Ainda essa semana eu escrevi uma review enorme (que ninguém vai ler) argumentando como a Working Designs tinha uma assinatura bem distinta… e como isso não é exatamente algo que você queira de uma publisher. Eles não fazem os jogos, não criam as mecanicas, e ainda assim de alguma forma as digitais deles estão em toda a experiência do jogo. É como contratar um tradutor que insiste em reescrever o roteiro porque acha que é mais engraçado que o autor original. E não é que mal passou uma fase da lua e a Working Designs está de volta no menu, rapazes. Desta vez, eles trouxeram seu parceiro de longa data no crime: a Game Arts.
Sim, aquela Game Arts. A Game Arts de LUNAR: The Silver Star Story. A Game Arts de GRANDIA. Os desenvolvedores que fizeram seu nome com RPGs grandiosos, cheios de emoção, charme e melodrama. Então, naturalmente, você deve estar se perguntando como foi a colaboração deste lendário desenvolvedor de RPGs com a Working Designs... e aqui está o plot twitter: a Working Designs não é o problema. Chocante, eu sei. Mas a razão é bem simples: este jogo não é um RPG. Na verdade, mal tem algo para eles traduzirem, já que nem se dá ao trabalho de fingir que tem uma história.
O que nos leva à parte curiosa: como, exatamente, o mesmo estúdio que nos fez chorar por dragões falantes e amizades de infância acabou produzindo um FPS de mecha em estilo arcade, com cara de sério? Bom, acho que até lendas dos RPGs têm boletos pra pagar.
Então, Gungriffon é uma série de FPS-mecha que na verdade remonta aos tempos do SEGA SATURN. Lembra do SEGA SATURN? Provavelmente não — nem o Pepperidge Farm lembra mais desse. E aqui estou eu, escrevendo resenhas que ninguém lê fazendo referências a memes que ninguém mais lembra… minha vida deu meio que errado, né? Mas, enfim — Gungriffon.
Quando a sexta geração de consoles começou, a pergunta na cabeça de todo mundo era simples: “Ok, o PS2 é um videogame bonito pra caceta, mas além de assistir Matrix e ficar muito maneiro na minha sala, o que essa coisa pode fazer que o PlayStation 1 não podia?” E é uma pergunta justa. O salto dos sprites 2D para os polígonos 3D na era de 32 bits foi um choque único na vida. O que poderia superar isso?
Entra Armagrifo Ardente. A Game Arts levanta a mão e diz: “Aqui está o que o PS1 nunca poderia fazer — te jogar em um campo de batalha com o pipoco comendo em tempo real.” E esse é o ponto principal de venda. Você não é apenas um soldado lobo solitário, abrindo tiro sozinho com só vc e Deus no sertão como em MEDAL OF HONOR. Não, Gungriffon Blaze te joga no caos de uma zona de guerra de verdade. Pense menos em “se infiltrar sorrateirametne por trás das linhas inimigas” e mais em O Resgate do Soldado Ryan — vc é apenas mais um entre os vários soldados invadindo as praias da Normandia com balas zunindo pela sua cabeça, explosões sacudindo a terra, e inimigos atirando em qualquer coisa que se move, não apenas em você.
Só que, desta vez, substitua Tom Hanks por uma imensa munalha de aço ambulante de mil toneladas. É sobre isso que Gungriffon Blaze é: a fantasia de pilotar uma máquina de guerra no meio de uma batalha real, onde você é apenas uma engrenagem em uma máquina muito maior e muito mais barulhenta. E isso é absolutamente impressionante para um título de lançamento nos EUA para o PS2. Imagina só: depois de acampar por três dias na chuva, brigar com sete cambistas diferentes na fila (dois dos quais tenho quase certeza que eram na verdade três hienas empilhadas dentro de um sobretudo), os garotos americanos podiam finalmente se arrastar de volta para casa com seu novo e brilhante console — e este simulador de campo de batalha esperando lá dentro. De repente, aquelas cicatrizes físicas e emocionais recém-adquiridas pareciam quase valer a pena.
Porque, sério, a proeza técnica aqui não é brincadeira. É incrível a quantidade de partes móveis que o PS2 conseguia lidar de uma vez, quantos AIs independentes ele conseguia manter funcionando para simular uma zona de guerra de verdade. E sim, eu sei — eu sei. Para os padrões de hoje, isso não parece grande coisa. Até mesmo o seu lobby aleatório de Fortnite numa terça-feira à 2 da manhã casualmente te joga no caos com cinquenta jogadores atirando uns nos outros em trajes de palhaço neon. Mas você tem que se lembrar: era o ano 2000. O PS1 não tinha nada nem remotamente parecido com isso. Caramba, até o Dreamcast — abençoado seja, nobre Dreamcast — não conseguiria fazer isso.
Claro, o Dreamcast tinha seus próprios títulos de mecha, como GUNDAM SIDE STORY 0079: Rise from the Ashes, onde você liderava um pequeno esquadrão de IA. Mas aquilo era modesto, na melhor das hipóteses. Sua “equipe” era de três caras que na maioria das vezes faziam o que você mandava, como estagiários com medo de improvisar. Gungriffon Blaze é uma besta totalmente diferente. Você tem pelo menos o dobro de aliados, cada um rodando com sua própria programação, cumprindo seus próprios objetivos. Você não se sente como um jogo single player que tudo gira ao seu redor, você se sente como se tivesse sido jogado direto no meio de uma zona de guerra de verdade. E essa sensação, para um título de lançamento em 2000 era realmente algo especial.
Então, é assim que o loop de jogo funciona: Gungriffon Blaze te dá cinco cenários (além de um campo de treinamento) onde batalhas em larga escala já estão em andamento, e ele joga o peso de “mudar o destino da batalha” diretamente sobre seus ombros. Antes de cada missão, você recebe um briefing que descreve o fluxo geral do campo de batalha — completo com uma visualização útil do que suas tropas aliadas vão tentar — e então, além disso, você recebe um objetivo especial.
Pegue a missão do Tibete, por exemplo. Seu lado é encarregado de marchar uma coluna de mechas infantaria por uma passagem de montanha sinuosa. Parece heroico — até que eles entram em um campo aberto do outro lado e são triturados em sucata pela artilharia inimiga entrincheirada. Seu trabalho é se infiltrar por trás das linhas inimigas como um ninja de metal gigante, neutralizar as torretas e canhões e, com sorte, impedir que seus aliados sejam transformados em material recliclado. Enquanto isso, seus camaradas estão tentando sobreviver tomando pipoco em campo aberto enquanto você tenta cumprir a tarefa.
E essa é basicamente a fórmula: sem história, sem drama estilo RPG, sem mapa de campanha com escolhas ramificadas. Apenas cinco cenários, estilo arcade, cada um com seu próprio quebra-cabeça militar desesperado para resolver. Por um lado, mantém as coisas focadas e intensas. Por outro… cinco missões. É só isso. Você consegue passar o jogo inteiro em menos de uma hora. E para um título de lançamento de PS2, esse tipo de duração não é lá muito legal — mas tem um atenuante que abordaremos daqui a pouco.
O outro grande problema contra Gungriffon Blaze são, infelizmente, as próprias missões. E não tem uma maneira gentil de dizer isso: elas são uma bosta. Sério. Dos cinco cenários disponíveis, pelo menos três cometem o pecado mais aborrendo em todo o mundo dos games: missões de escolta.
Você já sabe onde isso vai dar. Missões de escolta nunca foram divertidas. Nem em 1990, nem em 2000, nem em 2025. Manter NPCs frágeis vivos enquanto eles fazem o melhor de suas imitações de lemingues correndo em direção ao fogo inimigo sempre foi uma receita para a frustração de querer quebrar o controle. E Gungriffon Blaze não é exceção.
Agora, darei o crédito onde é devido: as missões em que você é encarregado de realizar um objetivo específico enquanto a batalha mais ampla continua são genuinamente emocionantes. Infiltrar-se por trás das linhas inimigas para explodir a artilharia, ou correr para garantir um ponto de estrangulamento crítico enquanto seus aliados lutam com unhas e dentes — é aí que o jogo cumpre sua promessa de te colocar em uma zona de guerra viva. Mas aí vêm as outras missões, aquelas em que seu trabalho é basicamente ser babá de unidades de IA até o tempo acabar. E sejamos realistas: se há uma verdade universal no design de jogos, é que “ser babá” nunca é divertido. Infelizmente, metade de Gungriffon Blaze se baseia nessa exata fórmula. O que significa que, para cada missão que parece um filme de guerra de mecha emocionante, há outra que parece uma tortura. E para um jogo tão curto, essa proporção machuca.
Falando em quão curto o jogo é, temos o seguinte: apesar de sua brevidade, a falta de conteúdo não é realmente um problema. Na verdade, há bastante conteúdo desbloqueável — novas armas, módulos extras que concedem vantagens como blindagem reforçada ou poder de salto aprimorado, e até mesmo mechas inteiramente novos. Eles não são simplesmente dados a você, você os desbloqueia completando certas tarefas no jogo. Em outras palavras, é basicamente um sistema proto-conquista anos antes do Xbox Live tornar essa ideia popular. E isso dá ao jogo um fator de rejogabilidade surpreendentemente saudável, mesmo que a campanha em si mal dure mais do que um almoço. E se você leva bem menos que uma hora para almoçar, eu apenas posso lamentar pela sua futura úlcera
Visualmente, o jogo também se sustenta melhor do que você esperaria para um título de lançamento. Ele roda a 60 FPS suaves, os mechas tem um feeling apropriadamente massivos, e o fato de que quase todas as estruturas podem ser destruídas adiciona uma camada satisfatória de caos (embora, para ser honesto, não tenham lá muitos prédios para destruir em primeiro lugar).
O que acho particularmente interessante, no entanto, é o cenário. Máquinas de guerra enormes pisando em campos de trigo ou planícies vazias carregam essa vibe estranha e não intencional de ficção científica pastoral. Se você já viu as obras de Simon Stålenhag — o artista sueco que mais tarde inspirou a série Tales From the Loop — você sabe exatamente do que estou falando: paisagens do dia a dia pontuadas por máquinas massivas e surreais. Agora, eu acho que a Game Arts estava conscientemente fazendo uma declaração artística aqui? Absolutamente não. Eles provavelmente só queriam espaços abertos para batalhas mais fluidas. Mas a vibe ainda está lá, e não posso deixar de apreciá-la.
A apresentação funciona em outros lugares também. A interface, por exemplo, é uma bagunça caótica — poluída, confusa e sobrecarregada com mostradores e exibições. Mas essa é a intenção. Você não deveria sentir que está jogando um jogo de arcade confortável, você deveria sentir que foi jogado na cabine de um fortaleza ambulante de 5.000 toneladas construída no ano 2169. O HUD parece poluído porque pilotar um mecha gigante no meio de um campo de batalha deve parecer avassalador. Nesse sentido, ele acerta em cheio na imersão.
E então tem o design de som, que também acerta em cheio. A Game Arts sabiamente decidiu pular qualquer tipo de sintetizadores ambientes ou batidas futuristas bregas e, em vez disso, foi com tudo no heavy metal. E deixa eu te dizer, nada vende a fantasia de ser um senhor da guerra mecânico mais do que rasgar as linhas inimigas enquanto os riffs de guitarra estão derretendo seus ouvidos. Essa parte é nota dez.
Então, no final, Gungriffon Blaze acerta em quase tudo o que se propõe a fazer. Você realmente se sente como se estivesse pilotando uma máquina de guerra enorme — parte tanque blindado, parte deus da morte com jetpack — jogada no caos de um campo de batalha. A IA vende a ilusão de uma zona de guerra viva, os visuais e o desempenho eram excelentes para um título de lançamento, e a trilha sonora de heavy metal faz toda a experiência parecer que você é a estrela principal de sua própria ópera rock de mecha. A Game Arts alinhou todos os ingredientes certos para entregar um clássico instantâneo.
E então… as missões acontecem. O design do jogo tropeça de cabeça em um dos tropos mais abominados na história dos videogames: missões de escolta. Mais de uma vez. A base estava aqui, a promessa estava aqui, a grandeza estava bem à porta — mas, graças a essas escolhas de design, Gungriffon Blaze acaba sendo um clássico que quase foi. Tão perto da grandeza… mas tão longe.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWEREDIÇÃO 075 (Junho de 2000)