quarta-feira, 8 de outubro de 2025

[#1569][Dez/1999] HARVEST MOON: Back to Nature


Olha, eu vou ser bem sincero com vocês, eu não estava com a maior vontade do mundo de escrever uma review sobre este jogo. Afinal, eu já cobri HARVEST MOON 64 há poucos meses atrás, e não seria totalmente errado dizer que Back to Nature é apenas um port para o PlayStation desse título de N64, lançado no final daquele mesmo ano. E se for esse o caso, então qual é o sentido de fazer uma review inteira só pra um port, certo?

... mas então, também não seria errado dizer que Back to Nature não é apenas um port. De muitas formas, ele poderia ser visto como uma sequência completa—uma reimaginação, em vez de uma simples transferência de um sistema para o outro.

[TÁ, ENTÃO QUAL DOS DOIS QUE É? BACK TO NATURE É UM PORT OU UMA CONTINUAÇÃO?]

Bem, essa é a pergunta de um milhão de lotes lavrados, Jorge. E a resposta para isso é... sim.


Mas vamos começar pelo começo: a primeira impressão que você terá de Back to Nature é que olhando de longe, ele parece exatamente com HARVEST MOON 64. E se você olhar mais de perto... vai parecer que está de longe. Isso acontece porque a Natsume não apenas "se inspirou" no jogo anterior—ela copiou e colou a maior parte dele diretamente. Sprites, retratos de personagens, até mesmo animações foram transportadas inteiras, e o pouco que foi convertido para 3D ainda segue a mesma direção de arte. À primeira vista, quase parece que eles abriram os arquivos do projeto N64, clicaram em "Salvar Como" e deram o trabalho por encerrado. O que não seria nenhum absurdo, construir tudo do zero teria sido muito mais caro, então a Natsume seguiu o caminho pragmático (embora pareça preguiçoso): reciclar tudo o que funciona e corrigir o resto. Então, sim, em um olhar rápido, não é totalmente errado descartá-lo como um simples port.

E não ajuda o fato de que Harvest Moon é... bem, Harvest Moon. Você ara, você planta, você rega, você colhe. Você tem seu cachorro leal, seu cavalo trotando pelo campo, suas vacas e ovelhas esperando por atenção—é o mesmo ciclo reconfortante de tarefas e estações que definiu não só a série na época, mas os jogos de fazendinha até os dias de hoje. Se você jogou HARVEST MOON 64, você pode pular para Back to Nature sem ler um único tutorial. O ciclo de jogabilidade é o mesmo; a única grande diferença é que desta vez as coisas vieram embaladas em um CD ao invés de um cartucho.

Mas então, eu estaria sendo omisso ao dizer que Back to Nature é inteiramente o mesmo jogo. Na verdade, ser portado para um sistema tecnicamente mais fraco como o PlayStation acabou sendo uma espécie de bênção. Veja, Harvest Moon nunca foi uma série que se beneficiou muito do poder do hardware—o próprio jogo do Nintendo 64 poderia facilmente passar por um título de fim de carreira do SNES. O que importa, no entanto, é o espaço de armazenamento. E é aí que o formato de CD do PlayStation ganha o dia, oferecendo muito mais espaço para expandir o mundo, os personagens e os sistemas do jogo do que o cartucho do N64 jamais poderia sonhar.


Graças a esse espaço extra, Back to Nature introduz mais eventos, novas áreas de interesse e até mecânicas completamente reformuladas—principalmente, o sistema de culinária. Em Harvest Moon 64, cozinhar era pouco mais do que uma curiosidade: você tinha uma cozinha, podia fazer alguns pratos básicos, e era só isso. Sem ferramentas, sem experimentação. Em Back to Nature, cozinhar se torna uma feature completa. Você pode comprar utensílios como Frigideira, Panela, Batedeira ou Faca no Supermercado, e cada um desbloqueia novas receitas. Você pode até experimentar misturando ingredientes aleatórios para descobrir novos pratos—às vezes com sucesso, às vezes não.

E o jogo é repleto de adições mais bobinhas também, aquelas que parecem existir puramente porque a Natsume tinha espaço sobrando no disco para queimar. Um exemplo: você pode jogar um ovo na Fonte Termal e—voilà—ele se transforma em um ovo cozido. É completamente inútil (tá, não ÍNUTIL, o ovo vende por 30g a mais, mas ainda sim), e isso praticamente captura o espírito de Back to Nature como um todo: é uma versão maior, mais cheia de coisinhas e mais detalhada de Harvest Moon 64, onde até os menores elementos finalmente servem a um propósito. O que costumava ser enfeite cosmético em HM64—como a afeição do seu cachorro, por exemplo—agora realmente é utilizado pra alguma coisa.

Eu não vou listar todas as novidades aqui, mas o meu ponto é que você poderia argumentar que, em vez de ser apenas um port, Back to Nature está mais para uma atualização expandida—algo entre uma "Edição Jogo do Ano" e um pacote de DLC. Talvez "Harvest Moon 64: Champion Edition" fosse um nome apropriado. Mecanicamente, essa descrição não estaria longe da realidade. Você poderia até chamá-lo de Harvest Moon 64.5. Mas isso só é verdade para seus sistemas e jogabilidade—não para a experiência geral. Nem de longe.

O que as pessoas mais se lembram sobre Harvest Moon 64 não é a rotina diária das tarefas da fazenda—é a sensação de comunidade. Aquele sentimento genuíno e vívido de fazer parte de uma cidade pequena onde todos se conhecem pelo nome. É aquele pequeno pedaço de paraíso onde as senhoras idosas na varanda ainda se lembram de você como o pequeno sapecote que tocava a campainha e saia correndo.

Agora, não estou dizendo que Harvest Moon 64 é Dostoiévski nem nada, mas a Natsume claramente tentou. O jogo captura mais do que a rotina de regar colheitas, ele oferece um vislumbre das vidas dos moradores da cidade. Você quase pode sentir o cheiro do ar do campo quando todos se reúnem no bar local depois de um longo dia, compartilhando bebidas, fofocas e momentos silenciosos de melancolia interiorana. Cada personagem tinha uma pequena história—um pouco de alma que tornava a repetição significativa.

Pegue Karen, por exemplo: seu relacionamento tenso com o pai é um dos arcos mais memoráveis do jogo. Se o jogador não intervier, ela se rebela e deixa a cidade completamente no segundo ano. Ou Ellie—que suportou a perda de ambos os pais e, eventualmente, de sua avó. No entanto, ela se recusa a deixar a tragédia defini-la, sempre sorrindo, sempre seguindo em frente. Não é algo que se diga "minha nossa, cancelem o Nobel de Literatura desse ano pq já temos um vencedor", claro, mas é sincero. A escrita em HM64 tem um calor humano que faz você se importar.


Em Back to Nature, não. Sim, tem mais cutscenes e eventos, mas eles são estéreis—cutscenes vazias que preenchem checkboxes em vez de contar histórias. Mary ainda é a bibliotecária tímida, mas é só isso que ela é. Ela tem seu diálogo, seus momentos roteirizados, sua rotina obrigatória de "garota tímida" saída de um dating sim genérico, e então... nada. Nada de desenvolvimento, nem fio emocional conectando suas cenas. E não é só ela, o jogo todo é assim. Back to Nature pode ter herdado o corpo de Harvest Moon 64, mas perdeu sua alma em algum lugar no caminho.

É por isso que eu defendo o argumento de que Back to Nature deve ser visto como um jogo inteiramente separado de HARVEST MOON 64. Claro, no papel, as mecânicas e recursos o fazem parecer HM64.5 na melhor das hipóteses—mas a sensação do jogo é radicalmente diferente. E se há uma coisa que eu disse frequentemente ao longo destes quase nove anos escrevendo este blog, é que o jogo que você joga na sua cabeça importa muito mais do que aquele que você joga com os dedos.

Agora, pessoalmente, eu me inclino um pouco mais para Harvest Moon 64, porque para mim, a atmosfera sempre supera a mecânica. Mas isso é apenas uma questão de gosto. Ambos os jogos se destacam em áreas diferentes, então realmente depende do que você mais valoriza em uma experiência Harvest Moon. 


Em Back to Nature, os personagens podem reutilizar os mesmos sprites, mas suas personalidades foram retrabalhadas quase inteiramente. Enquanto isso, HM64 ofereceu uma riqueza de pequenos momentos impulsionados pelos personagens—cutscenes únicas que eram acionadas à medida que você fazia amizade com os moradores, expansões da fazenda que se ligavam ao seu progresso, um álbum de fotos para completar e todos os tipos de segredos escondidos esperando para serem descobertos. Back to Nature troca isso por um overworld mais bonito, retratos de personagens mais limpos e um framerate mais suave. Ele refina os sistemas de agricultura com novos recursos como as máquinas de maionese, queijo e lã, a piscicultura e a capacidade de recrutar Harvest Sprites para ajudar na fazenda. As minas também são melhores—maiores, mais profundas, menos tediosas e finalmente com shortcuts.

Então, como eu disse, depende do que você quer de um jogo Harvest Moon. Se a sua alegria vem da agricultura em si e o lado social é apenas um bônus, então Back to Nature é provavelmente a sua melhor escolha. Mas se você está mais envolvido com o mundo e as pessoas—o calor da cidade pequena, as amizades imprevisíveis, aqueles eventos aleatórios que fazem o lugar parecer vivo—então HARVEST MOON 64 sempre terá a vantagem.


Isso sendo dito, existe uma mudança que aí não é questão de gostos subjetivo e eu vou dar o crédito a Back to Nature onde ele é devido: ele corrigiu a escolha de design mais ridícula em HM64, onde cada hora do jogo durava meros doze segundos em tempo real. Doze. Segundos. Eu não sei quem achou que transformar seu cozy jogo de fazendinha em um estado constante de pânico era uma boa ideia, mas fico feliz que essa pessoa não está mais tomando decisões por aqui. Assim, felizmente a Natsume percebeu o erro e deu aos dias de BtN um ritmo muito mais gerenciável. 

Mas, na verdade, ambos os jogos valem o seu tempo. Escolha o que mais lhe agrada—ou jogue os dois, se por acaso você tiver mais tempo livre para arar campos virtuais do que eu. O que eu duvido muito.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 160 (Fevereiro de 2001)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 077 (Agosto de 2000)


EDIÇÃO 083 (Fevereiro de 2001)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 066 (Maio de 2000 - Semana 4)