Cara, às vezes eu queria que este blog tivesse leitores de verdade em vez dos mesmos três crawlers do Altavista que aparecem uma vez por semana para verificar se o domínio está disponível para virar um site de bets. Pelo menos aí eu teria algum reconhecimento e não teria que me autocongratular sozinho toda vez que eu provasse, mais uma vez, que entendo de videogames em um nível que o reles mortal não seria sequer capaz de imaginar.
[CLARO, PORQUE TENHO CERTEZA QUE TE VOCÊ SOFREU IMENSAMENTE TODAS AS INÚMERAS VEZES QUE VOCÊ SE AUTO-PARABENIZOU...]
Quieto, Jorge. Eu apenas relato fatos aqui, não editorializo. E o fato é este: In Cold Blood (um jogo que eu vagamente me lembro de ter jogado quando criança sem nunca passar da primeira fase) é um daqueles momentos em que posso dizer com segurança: "Viu? Eu entendo de jogos."
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Capa europeia do jogo |
Vamos começar pelo começo então. Primeiras impressões: In Cold Blood parece, anda e fala como um survival horror. Ângulos de câmera fixos? Check. Cenários pré-renderizados? Check. Controles de tanques? Check. Combate durango? Check. Aquele clássico feeling de "para onde diabos eu vou agora?" Check. Na época, as revistas sequer hesitaram em o classificar como um survival horror — bem, na época o termo usado era "clone de Resident Evil", mas vc entendeu a ideia. E para ser justo, à primeira vista a matemática bate: o jogo preenche todos esses requisitos para se passar por um.
Mas então, quanto mais eu jogava, mais uma impressão dentro de mim começava a sussurrar: "Ei... espera aí. Isso não é um survival horror. É um point'n click usando controles de tanque." E, sim, eu sei — o gênero survival horror é um filhote do point'n click, desde que ALONE IN THE DARK lançou essa moda em 1992. Coletar itens para resolver puzzles, portas trancadas, rodar pelo mapa — tudo isso vem do DNA clássico dos adventure, só que em uma engine 3D. Mas não é disso que eu estou falando.
O que estou falando é que In Cold Blood carrega certas assinaturas únicas que pertencem muito mais à linhagem do adventure do que do survival horror. Para começar, quase todos os objetos interativos no ambiente desencadeiam um comentário sarcástico do nosso herói — o tipo de comentário irônico que você esperaria do Guybrush Threepwood, não da Jill Valentine. E os quebra-cabeças raramente são sobre "encontre a chave vermelha para a porta vermelha". Mais frequentemente, são sobre alguém bloqueando seu caminho, forçando você a vasculhar seu inventário e inventar alguma solução absurda para distrair, enganar ou contornar o obstáculo. Novamente, muito mais parecido com o que você esperaria encontrar em THE SECRET OF MONKEY ISLAND do que em RESIDENT EVIL.
E por isso mesmo o loop do jogo acaba passando essa mesma impressão, é menos sobre abrir caminho com tudo através de hordas de inimigos e mais sobre usar aquela "criatividade freeform de apontar e clicar", vamos colocar assim. O jogo não pergunta: "Você tem balas o suficiente ainda?". Mas sim: "Quão criativovocê consegue ser com o lixo que você pegou?". Aí então eu decidi verificar quem tinha feito este jogo e adivinhem? In Cold Blood vem direto da Revolution Software!
[HÃ… ISSO DEVERIA TER SOADO FAMILIAR?]
Bem, não imediatamente. A Revolution não é exatamente a realeza dos jogos de aventura. Eles não são a LucasArts, nem a Sierra. Mas eles estão confortavelmente na segunda prateleira do gênero, a sólida classe média dos jogos de apontar e clicar. Eu até já falei sobre alguns dos trabalhos deles neste blog, como BENEATH A STEEL SKY e BROKEN SWORD 2: Smoking Mirror. Eles não fazem o tipo de jogo que aparece no livro "1001 Jogos que Você Deve Jogar Antes de Morrer", mas pelo menos seus títulos são sólidos e confiáveis no que se propõe a fazer.
E esse é o ponto aqui: a Revolution construiu toda a sua reputação criando point'n clicks. Então, é claro que faz sentido que, quando eles se aventuraram no mundo dos jogos de "ação" em terceira pessoa, o resultado tenha acabado cheirando a adventure por todos os poros. As piadas, os quebra-cabeças de objetos, a lógica que grita "tente de tudo até que algo funcione" — tudo de repente fez todo o sentido. Mas não se sinta mal por não ter percebido isso sozinho, caro leitor, apenas o mestre supremo dos jogos — ditado com uma visão aguçada e um dom para conectar pontos — poderia ter percebido esse fato tão facilmente.
[VAMOS FAZER UM MOMENTO DE SILÊNCIO PELO SEU SOFRIMENTO INDESCRITÍVEL ENQUANTO ELE TEM QUE FAZER O SACRIFICIO DE SE AUTOCONGRATULAR ...]
Bem, deixando de lado as observações do meu suposto fiel companheiro, a questão é: a Revolution conhece seus point'n click, e A Sangue Frio não é exceção.
A história aqui é um clássico thriller de espionagem. Você joga como um agente do MI6 — não AQUELE famoso — enviado para a nação fictícia da Volgia, um estado recém-criado a partir dos escombros da URSS. Há rumores de que os volgianos conseguiram uma nova tecnologia misteriosa. A CIA enviou um espião chamado Kiefer para investigar, mas ele desapareceu enquanto bisbilhotava uma mina de urânio. Os americanos, em sua infinita sabedoria, jogam o problema para os britânicos. Entra em cena Alpha, a chefe do MI6, que envia o Agente John Cord — amigo de longa data de Kiefer — para descobrir o que deu errado. Tenho quase certeza de que tem h pelo menos uma dúzia de filmes do James Bond com esse exato enredo, mas esse não é o ponto aqui. O ponto é o que o jogo faz com ele.
E é aqui que In Cold Blood faz algo bem interessante: representa a burocracia pós-soviética não como um antro de restos sinistros da KGB ou femme fatales saídas da Sala Vermelha, mas como... bem, burocracia. A maioria das pessoas que você encontra nas instalações governamentais de Volgia não são agentes malignos do mal tentando destruir o mundo ocidental — são apenas funcionários públicos entediados, mal pagos e sobrecarregados. Eles não têm nenhuma grande agenda contra você. Eles mal se importam com o ditador da Volgia. Estão apenas batendo o ponto e esperando o pagamento.
E é aí que os quebra-cabeças brilham. Você não passa por um técnico de manutenção bloqueando seu caminho enchendo ele de pipoco, em vez disso o jogo se inclina para a engenharia social: obter as licenças certas, falsificar identidades (que ninguém se dá ao trabalho de verificar muito a fundo porque, novamente, apatia do funcionalismo público) ou entrar em áreas restritas por meio de gambiarras.
Um dos meus momentos favoritos é um puzzle em que você precisa assistir a uma partida de futebol na TV — Dínamo de Kiev contra Spartak de Moscou, tenho certeza que a Revolution não pagou um centavo para usar os nomes reais dos times — para depois poder usar o assunto em uma conversa e ganhar a confiança de um funcionário do depósito. Isso não é "atirar na fechadura da porta". Isso não é "combinar a chave vermelha com a porta vermelha". Isso é diferente. Isso é original.
Claro, nem todo quebra-cabeça é um golpe de gênio burocrático. Você ainda encontrará a rotina de sempre: encontrar chaves, coletar explosivos para explodir escombros, as travessuras padrão de "point'n click starter pack". Mas mesmo assim, tenho que dar algum crédito a Revolution — pelo menos eles tentaram variar as coisas. Às vezes, chega a se aproximar de algo que lembra espionagem realista. Claro, existem robôs assassinos à espreita, mas eu estou assumindo que espiões da vida real passam muito mais tempo bajulando funcionários desinteressados do que lutando contra máquinas da morte. Posso estar errado.
E se o jogo tivesse permanecido nessa linha — um point-and-click criativo, com toques de espionagem e algumas reviravoltas inovadoras — In Cold Blood poderia ter sido lembrado como uma joia peculiar e subestimada. Mas aqui está o problema: In Cold Blood não é um point-and-click. É um jogo de tiro de ação. E nesse quesito, a Revolution estava claramente muito, muito fora de sua zona de conforto.
Me permitam então explicar como nosso bom e alegre agente britânico, John Cord, se movimenta. Resumindo: Cord se move como uma empilhadeira. Se você estiver se movendo para frente, não poderá girá-lo. De jeito nenhum. Quer ajustar seu curso? Que pena. Você precisa parar, girar o corpo dele para a esquerda ou para a direita em um plano reto, como se estivesse alinhando móveis no THE SIMS, e então começar a andar novamente.
Agora adicione os ângulos fixos da câmera. Você nunca sabe exatamente para qual direção Cord está olhando até começar a andar. Então, atravessar até mesmo o menor dos cômodos se torna uma provação: dê alguns passos à frente, perceba que está indo de cara para parede, pare, gire, tente novamente, agora virou demais, pare, gire novamente. Duas ou três correções de curso só para andar quatro metros de chão. E isso é um cômodo. Agora imagine fazer isso por sete horas seguidas. Já vi pessoas terem colapsos mentais completos por muito menos que isso.
Mas existe outra maneira de se movimentar. A Revolution, em sua infinita sabedoria, adicionou um botão de "aceleração". Segure-o (R2 por padrão no PS1) e, de repente, John Cord deixa de ser uma empilhadeira e se transforma em... um carro de corrida. Ele acelera e agora — finalmente — você pode virar para a esquerda e para a direita enquanto se movimenta. Parece um avanço, certo? Bem, seria... se você estiver jogando DAYTONA USA CHAMPIONSHIP CIRCUIT EDITION. Porque é exatamente assim que a sensação é. Cord não anda mais rápido; ele dirige. Ele não vira, ele faz curvas, ele está a uma equipe de pit stop de competir em Le Mans.
Agora, por favor, me diga: quão bem você acha que a mecânica de pilotar seu boneco se adapta à navegação por corredores minúsculos, escritórios atulhados de tralhas e porões soviéticos claustrofóbicos? Porque alguém na Revolution claramente achou que era uma ideia brilhante. Não tenho certeza se eles estavam projetando um thriller de espionagem ou uma volta de aquecimento para Mônaco. Então, depois de mais de sete horas de jogo, não importa o esquema de controle que você escolha, se movimentar é uma agonia. Uma agonia absoluta. Ainda me impressiona como a Revolution conseguiu encaixar não um, mas dois dos piores sistemas de movimentação que eu já vi na vida NO MESMO JOGO! Chega a ser um fenomeno isso!
Mas tudo bem, eu tenho uma boa ideia do que aconteceu aqui. A Revolution obviamente queria fazer um jogo de apontar e clicar, porque é isso que eles sabiam fazer. Mas então a Sony da Europa — que surpresa se não ia ter o toque sexual (aquele fode tudo que toca) europeu aqui — decidiu que point'n click não eram comercialmente viáveis no ano 2000... o que não está errado, mas ainda sim é contra meus principios morais dar razão a uma publisher europeia. Seja como for, então eles forçaram a Revolution a encaixar seu jogo de aventura em um molde de jogo de tiro 3D que eles não tinham a mínima ideia de como lidar. E o resultado é o que era pra ter sido um point'n click novo, criativo e até um pouco inovador se transformou em... sete horas de pura frustração.
Visualmente e sonoramente, In Cold Blood é até impressionante. No ano 2000 a técnica de mesclar fundos pré-renderizados com modelos de personagens 3D já esta totalmente dominada e aqui é um dos melhores usos dela no PS1 (atrás de ALONE IN THE DARK: The New Nightmare, mas então esse jogo seria lançado apenas dali a um ano). Os ambientes são ricos em detalhes, a atmosfera é convincente e até mesmo a dublagem é surpreendentemente competente. O tom pende para um tom meio sério/meio paródia de um filme de James Bond — e todos sabemos que a dublagem no PS1 não é algo que nem remotamente podia ser dada como garantida. Então, crédito a quem merece: Revolution acertou nessa parte.
Mas aí a versão para PS1 faz algo imperdoavelmente irritante. Sim, os cenários são lindos, mas são lindos demais no sentido errado. Você nunca sabe o que é interativo e o que é só decoração. Alguns objetos podem ser pegos, outros são só enfeites de fundo, e o jogo não dá nenhuma indicação de qual é qual. O que significa que você acaba caçando pixels como se estivesse em 1993, cutucando cada canto só por "vai que?".
E aqui está o curioso: a versão para PC corrige isso. Os itens com os quais você pode interagir têm um brilho, então você não perde nada. Por que isso não estava na versão para PS1? Meu palpite é que como a versão para o PS1 veio primeiro, eles lançaram, viram a merda que tinham feito e no desespero corrigiram o problema na versão para PC lançada alguns meses depois.
Quanto ao combate, bem... sim, ele existe. Os recursos de furtividade permitem que você use um sensor de movimento para rastrear patrulhas de guardas, para que você possa se esgueirar por trás deles e nocauteá-los com um único golpe. Essa é a ideia, pelo menos — se os controles ou a hit detection funcionarem, eu não contaria muito com isso. Alternativamente, você pode simplesmente sacar sua arma e atirar neles. O jogo faz toda a mira para você: segure o botão, Cord levanta a arma e pronto. É isso. Sem arsenal sofisticado, sem progressão, sem habilidade de mira envolvida. Apenas a mesma pistola do início ao fim. Mas então, considerando tudo o que eu disse sobre as tentativas de Revolution de criar uma jogabilidade de ação, talvez tenha sido para o melhor que eles não tentaram se aprofundar mais.
Então, no fim das contas, In Cold Blood não é tão ruim quanto é desapontante. Graças à possibilidade de salvar a qualquer momento, está longe de ser impossível de jogar. Mas os controles são horríveis e, combinados com as câmeras de angulos a lá survival horror, você constantemente perde a noção de para onde sua empilhadeira/carro de corrida/agente secreto britânico está virado.
O que dói é saber o que este jogo poderia ter sido. Se a Revolution tivesse tido permissão para fazer a aventura point-and-click que eles claramente queriam, com as ideias inteligentes que introduziram, poderíamos estar falando de uma joia subestimada em vez de uma curiosidade frustrante. Mas, infelizmente, a Sony Europa tinha outros planos. E, bem... SE minha avó tivesse rodas, ela seria uma bicicleta. E se a Revolution tivesse conseguido se ater aos seus pontos fortes, "A Sangue Frio" poderia ter sido algo especial. Em vez disso, é apenas mais uma relíquia do ano 2000 — metade de uma grande ideia, enterrada sob sete horas de trabalho maçante.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 159 (Janeiro de 2001)
EDIÇÃO 063 (Maio de 2000 - Semana 1)