terça-feira, 16 de setembro de 2025

[#1554][Dez/1999] SAMBA DE AMIGO


Por muito tempo, a Sega foi minha piada preferida.

Toda vez que eles patetearam, eu ri. Toda vez que tentavam se enganar (sim, Sega Activator, estou olhando pra você), eu revirei os olhos. Na chamada "guerra dos 16 bits", a arrogância deles com o Mega Drive não passava de fumaça e espelhos — o SNES esmagou a Sega com facilidade, e o único legado da Sega parecia ser um rastro de erros desconcertantes. Lançamentos americanos mais dificeis estragando jogos perfeitamente bons (para impedir que as crianças comprassem os jogos que não conseguiam terminar em um fim de semana, como STREETS OF RAGE 3 ou CONTRA: Hard Corps).

 O 32X sabotando o Saturn antes mesmo de ele respirar. O próprio SEGA SATURN— um labirinto técnico que ninguém pediu, com um lançamento tão malfeito que deveria ser estudado em aulas de comédia. E então o DREAMCAST, dividido entre duas placas-mãe em um duelo em que a Sega conseguiu perder para si mesma. Por anos, eles não foram meus rivais, eles eram minha piada recorrente. A Sega era o rei dos tolos, o eterno bufão da história dos games.

Mas então, algo mudou. Talvez fosse eu ficando mais velho, talvez fosse a Sega finalmente não ter mais nada a perder, mas quando o Dreamcast chegou, vi uma faceta diferente por trás dos tropeços. Suas finanças estavam um cadaver ambulante, sua reputação um saco de pancadas, e ainda assim — quando colocados contra a parede em sua hora final — eles atacavam com algo cru. Algo imprudente. Algo vivo.


Comecei a notar isso aos poucos: aqueles não eram mais os produtos cínicos de uma corporação tentando superar a Sony ou a Nintendo. Eram projetos apaixonados. Experimentos. Tiros desesperados, criativos e até mesmo belos, disparados no escuro. A Sega não estava mais tentando vencer a guerra — estava tentando deixar uma prova que existiram um dia.

E foi aí que meu antigo inimigo deixou de ser uma piada. Ele se tornou algo mais próximo de um rival que eu não conseguia deixar de respeitar. O tipo com quem você luta por anos, apenas para perceber que vocês estavam afiando as lâminas um do outro o tempo todo. Um inimigo, um guerreiro caído, mostrando sua verdadeira força não na vitória, mas no último ataque desesperado. É por essa lente que eu vejo Samba de Amigo — não apenas como mais um experimento excêntrico, mas como um pedaço da last dance da Sega. Uma despedida com cores de carnaval, ridícula e sincera, onde mesmo no fracasso eles mostraram uma centelha de quem realmente eram.

Então, aqui estamos em 1999, e os jogos de ritmo são a coisa mais quente no cenário dos fliperamas. Esqueça THE KING OF FIGHTERS 99. Esqueça o desfile interminável de jogos de luta crossover da Capcom. A verdadeira máquina devoradora de moedas na virada do milênio não era outro duelo de bolas de fogo — era DANCE DANCE REVOLUTION. Setas de neon, J-pop pulsante, luzes piscantes e a fila interminável de adolescentes tentando provar que podiam pisar mais rápido que uma britadeira. DDR e seus clones não eram apenas jogos; eram todo um ecossistema de fliperamas, um evento cultural.


E, claro, quando algo movimenta tantas fichas, você pode apostar que a Sega — a rainha indiscutível dos fliperamas — vai notar. Diga o que quiser sobre os erros da Sega nos consoles domésticos (e eu já disse, várias vezes), mas nos fliperamas eles nunca foram motivo de piada. Aquele era o reino deles, o campo de batalha deles, e sua coroa era inabalável. Então, naturalmente, a Sega olhou para os tapetes de dança de DDR e pensou: "É, temos que entrar nessa". Um jogo de ritmo da Sega não era apenas esperado — era inevitável.

O que era menos inevitável, no entanto, era como eles fariam isso. Eles poderiam ter seguido o caminho fácil: licenciar um monte de faixas populares, adicionar um tapete de dança neon genérico, colar a cara do Sonic em algum lugar do gabinete e dar o dia por encerrado. Mas esse navio já havia zarpado — ou melhor, esse navio havia sido sequestrado pela Konami e clonado centenas de vezes. Se a Sega quisesse entrar nas águas do ritmo tão tarde no jogo, eles não podiam simplesmente fazer o que todo mundo estava fazendo. Eles precisavam de algo ousado. Algo instantaneamente reconhecível. Algo que só a Sega seria louca o suficiente para tentar.

Eles precisavam de um tema. Não mais uma experiência rítmica sem rosto, mas um jogo rítmico com identidade. E o tema que escolheram não foi techno, não foi ícones pop do momento, não foi o j-pop. Não. A Sega optou pela escolha mais tropical, mexicana e com maracas que se possa imaginar: samba.

...Espera aí. O quê?


Então, Samba de Amigo é, em sua essência, um jogo de ritmo sobre a "cultura latino-americana". Seu personagem principal é um macaco de cartoon usando um sombrero mexicano gigante, balançando um par de maracas como se sua vida dependesse disso. A trilha sonora é essencialmente summer eletro hits tropical de tudo que soar latino e tropical. 

Claro, se você pesquisar online, vai encontrar algumas pessoas reclamando... pq isso é a internet, obvio que alguem vai reclamar. Afinal, samba é uma coisa especificamente brasileira, e a cultura brasileira não é intercambiável com o resto da América Latina ou do Caribe — nem de longe. Língua diferente, história diferente, geografia diferente e, francamente, o Brasil tem mais ligação cultural com a Africa do que com nossos vizinhos latinos. Então, sim, um jogo de ritmo de "samba" estrelado por um macaco mexicano balançando maracas faz tanto sentido quanto, digamos, um simulador de gaita de fole irlandesa estrelado por um alce canadense de quimono.

E ainda assim... eu, pessoalmente, acho fenomenal.


Porque samba tocado com maracas em uma playlist de verão latino cheia de neon é tão absurdo, tão inesperado, que realmente funciona. É puro caos, o tipo de absurdo que só a Sega, em sua era desesperada e criativa do Dreamcast, poderia inventar — e em vez de ser ofensivo, é simplesmente hilário. E acredite, como um brasileiro que literalmente mora no Rio de Janeiro, tenho autoridade mais do que suficiente para dizer que eu não me sinto ofendido. Me sinto entretido.

Agora, se a Sega criou intencionalmente essa mistura intercultural ou simplesmente não sabiam a diferença, honestamente, é difícil dizer. (E para ser justo, é bem comum que estrangeiros sequer saibam que não se fala espanhol no Brasil) Mas o que importa é que o resultado final é colorido, é ridículo e é estupidamente divertido. Então, sim — boa, Sega.

Então, Samba de Amigo é, em sua essência, a playlist definitiva de sucessos latinos de electro verão que o Celso Portiolli lançaria um CD no ano 2000. A trilha sonora é basicamente uma mixtape com tudo o que o lado das Américas que usa um sistema métrico racional poderia te oferecer. Estamos falando da icônica "Mas que Nada", de Sergio Mendes, da mundialmente famosa "Soul Bossa Nova", de Quincy Jones, mais Ricky Martin do que você consegue suportar e um punhado de remixes que podem não ser tecnicamente de origem latina, mas irradiam pura energia tropical — como o tema de Rocky reimaginado para uma festa na praia, ou o lendário "Volare", dos Gipsy Kings. A regra geral parece ter sido simples: se você consegue imaginar essa música sendo tocada em uma festa ao pôr do sol à beira do Atlântico, ela entra.


E é por isso que Samba de Amigo não é apenas um cashgrab sem alma tentando se aproveitar das moda de DANCE DANCE REVOLUTION. Desde a primeira nota, o SdA sabia exatamente o que queria ser e se comprometeu com essa visão sem vergonha e sem hesitação. É brilhante, é barulhento, é assumidamente tropical, e aquela playlist selecionada não apenas prepara o cenário — ela te agarra pelo pulso e te arrasta direto para o carnaval. A energia é contagiante, o tema é consistente e tudo te deixa vibrando com aquela vibe febril de festa de verão. Contra todas as probabilidades, a Sega não fez apenas mais um jogo de ritmo. Ela fez uma celebração.

Agora que temos a trilha sonora mais "ayayay caramba plus samba™" de todos os tempos, o próximo passo lógico para a Sega era se diferenciar pela jogabilidade. Quer dizer, claro, eles poderiam ter optado pelo óbvio: um tapete de dança, talvez algum instrumento de percussão aleatório ou outro dispositivo de entrada similar. Mas em 1999, todo mundo e a mãe de todo mundo já tinha feito isso. E a Sega não faz apenas jogos — ela faz o que eu gosto de chamar de "True Sega Arcade Experience™". O que significa que eles tinham que encontrar um instrumento tão único, tão inconfundivelmente tropical, que você jamais o esqueceria.

E assim, a Sega nos deu... as maracas.


[HÃ, EU NÃO ENTENDI. JÁ EXISTIAM JOGOS DE RITMO COM BONGÔS, GUITARRAS E ATÉ UMA MESA DE DJ. O QUE AS MARACAS TÊM DE ESPECIAL?]

Bem, Jorge, vou te dizer o que as maracas têm de especial — além de terem um dos nomes mais legais da história da música. A mágica não era o plástico dos instrumentos, era o sensor de movimento. Veja, Samba de Amigo não pede para você apertar botões no ritmo da batida — pede para você se mover. Os controles de maraca tinham sensores que rastreavam sua posição no espaço 3D. Isso significava levantar os braços bem alto, abaixar, balançar de um lado para o outro, tudo no ritmo de Ricky Martin. Não era mais um apertar de botão — era captura de movimento.

Hoje em dia, isso pode não parecer grande coisa. O Switch tem controles de movimento embutidos, e você mal percebe. Mas lembre-se — isso foi anos antes do Wii, antes do Kinect, antes do EyeToy. Na época em que a ideia de "seu corpo é o controle" ainda não era um clichê, mas uma revolução prestes a acontecer. Pense nisso: Kinect Adventures se tornaria o jogo de Xbox 360 mais vendido de todos os tempos, e o Wii causou tamanho frenesi cultural que até asilos os compravam para torneios de boliche de vovós. E de toda essa tempestade, Samba de Amigo foi o primeiro estrondo do trovão. E veio de um macaco mexicano sacudindo maracas ao som de "Livin' la Vida Loca".


E como se isso não fosse impressionante o suficiente, a Sega tirou outro coelho da cartola. Eles realmente descobriram como portar essa tecnologia de arcade para o Dreamcast — e fazer isso de forma barata o suficiente para que jogadores comuns pudessem ter em casa. Nada de monstruosidades caras, nada de equipamentos impossíveis de configurar. Só você, seu Dreamcast e um par de maracas com sensor de movimento.

Então, embora eu não possa afirmar que Samba de Amigo "inventou" o controle de movimento, eu posso afirmar o seguinte: foi a primeira vez que uma grande publisher o usou em um grande lançamento AAA como a principal mecânica de jogo. Não um acessório chamativo. Não um experimento paralelo. Era a estrela do show. Porque é isso que acontece com a Sega: o problema deles nunca foi faltar criatividde. O que lhes faltava era visão comercial — a capacidade de transformar essa criatividade em algo comercialmente imparável. Vez e vezes de novo, a Sega era a cientista maluca dos jogos, tropeçando em inovações anos antes da concorrência, apenas para nunca ter muita certeza do que fazer com isso.

Eles tinham VIRTUA FIGHTER, um jogo de luta 3D totalmente funcional, quando todo mundo ainda estava tentando descobrir como desenhar polígonos sem um supercomputador da NASA. Eles tinham o Sega CD, trazendo mídia em disco para os consoles enquanto todos os outros juravam que os cartuchos durariam para sempre. Eles até tinham o Meganet, o um sistema de jogo online no Mega Drive, numa época em que a maioria das pessoas nem sabia o que era essa tal de "interwebz".


E agora, lá estavam eles de novo: controle de movimento. Uma tecnologia de sensor de movimento totalmente funcional, produzida em massa e relativamente acessível, anos antes da palavra "Wii" significar qualquer coisa além de um espirro na sede da Nintendo. A Sega a teve primeiro. Eles mostraram ao mundo o que era possível. E então, como sempre, eles falharam em capitalizar. Porque a Sega nunca capitaliza. Eles são o eterno Caveira Vermelha dos games, para sempre condenados a levar outros a tesouros que eles próprios jamais poderão possuir.

Mas, embora eu não possa negar que a Sega nunca viveu para ver o futuro do sensor de movimento que um dia prometeu, posso afirmar o seguinte: Samba de Amigo continua sendo uma experiência maravilhosa exatamente como se propôs a ser. Uma trilha sonora temática matadora. Tecnologia inovadora e lúdica. E, de alguma forma, essa mesma magia dos fliperamas foi adaptada para consoles domésticos a um preço que as crianças realmente sonhariam em pagar. Se você pedisse mais de um jogo de ritmo, eu honestamente não conseguiria imaginar o que seria.

E aqui, para mim, é onde o círculo finalmente se fecha. Quando a sexta geração começou, eu não sabia nada sobre o Dreamcast. Nunca tinha segurado um controle, sequer tinha visto um. A única coisa que eu ouvia era o mito dele sussurrado na internet — uma "joia escondida", um console que parecia um unicórnio perdido no tempo. E agora eu entendo. Eu realmente entendo. A Sega, a empresa que passou anos sendo o motivo de chacota, de repente brilhou mais forte quando o relógio estava marcando suas últimas horas. Eles entregaram: criatividade, inovação, risco. Uma última resistência desesperada feita por uma empresa sem nada a perder.


E eu seria negligente, como alguém que está contando a história dos videogames, se não reconhecesse a profundidade das marcas que eles deixaram. Depois que o Dreamcast caiu, a Microsoft percebeu por que o online nativo importava. A Nintendo encontrou nova vida para ideias de sensor de movimento como o Samba de Amigo. A Sony percebeu que jogos experimentais e "estranhos" poderiam chamar a atenção, especialmente no Japão — enriquecendo a biblioteca do PS2. A Sega plantou essas sementes, mesmo que nunca tenha conseguido colhê-las.

Então, aqui está algo que eu nunca pensei que escreveria: eu... respeito a Sega. Não ironicamente, sério. Eles estavam lutando uma batalha impossível de ser vencida colina acima, mas lutaram mesmo assim. Não porque a vitória fosse possível — mas porque lutar era a única coisa que eles podiam fazer.

E por isso, Sega, minha antiga rival — eu te respeito.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 161 (Março de 2001)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 063 (Maio de 2000 - Semana 1)


EDIÇÃO 067 (Junho de 2000 - Semana 1)