segunda-feira, 1 de setembro de 2025

[#1544][Jul/2001] DARK ANGEL: Vampire Apocalypse

Então, Anjo Trevosão: Apocalipse Vampiro... não, não, espera um minuto. Não dá pra simplesmente começar essa review sem antes abordar o elefante com escoliose no meio da sala: O. QUE. DIABOS. ESSA. CAPA. DEVERIA. SER?

Quer dizer, sério. O que, em nome de Drácula, aconteceu com a coluna dela? Por que ela está esticada como um pedaço de caramelo medieval? Isso não é uma caçadora de vampiros, parece que ela acabou de escapar do pior quiropata da idade média. Ela foi torturada em um cavalete antes mesmo de o jogo começar? Talvez o apocalipse vampírico já venceu. Tantas perguntas, tão poucas respostas — e nenhuma delas reconfortante. Bem, o que eu sei é o seguinte: se a equipe de marketing não percebeu que a arte da capa era um pesadelo que nenhuma pessoa sã jamais gostaria de ter em seu quarto enquanto você dorme indefeso, então já começamos muito bem. 

Mas calma que piora, pq originalmente este jogo nem era para o PS2. Em 1999, Dark Angel: Vampire Apocalypse foi anunciado como exclusivo do Dreamcast, com uma janela de lançamento definida para o início de 2000 porque os desenvolvedores ainda não tinham um devkit para PS2. Mas, mais importante que isso, eram uma equipe pequena e inexperiente, porém bastante ambiciosa.

E quando digo "ambiciosa", quero dizer extremamente porque se você ler as entrevistas da época, vai ver que eles estavam discutindo ideias que até mesmo grandes estúdios com orçamentos de verdade e veteranos da indústria hesitariam em tentar. Coisas como permitir que você exportasse seu personagem para o VMU para poder trocar progresso com seus amigos, meio que como um Pokémon de Dreamcast só que trocando uam protagonistas de coluna ruim no lugar de um Gyarados. Admirável, mas bastante fora da realidade para a modesta Metro3D. Quer dizer, eles não sabiam nem usar espaço depois do nome para se chamar "Metro 3D", imagina criar um sistema de exportação de personagens.

Então, para surpresa de zero pessoas, o jogo atrasou e não foi lançado no início de 2000. O que foi uma coisa boa e ruim ao mesmo tempo. O lado bom é que com o jogo adiado para o fim de 2000, dava tempo de conseguir um devkit de PS2 e lançar para o popular console da Sony. A noticia ruim é que a melhor maneira de salvar um projeto já atrasado definitivamente não é dobrar a carga de trabalho da equipe, isso eu posso te garantir. 

Só que o projeto atrasou mais ainda e quando 2001 chegou, o inevitável aconteceu — o Dreamcast já estava com as velas compradas para o velório e a Metro3D viu que não teria retorno colocando mais tempo e dinheiro nisso. Então era mais barato eles aceitarem a perda, jogar fora todo o trabalho já feito no Dreamcast e focar exclusivamente no PS2, o que finalmente fez o jogo chegar ao mercado como um exclusivo de PS2 um ano e meio depois do prometido inicialmente e em um sistema inteiramente diferente.


Suponho que não vai ser muita surpresa se eu disser que Dark Angel foi um dos primeiros projetos tentados pela Metro3D, um estúdio formado por ex-desenvolvedores ocidentais da Capcom que pensaram  que o desenvolvimento e a planejamento de jogos seriam moleza em comparação com o "trabalho de verdade" que eles faziam como programadores. Spoiler: não era. Eles descobriram da maneira mais difícil que passar de funcionário para ser seu próprio chefe vem com um pequeno detalhe — você tem que resolver um monte de pepino que um empregado nem sonha que existe.

[OK, ENTÃO A EQUIPE NÃO TINHA IDEIA DO QUE ESTAVA FAZENDO, ENTÃO ESSE DEVE SER UM JOGO BEM FRACO DE PLAYSTATION 2, EU IMAGINO]

Sua suposição não é infundada, Jorge, mas então eu terei que te dizer que você está enganado. Porque Dark Angel: Vampire Apocalypse não é um jogo bagunçado de PS2. Não, isso seria quase perdoável. O que você realmente tem aqui é um jogo ruim de PS1 do começo de 1995... só que com gráficos de nível N64 e lançado em um PS2 em 2001. Se alguma coisa, DA:VA parece bastante com aqueles jogos pouco polidos e meio zoados do começo da vida do PS1 quando as desenvolvedoras ainda não tinham certeza do que fazer com o hardware da Sony. LOADED seria uma boa comparação do tipo de jogo montado a moda louca, e eu nem diria que esse jogo chega a ser pelo menos um Reloaded.

Para começar, o jogo nem se dá ao trabalho de dizer qual é o seu objetivo aqui. Se você simplesmente começar o jogo e jogar, você vai vagar por aí, pegar algumas quests, um pouco de dungeon crawler e, eventualmente, vai ficar coçando a cabeça confuso, se perguntando "tá, e aí? É isso?".

[ENTÃO ESSE É UM DAQUELES JOGOS QUE VC TEM QUE LER O MANUAL?]

Isso já seria bem tosco de se fazer em 2001, já que naquela época os jogos já tinham espaço de sobra na mídia para colocar qualquer informação que você precise. Mas não, errado de novo. Nem isso o manual faz. Ele apenas comenta a moral do jogo vagamente em uma frase solta no meio de um monte de lore desinteressante — algo que você só vai reconhecer como “isso deveria ter sido a dica” se já souber o que precisa fazer. Mesmo que o jogo tenha sido lançado em CD (e eu não faço ideia do pq eles não lançaram em DVD, se fosse mais barato vários outros teriam feito o mesmo), não existe desculpa para não se dar ao ao trabalho de incluir uma única caixa de texto para dar uma explicação ao jogador.

Até porque o que acontece nesse jogo é bem simples e realmente caberia em uma caixa de texto: você começa em 1º de janeiro, e, no começo do ano que vem o grande vilão maligno do mal que odeia o bem, vai aparecer para te enfrentar, esteja você pronto ou não. Então é isso: você tem um ano para se preparar, reunindo equipamentos, subindo de nível e fortificando as cidades. Era só isso que o jogo precisava te avisar, seja com uma mísera caixa de texto ou pelo menos em uma das DEZENOVE páginas do manual — mas eles não fizeram, porque estavam ocupados demais explicando a lore de que os mortos-vivos não gostam dos mutantes, mas trabalham juntos apenas por medo do overlord do mal. Algo que não tem nenhuma importância para o jogo, já que eles não interagem nem uma única vez. Aliás, “interação” não é exatamente o forte desse jogo at all.

[ESSA PARTE DE "FORTIFICAR AS CIDADES" SOA COMO UMA MECANICA INTERESSANTE]

Parece, né? Então, quando você faz tarefas para NPCs em cidades, as recompensas podem ser ouro, equipamento ou bônus como "+1 Militar" ou "+1 Pesquisa". E, naturalmente, a pergunta que não quer calar é: O. QUE. ISSO. SIGNIFICA?


Se você já percebeu o padrão, já sabe a resposta: o jogo não vai te dizer, os NPCs não vão te dizer, e o manual de dezenove páginas — um documento que deveria existir apenas para explicar isso — com certeza também não vai te dizer. Então, muito provavelmente, você chegará à batalha final depois de cinquenta horas de trabalho árduo, será espancado até a morte pelo Senhor das Sombras e ainda não terá ideia do que os misteriosos +1s deveriam realizar.

Essa é piada da qual ninguém está rindo: essas estatísticas invisíveis são, na verdade, as chaves para a vitória. Existem três artefatos "Shadow Lord Bane" que você deve coletar, ou então a luta final será matematicamente impossível. Primeiro, o Martelo de Pedra, que você precisa para destruir a primeira forma dele, obtida ao elevar o nível Econômico da sua cidade até 400 em Westhaven. Depois, vem a Espada Planar para a segunda forma dele, bloqueada atrás do nível Militar 400 em Rygard. E, finalmente, a pièce de résistance: o Elixir, que recarrega totalmente sua vida e mana durante a luta... mas apenas se você tiver aumentado a Pesquisa para 400 em Hom.

O jogo explicou isso em algum lugar? Não. O manual explicou? Não. Alguém na Metro3D achou que seria uma boa ideia dar ao jogador a menor dica sobre por que o Senhor das Sombras está lavando o chão com a sua cara? Claro que não. E se você chegar ao final sem esses itens que nem sabia que existiam — parabéns, você acabou de desperdiçar um save de cinquenta horas. Não tem o que fazer, não tem como consertar isso no final, só começar de novo, otário.

Argh... bem, deixando essas escrotices da Metro3D de lado, vamos falar sobre a tal "preparação" que o jogo (não) menciona. A cada passo que você dá no mapa do mundo, o tempo avança. Ele não passa dentro de cidades ou masmorras, mas passa também se sua barra de vida chegar a zero, você desmaia e três dias se passaram. Aparentemente, desmaiar neste mundo não se enquadra na escala 6x1.

Dentro das masmorras, porém, o tempo pode muito bem não existir. Você pode dungeon crawlear para sempre. Cada uma das três masmorras do jogo não tem um limite de andar real — além de um chefe especial esperando no andar 100, você pode, teoricamente, descer em andares gerados proceduralmente até, ah, sei lá, um bilhão e meio. Eu adoraria conhecer a pobre alma que realmente tentou isso,  mas então certamente a pessoa que dedicou tanto esforço a ESSE jogo tem problemas mais graves do que a nossa medicina atual é capaz de solucionar.

Agora, dado que existe o sistema para "fortificar cidades" que eu mencionei (mas o jogo não menciona, apenas lembrando), é de seu melhor interesse voltar à cidade de vez em quando para verificar se novas missões surgem. Mas não se empolgue muito — as missões quase sempre são "vá para o andar X da masmorra Y e mate esse cara", que está convenientemente marcado no seu mapa. Então, basicamente, é o "Uber Eats de assassinatos medievais".


O jogo também faz uma tentativa brocha de profundidade de RPG: matar monstros aumenta seu nível, você pode encontrar novas armas e recebe um punhado de bugigangas mágicas e espirituais que supostamente combatem certos monstros. Na prática,  as armas não parecem diferentes além de "esta tira um risco a maiss de vida de morcegos, aquela tira um pixel a mais de esqueletos". Não há nada parecido com uma build ou gerenciar equipamento — até porque seu inventário é tão absurdamente grande que você provavelmente conseguiria carregar a masmorra inteira nas costas. Armas e armaduras mais fortes aparecem sem muito esforço, então a progressão de itens parece meio que tanto faz também já que vc não sente lá tanta (ou nenhuma) diferença.

Como você provavelmente percebeu, se eu não pareço muito animado com este jogo, é porque não estou. Dark Angel: Vampire Apocalypse é, na melhor das hipóteses, um dungeon crawler razoável — no mesmo nível de GAUNTLET LEGENDS na primeira hora, mais ou menos. Infelizmente, para se "preparar" adequadamente para o Senhor das Sombras, você precisa de cerca de 50 horas de preparação... supondo que já saiba exatamente o que fazer. Se não sabe (e a menos que siga um FAQ antes de jogar, não TEM como saber), que Deus te ajude.

Depois de algumas horas macetando botões sem parar, a fadiga vence. O loop é sem fim: vá para uma cidade, pegue uma missão, marche para qualquer andar da masmorra para onde a missão te apontar, mate zumbis, complete o objetivo, volte para a cidade, venda tralhas, compre tralhas, volte para a masmorra, mate mais zumbis. Enxágue, repita, repita novamente, repita até que sua alma deixe seu corpo. Sinceramente, acho que não estava consciente em 90% do tempo — devo ter desmaiado e deixado a memória muscular terminar o jogo por mim.


Agora, isoladamente, o combate não é o pior que já vi. Caramba, chega a superar GAUNTLET LEGENDS em alguns momentos. Mas a repetição, a perda de tempo, o puro teste de resistência de tudo isso? Absolutamente insuportável. O sistema nervoso humano simplesmente não foi projetado para suportar esse nível de monotonia sem se liquefazer. E se alguém diz que realmente gostou deste jogo, é provável que se lembre de ter jogado apenas umas cinco horas no total — três e meia das quais foram gastas tentando convencer os amigos a se juntarem ao sofrimento.

Sinceramente, tenho dificuldade em apontar um único ponto que Metro3D acertou aqui. Toda a experiência parece um título de lançamento inacabado do PS1 que foi descongelado em 2001. Se você quer um jogo de hack and slash com exploração de masmorras, vá jogar DIABLO ou até mesmo GAUNTLET LEGENDS — este último não é exatamente uma obra-prima, mas pelo menos respeita seu tempo e termina em um décimo das horas. Para todos os que prezam a própria sanidade, evitem este jogo como as meninas da escola me evitavam.

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