Olha só como a vida tem coisas engraçadas: acabei de terminar Diablo II exatamente três anos depois de escrever minha review do DIABLO original. 23 de setembro de 2022—quase uma vida inteira atrás, quando eu penso nisso. Tanta coisa mudou desde então, e há tantas coisas que eu faria diferente se tivesse a chance... mas uma coisa que eu NÃO mudaria é a minha opinião geral sobre o primeiro jogo: a Blizzard acertou em tudo ao redor de DIABLO em 1996—exceto na jogabilidade em si.
O que quero dizer é o seguinte: a atmosfera, a apresentação, a lore — tudo isso é estelar. A trilha sonora gotejava melancolia e loucura, criando um clima que parecia saído de Lovecraft e que mais tarde ecoaria no DNA do que hoje chamamos de jogos "soulslike". A construção do mundo também era impressionante para a época: uma terra sombria e condenada, presa entre a guerra infinita do Céu e do Inferno, onde nenhum dos lados é verdadeiramente bom. Até a pixel art se sustenta surpreendentemente bem hoje, com suas sombras pesadas e escuridão opressiva.
Mas aí vinha a parte que você deveria, você sabe, jogar o jogo. Os layouts das masmorras se repetiam infinitamente. As classes não tinham profundidade. A variedade de loot era superficial. E a velocidade de movimento do personagem—pelo amor de Baal—parecia que você estava assistindo a uma lesma com andador. Naquela época, cheguei a uma conclusão simples: se a Blizzard pudesse preservar tudo o que funcionava—o tom, a música, a lore, a arte—e realmente consertar a mecânica central, eles poderiam muito bem acabar com um dos maiores jogos já feitos.
Só que no ano 2000 a Blizzard colocou seus óculos escuros, botou "Battle Without Honor or Humanity" no talo (ok, a música em si só seria lançada alguns meses depois do jogo, mas viagem no tempo não é nada para um game designers que sabe o que está fazendo) e sentou para trabalhar... e então tirou os óculos escuros, pq programar de óculos de sol é horrível. Seja como for, meu ponto é que eles ouviram o feedback sobre o primeiro jogo e se propuseram a corrigir cada problema central.
O que eles fizeram foi radical, mas elegante: em vez de apenas reskinar um ciclo de jogo lento e repetitivo, eles redesenharam a coisa quase do zero de modo com que cada classe fosse jogada como um jogo inteiramente diferente. O Necromante controla um enxame de lacaios—construa sua horda de mortos-vivos e eles atacarão tudo que se aproxima de você automaticamente, meio que como um proto-Vampire Survivors
[SABE, VOCÊ PROVAVELMENTE É A ÚNICA PESSOA NO PLANETA QUE ACHA QUE VAMPIRE SURVIVORS É A REFERENCIA POPULAR PARA EXPLICAR UM JOGO UM BILHÕA DE VEZES MAIS POPULAR COMO DIABLO 2 E NÃO O CONTRÁRIO]
Eu trabalho com as ferramentas que eu tenho, Jorge. Mas seguindo, o Bárbaro é puro hack-and-slash na sua cara: mobilidade bruta, combos brutais, o tipo de classe que faz você querer ficar no meio de uma multidão e rir enquanto a reduz a pedaços. O Paladino inverte o roteiro novamente: um cruzado que concede buffs, aplica debuffs e controla o campo de batalha—pense nas habilidades de um bardo em D&D, mas aqui usando uma fullplate e que também distribui socos quando a diplomacia falha. Cada classe traz um ritmo distinto, e jogá-las é como pular entre jogos diferentes— o que se mal feito faria o jogo parecer uma colcha de retalhos safada (uma crítica que eu já fiz em alguns jogos como um aspecto bem negativo), aqui é feito da melhor maneira possível.
Eles não pararam por aí. Cada classe tem não apenas uma, mas três árvores de habilidades, e essas árvores permitem que você se especialize profundamente. Quer criar um Necromante focado em lacaios imparáveis? Siga esse caminho. Prefere um necro conjurador que castiga inimigos com maldições? Esse é outro caminho. Quer um Paladino cujas auras o transformam em um tanque ambulante? Vá em frente. Você também pode misturar coisas, gerando um sem fim de builds únicas e combos interessantes.
Além das classes, a Blizzard adicionou muitos outros sistemas—interações de habilidades mais profundas, sinergias mais sutis entre equipamento e habilidades, e diferenças significativas reais na forma como você aborda o combate e a exploração. O resultado é um jogo que ainda cheira ao clima e ao mundo do Diablo original, mas que é jogado como uma experiência muito mais rica e variada.
Já Diablo II chuta o balde. De repente, a história não está confinada a uma aldeia amaldiçoada, mas se espalha pelo mundo, com quatro atos distintos, cada um com seu próprio sabor temático e atmosfera. Você explora desertos inspirados no antigo Egito, selvas que ecoam ruínas mesoamericanas, fortalezas de montanhas congeladas e paisagens infernais que parecem pinturas arrancadas de pesadelos. Cada ato contém várias masmorras, mas a Blizzard as manteve em um tamanho digerível—raramente com mais de quatro níveis de profundidade—para que você nunca tivesse a "fadiga de masmorra" que atormentava o original.
Agora, eu entendo o argumento de que, nessa expansão de escopo, algo se perdeu. A melancolia opressiva de Tristram, aquele pavor Lovecraftiano rastejante, não se agarra a você da mesma forma quando você está correndo por desertos ensolarados ou selvas exuberantes. E sim, de certa forma, Diablo II parece menos uma história de horror íntima e mais uma viagem mítica por civilizações condenadas. Mas, se você me perguntar, essa é uma troca que vale a pena. A atmosfera é crucial, mas passar dezenas de horas no mesmo cenário—mesmo um tão icônico quanto Tristram—foi uma das maiores fraquezas do primeiro jogo. A decisão da Blizzard de abraçar a variedade deu a Diablo II não apenas longevidade, mas um senso de escopo épico que fez a guerra entre o Céu, o Inferno e a humanidade parecer verdadeiramente global.
Falando em expansão do mundo, a história em Diablo II não é realmente complexa—mas, novamente, DIABLO nunca foi tanto sobre um enredo intrincado quanto sobre clima e cenário. A versão resumida é a seguinte: no primeiro jogo, nosso herói sem nome—mais tarde canonizado como "O Errante"—conseguiu matar Diablo, um dos três Males Primordiais. Essa é a boa notícia. A má notícia é que em vez de destruir a pedra da alma de Diablo, o herói decidiu ir full Isildur e a manteve para si, pensando em aproveitar seu poder. E como toda história de fantasia já escrita nos ensinou: never go full Isildur.
E, para surpresa de absolutamente zero pessoas, o Errante é corrompido pela pedra da alma. A essência de Diablo o corrói por dentro até que ele se torna o hospedeiro do demônio. No entanto, essa corrupção não para na possessão: através dele, Diablo liberta seus irmãos igualmente desagradáveis, Baal e Mephisto, desencadeando uma cadeia de caos que ameaça mergulhar o mundo mortal em fogo infernal permanente. A queda do Errante é uma excelente solução para continuar a história—observar a lenta desintegração de um herói no próprio mal que ele pensou ter destruído.
E convem lembrar que no universo de Diablo, os anjos não são exatamente modelos de compaixão. O Céu é retratado menos como uma força benevolente e mais como uma burocracia distante que não se importa com o que acontece no plano material, a menos que os ameace. A única exceção é Tyrael, a exceção de um anjo que realmente olha para essa merda fodida e diz: "Yeah, this is fucked up shit". Tyrael se torna a única figura divina disposta a intervir, colocando os heróis mortais no caminho para derrotar Diablo, Mephisto e Baal—e, desta vez, garantindo que essas pedras da alma sejam destruídas corretamente em vez de guardadas como souvenirs.
Um breve parêntese: o remake de 2021, Diablo II: Resurrected, merece menção especial aqui. Ele não apenas trouxe a lendária qualidade das cutscenes da Blizzard para a glória moderna em HD, mas a adaptação brasileira também entregou uma dublagem do mais alto nível que eu já vi em um jogo. Esse é um dos casos que eu realmente recomendo jogar o jogo dublado, pq se dado o tempo e as condições corretas a dublagem brasileira é a melhor do mundo — e aqui é um caso em que claramente foram dado o tempo e as condições corretas.
E agora que cobrimos os fundamentos, vamos finalmente à pergunta que todos realmente querem saber: Diablo II é realmente tudo isso que a internet nunca cala a boca?
Vou colocar desta forma: uma das principais razões pelas quais Diablo II se tornou tão lendário é o seu sistema de loot. No ano 2000, a maioria de nós não tinha a menor ideia do que sequer dopamina era, quanto menos como funcionava, e como recompensas aleatórias faziam nosso cerebro perseguir a próxima dose. Hoje, esse conceito é praticamente de senso comum, mas Diablo II já estava fazendo isso antes de termos as palavras para descrevê-lo. Cada morte de monstro era rolar os dados: talvez você não pegasse nada além de lixo, talvez você tropeçasse em uma arma de nível divino que redefinisse sua build. Inimigos mais fortes significavam melhores chances, mas nunca certeza, o que fazia com que cada batalha parecesse abrir um presente que poderia conter meias... ou a Excalibur.
E quando você conseguia algo raro o impacto era imediato. Talvez isso turbinasse seu personagem atual, permitindo que você atravessasse masmorras mais rapidamente. Ou talvez isso gerasse a ideia de uma build totalmente nova, levando você a começar do zero e experimentar o jogo de uma maneira completamente nova. Esse ciclo—lutar, lootear, melhorar, repetir—era um ciclo de feedback interminável que mantinha você grudado na tela às duas da manhã prometendo a si mesmo "só mais uma masmorra".
Mas Diablo II não era apenas sobre vício solo. Seu segundo grande triunfo foi a comunidade. No ano 2000, o multijogador online ainda era uma fronteira relativamente selvagem. Claro, QUAKE 3 ARENA e UNREAL TOURNAMENT haviam popularizado os deathmatches competitivos, mas o jogo cooperativo online—unir-se a amigos para alcançar algo em vez de apenas se fragar mutuamente—ainda era raro. É por isso que PHANTASY STAR ONLINE no Dreamcast causou tanto impacto, e por que Diablo II se tornou a pedra angular do PC daquela era. De repente, você e seus amigos podiam rastejar juntos pelo inferno, unindo loot, cobrindo as fraquezas uns dos outros e construindo equipes complementares onde a eficiência importava—especialmente em dificuldades mais altas, onde a coordenação era a diferença entre a sobrevivência e ter recomeçar a run do zero.
Pelos padrões de hoje, isso pode não soar como algo muito impactante. Vivemos em um mundo saturado de PvE online: de raids de World of Warcraft a fireteams de Destiny a caçadas de Monster Hunter. Mas em 2000, isso foi sísmico. Diablo II não apenas refinou o action-RPG—ele ajudou a lançar as bases para como o jogo cooperativo online evoluiria por décadas. Então, da próxima vez que você estiver morrendo em uma raid de WoW, jurando que Overwatch só te coloca com chimpanzés enquanto o outro time tem a seleção nacional da Coreia do Sul, ou aprendendo quatro novos palavrões em League of Legends, lembre-se: tudo isso—tanto o bom quanto o ruim — tem suas raízes rastreadas de volta até Diablo II.
Então agora você sabe por que Diablo II atingiu tão forte. Você deve estar se perguntando qual é a minha opinião pessoal sobre isso...
[NÃO, NÃO ESTAMOS. LITERALMENTE NINGUÉM ESTÁ PEDINDO SUA OPINIÃO SOBRE ISSO]
Que pena—eu vou dizer de qualquer maneira. Este blog não é uma democracia, e o Jorge não tem poder de veto. Minha opinião sobre Diablo II é simples: eu entendi. Eu realmente entendo por que se tornou um fenômeno. O loop de jogabilidade é absurdamente confortável; a Blizzard dedicou verdadeira arte ao design de classes e builds; e a expansão de tudo—loot, atos, mecânica—faz o primeiro jogo parecer, em comparação, um prova de conceito em vez de um lançamento finalizado. Quase tão importante quanto, seu lugar como um dos primeiros grandes sucessos de multijogador online PvE para PC nunca deve ser subestimado.
Então, sim—eu entendo por que Diablo II significa tanto. Ele cimentou padrões de design que ainda ecoam na cultura dos jogos hoje. Das gacha waifus de Genshin Impact à chuva interminável de loot de Borderlands, a ideia de um ciclo impulsionado por loot é basicamente inseparável do design multijogador moderno. Diablo II não inventou o desejo por um equipamento melhor, mas ensinou aos desenvolvedores (e a milhões de jogadores) quão deliciosamente compulsivo esse desejo pode ser.
[OK... MAS? PORQUE TEM UM "MAS", VOCÊ NÃO É DO TIPO QUE SIMPLESMENTE VAI COM A MARÉ SEM QUERER SER UM FLOCÃO DE NEVE ESPECIAL, NÉ?]
O que posso dizer? Você me conhece muito bem, Jorge. Provavelmente porque você é a única voz que ouço depois de três dias sem luz do sol. Sim, eu tenho algumas grandes ressalvas.
Em primeiro lugar: o sistema de "compartilhamento" de loot—ou melhor, a falta dele. Paradoxalmente, Diablo II é cooperativo e impiedosamente egoísta. Os itens caem para todos de uma vez, mas são essencialmente free-for-all: quem clica primeiro leva o prêmio. Isso significava que seu glorioso trabalho em equipe poderia se dissolver no instante em que uma espada brilhante atingisse o chão. Com amigos, isso geralmente se tornava um sistema socialmente negociado, mas os jogos públicos frequentemente se transformavam em caldeirões ferventes de saques de loot passivo-agressivos, roubo e ninjação de itens. Isso produz um tipo de toxicidade que não é exatamente o melhor ambiente do mundo, como você pode imaginar.
E essa opinião não é só minha, a Blizzard aprendeu com esse fato. Títulos posteriores—World of Warcraft é o principal entre eles—adicionaram regras de loot mais humanas precisamente porque os desenvolvedores notaram que enxertar mecânicas de escassez em conteúdo cooperativo criava toxicidade, e um ambiente tóxico é uma bola de neve: ele repele de imediato as pessoas legais e atrai ainda mais gente que tem prazer em fazer as coisas ficarem desagradaveis para todos... né não, League of Legends? Ainda assim, não vou pegar muito pesado com Diablo II por isso: ele estava sendo pioneiro. Você pode criticar o Modelo T por não ter ABS e cintos de segurança, mas também estaria perdendo o ponto: primeiro você constrói o carro, depois descobre do jeito dificil que itens de segurança são importantes. Diablo II estava inventando sistemas em tempo real, e tem coisas que só se aprende com a prática.
[QUE GENEROSIDADE DA SUA PARTE, UM ESCRITOR DE UM BLOG QUE NINGUÉM LÊ PERDOANDO UM DOS JOGOS MAIS POPULARES DE TODOS OS TEMPOS]
Eu sou verdadeiramente uma alma brilhante? Eu não sou benevolente além da compreensão mortal? Mas seguindo adiante, minha outra queixa com Diablo 2, no entanto, é menos uma questão de "eles não sabiam como fazer melhor naquela época" e mais algo que a Blizzard deveria estar plenamente ciente mesmo no ano 2000: o sistema de loot simplesmente não é bem equilibrado. A progressão em um RPG deve ser direta, certo? Você consegue um equipamento melhor, você se torna mais forte. Isso é game design 101. Quase duas décadas antes de Diablo 2, clássicos como Wizardry e Ultima já acertavam nesse ciclo. No entanto, de alguma forma, aqui, ele... não funciona bem assim.
Talvez tenha sido apenas minha sorte de RNG amaldiçoado, mas durante minha jornada eu acabei com o melhor equipamento possível no Ato I. Isso mesmo—o primeiro ato. Eu construí um necromante centrado em invocar esqueletos e, logo no início, consegui uma varinha e um... vamos chamar do que é, uma cabeça em uma jarra—ambos me deram +4 níveis de habilidade na minha slill principal. Depois disso absolutamente nada chegou perto. Nenhum item dropado, nenhuma recompensa, nenhuma atualização empolgante. Pelo resto do jogo, todo baú que eu abria e chefe que eu matava me fazia murmurar a mesma coisa: "Nah, passo."
Em um jogo onde o loot é suposto ser a cenoura pendurada na sua frente, o que resta quando você já tem a cenoura no ato um? Apenas uma longa e cansativa marcha onde as chamadas "recompensas lendárias" parecem bugigangas baratas em comparação com o que você já possui. Eu entendo—o loot é aleatório e, tecnicamente, eu fui "sortudo". Mas quando "sortudo" se traduz em ter efetivamente terminado a progressão de equipamento antes mesmo de a história começar a se desenrolar, isso não é sorte. Isso é design ruim. A Blizzard realmente deveria ter ajustado o sistema para evitar esse tipo de anticlímax.
Então, sim, eu ainda me diverti muito jogando Diablo 2. É atmosférico, é icônico, é viciante naquele jeito de "só mais uma masmorra". Mas a minha experiência pessoal nunca correspondeu ao elogio de "melhor jogo de todos os tempos" que vejo estampado por toda a internet. Porque se a única coisa pela qual o jogo é mais famoso—a caçada por loot—falha tão feio... bem, isso é um problema bem grande, né?
No final das contas, Diablo 2 ainda é uma aventura dos infernos (o trocadilho é intencional). A atmosfera, a direção de arte sombria, o combate vigoroso—tudo funciona. Mas para mim, a experiência será sempre colorida por aquela cenoura entregue cedo demais. Então, embora eu entenda por que Diablo 2 é elogiado, adorado, praticamente canonizado pela internet, minha própria experiência de jogo nunca atingiu esse status lendário. O jogo é ótimo, sem dúvida—mas se o "melhor jogo de todos os tempos" pode tropeçar tão feio na coisa pela qual é mais conhecido... bem, talvez seja verdade que o Diablo que esteja nos detalhes.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 134 (Dezembro de 1998)
EDIÇÃO 065 (Maio de 2000 - Semana 3)