles?!" Mas antes que Zidane possa responder, Vivi já sabe. Ele se aproxima de seus irmãos e diz baixinho: "Tudo o que posso fazer... é apenas sentar com eles."

Esse é o cerne da questão. Vivi luta contra o mesmo desespero que seu povo, mas em vez de se fechar, ele escolhe enfrentá-lo de frente. Ele atravessa a negação, o medo e a tristeza para uma aceitação frágil, mas luminosa. Sua bravura não está em brandir um cajado ou lançar uma bola de fogo — está em ousar viver, mesmo sabendo que sua história será curta.

E é por isso que Vivi como personagem tem tanta força. Ele não se enfurece contra sua mortalidade ou a razão pela qual foi criado, no que ele ninguém poderia dizer que ele está errado. Ele não encontra uma cura mágica. Ele simplesmente escolhe viver com dignidade, amar, proteger e brilhar intensamente no tempo que tem — mesmo que, no final, sua pequena história desapareça, perdida para sempre... como lágrimas na chuva.


Se a luta de Vivi com sua identidade é sobre descobrir quem ele é e onde pertence, então a história da Princesa Garnet é quase o oposto. Ela sabe muito bem quem deveria ser. Sua identidade lhe foi dada em um molde rígido e sufocante: ela é uma princesa. Ela deve ser impecável. Ela deve ser graciosa, educada, obediente. Ela deve obedecer sua mãe sem questionar. Esse é o seu papel, seu roteiro, a coroa colocada em sua cabeça muito antes de ela ter idade suficiente para decidir se queria usá-la.

Mas aqui está a coisa: essa não é ela.

E então Garnet se rebela — não com fogo e fúria, mas com hesitação trêmula. Ela adota um pseudônimo. Ela foge do castelo. Ela foge, não porque sabe exatamente para onde está indo, mas porque não suporta mais ficar onde está. Ela vê o mal sendo feito em seu reino — sua mãe se tornando cruel, sua nação entrando em guerra — e, ainda assim, não consegue confrontar isso diretamente. Como poderia? Ela foi criada para ser dócil, para se reprimir, para se curvar diante da autoridade, mesmo quando a autoridade é monstruosa.

Essa é a tragédia e a beleza de sua personagem: a rebelião de Garnet não é a rebelião de uma revolucionária confiante. É a rebelião de alguém inseguro, alguém que constantemente se questiona. Ela se pergunta se está fazendo o suficiente. Ela se pergunta se tem o direito de resistir. Ela tropeça tentando achar uma forma de "convencer sua mãe" mesmo quando a verdade é clara para todos: sua mãe não pode ser redimida. Ela se apega à esperança, porque abandoná-la significaria abandonar não apenas sua mãe, mas também a imagem da filha obediente que ela foi treinada para ser.

E é isso que a torna tão dolorosamente identificável. Vivi se pergunta: "O que eu sou?" Garnet se pergunta: "Será que algum dia serei outra coisa senão o que os outros exigem de mim?" Um luta para definir uma identidade a partir do nada; a outra luta para escapar da prisão de uma identidade definida para ela. E o jogo, para seu crédito, não trivializa isso. Ele entende como é difícil se libertar das expectativas — da família, do dever, dos papéis que nos dizem que devemos desempenhar. Porque às vezes as correntes mais pesadas não são forjadas em ferro. São aquelas costuradas no seu próprio nome.


Se Garnet sabe muito bem quem ela deveria ser e luta para se libertar, nosso adorável bufão Steiner está no extremo oposto. Ele sabe exatamente quem ele é — e ama cada pedacinho disso. Teimoso, inabalável, barulhento o suficiente para sacudir as janelas do castelo, ele caminha pela vida com a confiança inabalável de alguém que nunca duvidou de seu propósito. Quase cada palavra que sai de sua boca é declarada com o tipo de certeza sólida que só é possível quando uma pessoa está total e completamente errada.

Mas esse é Steiner. Ele não questiona. Ele não vacila. Ele é o Capitão dos Cavaleiros de Plutão! Servo leal da Rainha Brahne! Protetor da princesa! Sua vida é simples, seu dever é claro, e ele usa essa identidade não apenas como uma armadura, mas como sua própria persona. E por um tempo, isso basta. Ele está satisfeito. Ele está orgulhoso. Ele é um homem que conhece seu lugar no mundo.

... até que o mundo muda sem lhe pedir permissão.

Porque o que acontece quando a rainha que ele jurou servir se revela cruel, egoísta, até monstruosa? O que acontece quando as ordens que ele deu colocam a Princesa Garnet — a própria pessoa que ele jurou proteger — em perigo mortal? De repente, a identidade sólida de Steiner se rompe. Ele é o cavaleiro leal que deve obedecer à sua rainha custe o que custar? Ou ele é o verdadeiro guardião da princesa, que jurou proteger sua vida acima de tudo? Ele não pode ser ambos.

E para um homem como Steiner, que construiu toda a sua existência em ser uma coisa e uma coisa apenas, este conflito é nada menos que um terremoto. Sua certeza se esfacela. Seu orgulho estremece. Pela primeira vez, ele é forçado a se perguntar não qual é o seu dever, mas quem ele realmente é. E se isso não é uma crise de identidade, então, que Arceus me ajude, eu não sei o que seria.

Então, a esta altura, você provavelmente já entendeu o que quero dizer quando afirmo que o tema de Final Fantasy IX é identidade — e como cada personagem incorpora um lado diferente dela.


Toda a identidade de Freya se baseia em seu relacionamento. Ela construiu sua existência em torno do homem que ama, apenas para o universo arrancar o chão sob seus pés da maneira mais cruel possível. Seu amado não morreu — o que já seria uma tragédia por si só —, mas algo pior. Ele vive, mas sem nenhuma lembrança dela, sem provas de que o que eles compartilharam tenha importado. Amar alguém que não consegue mais nem te reconhecer... essa é uma ferida mais profunda que a morte. Sua luta não é apenas sobre a perda, é sobre a questão aterrorizante de quem você é quando o centro do seu mundo não te vê mais.

A crise de Amarant é quase o oposto, mas igualmente aguda. Toda a sua identidade é construída sobre força, habilidade, superioridade — o lobo solitário que acredita estar acima de todos os outros. E então Zidane acontece. Zidane, que nem tenta, que desliza pela vida com piadas e charme, mas ainda assim ofusca Amarant em todos os aspectos importantes. É Vegeta percebendo que viveu à sombra de Goku o tempo todo — e essa sombra abala tudo o que Amarant pensava que o definia. Para um homem que se orgulhava por sua força, descobrir que outra pessoa pode fazer melhor sem nem suar é um golpe brutal no ego e na alma.

E então tem Quina. Ah, Quina. Olha, o próprio jogo parece nem saber o que Quina deveria ser. Toda a cena dele(a) é meio que uma piada, mas é exatamente por isso que eles se encaixam. Se todos os outros estão lutando com o que os define, então a "identidade" de Quina é precisamente esse ponto de interrogação. A comédia é o ponto — e, estranhamente, eu gosto dela. A piada não quebra o tema, ela o reforça. A existência de Quina é um lembrete de que, às vezes, a identidade não se resume a um grande destino ou a uma perda trágica; às vezes, trata-se apenas de não se importar com o que diabos você é e apenas ser.

E então tem o Kuja. O vilão, o espelho, o contraexemplo. Assim como Vivi, Kuja é um fantoche. Mas, ao contrário de Vivi, ele não consegue encarar essa verdade. Se os heróis são todos maneiras diferentes de confrontar e superar crises de identidade, Kuja é o que acontece quando você rejeita, quando nega, quando deixa a amargura se transformar em autodestruição. Ele não é apenas um antagonista — ele é aquele conceito clássico de "o que o herói poderia ter sido", algo que Zidane literalmente diz em dado ponto.

De qualquer forma, acho que você entendeu aonde quero chegar com isso. O que nos leva à identidade mais importante do jogo — e, ironicamente, a mais frequentemente esquecida. Ninguém menos que o nosso próprio menino-macaco: Zidane.


Mas antes de mergulharmos de cabeça no arco de Zidane, seria negligente da minha parte se eu não parasse por um momento. Sabe, hoje em dia é comum as pessoas pedirem remakes dos jogos que já amam. Pessoalmente, sempre achei isso meio sem propósito — os jogos ruins são os que precisam de remakes, os clássicos já provaram seu valor. Assim, sempre que eu via as pessoas clamando por um remake de FFIX, minha reação instintiva era: "o quê? Não! Este jogo é perfeito, não há nada para consertar!

... Só que, depois de jogá-lo novamente para esta análise, admito que eu aqueci um pouco mais a essa ideia de remake. FFIX não é perfeito. Não totalmente.

Como mencionei antes, o sistema de combate não é exatamente de ponta, nem mesmo para a época. Eu adoraria ver mais reflexão sobre esse aspecto do jogo. Do jeito que está, as batalhas são fáceis demais e raramente exigem estratégia de verdade, o que torna difícil se importar com a composição ou mecânica do grupo. Esse é um aspecto que um remake definitivamente poderia elevar.

Outra coisa — e esta é inteiramente pessoal — nunca fui o maior fã do estilo de arte. Não me interpretem mal: tecnicamente, os gráficos extraem até a última gota do PS1, e na época foi nada menos que milagroso. Meu problema é com a escolha do design. Os personagens não são nem totalmente chibi nem totalmente realistas; eles ficam nesse estranho meio-termo que me dá uma espécie de vibe de Vale da Estranheza. Eles não são ruins, nem um pouco, apenas... estranhos, pelo menos para o meu gosto. Novamente, isso não é uma falha técnica, apenas minha sensibilidade pessoal.


E, por fim, gostaria que as histórias secundárias tivessem recebido mais atenção. Garnet, Vivi e Zidane são o núcleo da narrativa, sim, mas os outros poderiam ter tido mais destaque. Veja Freya, por exemplo: depois de Burmecia no Disco 1, ela praticamente desaparece da história. E isso é uma pena, porque seu arco tem tanto peso emocional que merecia mais desenvolvimento. O que estou pedindo aqui não são as sensibilidades modernas de storytelling, mesmo Final Fantasy VI deu algumas sidequests e tempo de tela aos seus personagens secundários meia década antes. Não é preciso muito. Apenas algumas missões secundárias, algumas cenas, um pouco de espaço extra para esses personagens respirarem... e definitivamente Kuja poderia usar uma escrita mais nuanceada e menos vilão de desenho animado, dado o objetivo que eles tinham com o personagem. É exatamente esse tipo de coisa que um remake poderia prosperar.

Mas agora que cometi a heresia de dizer que FFIX não é perfeito, vamos usar o pouco tempo que temos antes que os puristas de JRPG me arrombem a porta para falar sobre a peça mais fundamental porém negligenciada deste jogo: Zidane Tribal.

Então, em uma história obcecada por identidade... qual é a dele?

Bem, o problema de identidade de Zidane é justamente que ele parece não ter um. Desde o início, ele sabe exatamente quem é e se sente confortável consigo mesmo. E quem seria isso, exatamente? O ladrão bom de lábia com um coração de ouro. O cara que encanta as mulheres, mantém o grupo unido e se faz de pilar de confiança para seus amigos. Não há um único problema no mundo que Zidane não consiga amenizar com um sorriso e um tranquilizador: "Vai ficar tudo bem".

Seu melhor amigo Blank vira pedra? Zidane nem se preocupa: "Encontraremos uma poção a cura antes mesmo que ele perceba o que aconteceu. Sem problemas." E, de alguma forma, ele te faz acreditar que não é grande coisa.

Vivi está entrando em uma crise existencial, questionando sua própria existência? Zidane não tenta resolver o impossível — apenas senta ao lado dele, massageia seu ombro e diz: "É, é difícil, amigo. Mas, ei, veja o lado bom. Você tem muitas coisas que você pode fazer."


Freya está arrasada depois de perder sua casa e perceber que seu amadoe nem se lembra dela? Zidane intervém, prático e gentil: "Isso é péssimo, sem dúvida. Mas, por enquanto, vamos nos manter ocupados. Vamos lutar contra alguns monstros, salvaremos algumas pessoas e, quando você estiver pronta, decidiremos o que vem a seguir. Parece um plano?"

Esse é Zidane. Ele é o cara que nunca perde a calma, nunca deixa a escuridão engolir ninguém por inteiro. Ele não resolve problemas, mas sim cria luz suficiente para seus amigos respirarem novamente. Sua presença diz: "Você não está sozinho. A gente vai superar isso!". Nesse sentido, ele se parece menos com o arquétipo do "herói" e mais com o mentor — aquele que ajuda os outros a se tornarem a melhor versão de si mesmos, mesmo que ele próprio pareça imutável. Zidane não luta contra quem ele é como os outros. Ele é a âncora, o guia, o eterno otimista.

Até que não é mais.

Zidane é a cola que mantém todos unidos, sempre com um sorriso caloroso e a convicção de que tudo pode ser resolvido eventualmente. Ele é realmente a âncora emocional do grupo, seu conselheiro emocional de fato. Seus relacionamentos com Garnet, Vivi, Freya e até mesmo com o teimoso Steiner reforçam a confiança deles em si mesmos, dando a cada um a coragem de se desenvolver em sua própria identidade. Ele até consegue transformar o niilismo de Amarant em algo semelhante à esperança. Zidane é quem garante que ninguém se sinta sozinho. Mas seu arco é a chave. Porque, eventualmente, Zidane descobre que possui a identidade mais nebulosa de todas.


Como eu disse antes, a grande trama de FFIX é que Terra envia agentes a Gaia para semear o caos e enfraquecer o planeta por dentro. Zidane é um desses agentes — enviado para ser nada menos que um destruidor de mundos. A única razão pela qual Gaia ainda existe é porque, por alguma reviravolta inexplicável do destino, a "programação" de Zidane nunca funcionou, e ele cresceu pensando que era apenas um ladrão com rabo de macaco e um grande coração. Ele é obviamente inspirado no Goku, não apenas no rabo de macaco, mas pq foi enviado para destruir o planeta e acabou esquecendo sua missão. E quando Zidane descobre a verdade, na reta final do jogo, ele não aceita isso bem. Nem perto.

Tudo o que ele pensava ser, cada pedaço de sua confiança tranquila, foi construído sobre uma mentira. Ele não é o ladrão manhoso, nem o amigo leal, nem o patife charmoso — ele é um fantoche defeituoso como Vivi, exceto que seu propósito não era lutar em guerras, mas aniquilar um mundo inteiro. Imagine descobrir que você não era apenas um sleeper agent dos nazistas — você deveria ser o próprio Hitler. Essa é a dimensão da traição que ele sente.

É demais para ele suportar. E pela primeira vez na vida, Zidane precisa... bem, de Zidane. Alguém em quem se apoiar, alguém para lembrá-lo de que tudo ficará bem. Mas, como na triste e velha história do palhaço Pagliacci, não existe um Zidane para o Zidane. Ele é quem conserta os outros, não quem precisa ser consertado. Ele é o otimista, a cola, a força. Pelo menos, era isso que ele deveria ser.

E é isso que torna tudo tão real. É fácil confortar outras pessoas quando você não tem seus próprios demônios. É fácil consertar corações partidos quando o seu nunca foi quebrado. Mas quando o espelho finalmente se quebra? Quando é você quem está desmoronando? De repente, todos aqueles sorrisos fáceis parecem uma piada cruel. E Zidane faz o que muitos de nós fazemos quando não suportamos demonstrar fraqueza: afasta todos e tenta resolver a situação sozinho.

E ele falha.


Há uma cena, a mais poderosa de todo o jogo — talvez de qualquer jogo. Depois de falhar em confrontar o suserano de Terra, Zidane é facilmente dominado e descartado no esgoto como brinquedo quebrado. Ironicamente, ele cai sobre um trono no meio do lixo - o simbolismo perfeito para seu estádo mental e fisico. Mancando e quase caindo aos pedaços, para sair dali Zidane precisa se arrasta por um corredor repleto de monstros - algo que ele está claramente incapaz de fazer. Ele sabe que não pode continuar. Ele não consegue sequer vencer o primeiro monstro. O próximo monstro ergue as garras para o golpe fatal —

— e uma lança atravessa seu crânio.

Freya pousa ao seu lado, e Amarant avança em seguida socando os monstros para longe. Zidane os encara, atordoado. E então — apenas depois de mais de QUARENTA horas de jogo — a música tema de Zidane finalmente toca pela primeira vez. E sabe como se chama essa pedrada de Nobuo Uematsu? "Você Não Está Sozinho".


Mas Zidane ainda não está pronto para aceitar ajuda, porque se permitir ser ajudado nunca é fácil quando é você quem sempre ajuda os outros. Então ele recusa ajuda e segue em frente... e conforme o tema vai crescendo, um por um, cada amigo que Zidane carregava nos ombros agora vem para carregá-lo de volta. Garnet, Vivi, Steiner, Freya, Amarant, Eiko, até Quina — todos chegam, não porque ele pediu, mas porque ele era importante para eles. Ele lhes deu coragem, deu-lhes propósito, e agora eles retribuem esse presente em seu momento que ele mais precisava.

Para o garoto que um dia pensou não ter uma identidade verdadeira, a mensagem é clara: ele não está sozinho, e nunca esteve. É uma das coisas mais calorosas e humanas que qualquer jogo já fez. Zidane achava que sua história era vazia, que ele nasceu apenas para destruir. Mas quando seus amigos pegam suas armas e ficam ao seu lado, eles lhe mostram o que ele realmente é.

Ele não é um fantoche.
Ele não é um erro.
Ele é o amigo deles. O irmão deles. A esperança deles.
Ele não está sozinho.

Senhores, isso é mais do que cinema. Este é o ápice do que os videogames podem almejar ser. E essa é, como diz o tema do world map do jogo, a melodia da vida. Todas essas histórias entrelaçadas — as felizes, as tristes, as passageiras, as eternas. Porque esta é a própria vida, não é? As lágrimas derramadas sozinha no escuro, o riso compartilhado sob a luz do sol com aqueles que você ama. A vida é o pequeno bebê chocobo Bobby Corwen dando seus primeiros passos, e é o Mago Negro #233 olhando para o corpo de seu amigo, sem entender por que ele nunca mais se moverá.

A vida é estar presente quando seus amigos precisam de você e aprender a deixá-los estar presentes quando chegar a sua hora de necessidade. A vida é Eiko finalmente encontrando a família com a qual sempre sonhou. A vida é Amarant, aquela tempestade de raiva, finalmente encontrando paz interior. A vida é a carta de despedida de Vivi — tão gentil, tão comovente — lamentando todas as aventuras que sua curta vida não lhe permitiu viver com seus amigos, mas ainda assim celebrando cada uma das que eles tiveram.

Essa é a melodia da vida.
O refrão perdido do amor.
E isso é Final Fantasy IX.


E assim, a cortina se fecha.
Não apenas para Final Fantasy IX, mas para uma era — para as longas noites de verão da minha juventude, nas risadas que ecoavam nas salas de estar, nos momentos tranquilos em que um jogo fazia você se sentir em um lugar completamente diferente. O canto do cisne do PlayStation não é apenas mais um RPG; é uma carta de amor a tudo o que ele ajudou a construir.

É um lembrete de que toda jornada — seja através de reinos ou ao longo dos anos — é feita de pessoas que conhecemos, momentos que compartilhamos e despedidas que somos forçados a dizer. Amigos se afastam. Consoles envelhecem. Os créditos rolam. Mas e as memórias? Elas não desaparecem. Elas ficam, guardadas em um blog que ninguém lê ou um arquivo salvo antigo que você nunca apagará, mesmo que nunca o carregue novamente.

Não podemos voltar — nem para aqueles primeiros passos em uma rua de paralelepípedos nas ruas de Alexandria, nem para os dias em que a caixa cinza parecia um portal para a eternidade. Mas podemos lembrar. Podemos sorrir. Podemos levar o eco adiante. Porque talvez essa seja a verdadeira fantasia final — não a magia ou os monstros, mas a maneira como uma história permanece com você, muito depois de a última página ser virada.

E quando eu coloquei o controle de lado, percebi... a jornada não termina aqui de verdade. Ela simplesmente muda de forma.
A cortina se fecha.
As luzes se apagam.
Mas em algum lugar, em um pequeno teatro navegando pela noite, o espetáculo continua.

Essa review é dedicada ao Barney e a Hermione,
meus pequenos refrões perdidos do amor.
Our paths they did cross, though I cannot say just why,
We met, we laughed, we held on fast, and then we said goodbye.


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