Ao começar a jogar esse jogo lançado atrasado para um caramba — era pra sair em 1999, mas foi se arrastando até ser lançado só em 2001 — a primeiríssima coisa que vai chocar seus sentidos é o quão absurdamente estiloso ele é. "Gêmeo DuMau: Cronicas do Ciprião" não é um jogo que tem uma excelente direção de arte, é uma excelente direção de arte que acontece de ter um jogo de penduricalho. Então, sim, vamos falar sobre isso — porque assim que você começa a jogar, fica dolorosamente claro que a direção de arte é tudo o que Evil Twin realmente tem a seu favor.
Como eu disse, é impossível falar desse jogo sem mergulhar no seu senso de estilo avassalador. É tão único, tão comprometido com sua estética, que eu até parei por um momento só pra checar se não era algum projeto perdido do American McGee. Não é — mas poderia ter me enganado. A arte conceitual suja, rabiscada à mão, a trilha sonora que flerta com o delírio e os modelos de personagens que parecem ter saído rastejando de uma história em quadrinhos rejeitada da Dark Horse Comics fazem tudo parecer que pertence àquela era de ouro do alternativo kitsch do final dos anos 90.
Se você me dissesse que Evil Twin era um spin-off de Spawn sobre a descida de uma criança à loucura, eu provavelmente acreditaria. Ele tem toda a aparência e o som para isso — como se American McGee’s Alice tivesse tido um filho com THE CITY OF LOST CHILDREN, e esse filho tivesse crescido num porão francês úmido, cercado por brinquedos quebrados e música de parquinho melancólica.
Toda essa loucura criativa vem da mente de Bertrand Eluerd, um compositor e artista francês falecido em 2005 que claramente curtia essa estética gótica-beirando-a-insanidade. Na verdade, dá pra dizer que Evil Twin é menos um videogame e mais um subproduto da visão pessoal de Eluerd sobre pesadelos de infância e inocência fraturada. O cara não escreveu apenas a música — que, aliás, tem três volumes completos de trilha sonora — ele estava profundamente envolvido no design de personagens e na construção do mundo do jogo, trabalhando lado a lado com a diretora de arte Stéphane Bachelet e o roteirista (e seu irmão) Guillaume Eluerd.
E quando você se inteira mais sobre a carreira de Bertrand, isso fica bem evidente. Cada cenário, dos brinquedos de parque de diversões enferrujados aos fragmentos flutuantes de sonhos desfeitos, parece uma pintura que ganhou vida — embora uma pintura deixada pela metade, borrada e que provavelmente vai prender sua alma nela se você olhar depois da meia noite. Há uma tensão estranha, quase bonita, entre o melancólico e o grotesco que permeia tudo. Dá pra notar que não está apenas tentando ser "sombrio", está tentando te deixar desconfortável de um jeito poético.
E eu não vou mentir — a cutscene de abertura, que se arrasta por quase oito minutos, é de longe a melhor parte do jogo inteiro. Ela é melancólica, atmosférica e absurdamente estilosa no melhor jeito "que diabos eu estou assistindo?".
Começa em um orfanato enferrujado e úmido, o tipo de lugar que parece ter sido construído em algum lugar entre SILENT HILL e Garbage Pail Kids. Tudo parece doentio, em decomposição e estranhamente vivo. As paredes respiram, os brinquedos parecem te julgar, e a iluminação poderia dar uma enxaqueca no Tim Burton. Dentro desse aconchegante cenário, um grupo de crianças está dando uma festa de aniversário para seu amigo, Cyprien — ou "Cyp", para os intimos.
Infelizmente para eles, Cyp está sendo um babaca rabugento sobre tudo isso. Acontece que aniversários não são bem a praia dele — principalmente porque foi o dia em que seus pais morreram (o que, vá lá, ralmente é algo que acaba com o clima de festa de qualquer um.)
Mas, em vez de ficar emburrado num canto ou bater portas como o seu protagonista órfão angustiado típico, Cyp decide pirar de vez. Ele não é só uma criança triste — ele é uma criança triste psíquica. Num acesso de raiva, suas emoções literalmente rasgam uma fenda na realidade, invocando um enxame de tentáculos Lovecraftianos que entram no orfanato e arrastam todo mundo — seus amigos, ele mesmo e até seu ursinho de pelúcia — para algum tipo de dimensão paralela de pesadelo.
E é aí que ele traça a linha. Você pode mexer com os amiguinhos do Cyp, pode arrastar ele para o inferno, mas ninguém mexe com o Sr. Lenny, seu ursinho de pelúcia. Ninguém!
A partir daí, a história vai full Labirinto — menos a calça colada do David Bowie e os Muppets cantores, infelizmente (embora o NPC que te dá o tutorial é realmente um balanço pendurado sabe lá Ziggy Stardust onde). Cyp tem que se aventurar por essa dimensão surreal e imunda feita de ferrugem, lixo e pesadelos esquecidos, em uma missão para resgatar seus amigos e seu amado urso de pelúcia. Ao longo do caminho, ele encontra sociedades bizarras onde pessoas literalmente divididas ao meio são oprimidas pelas "inteiras", porque é claro que são. A esse ponto, você apenas já desistiu de questionar e apenas concorda, porque a lógica já bateu o ponto há pelo menos meia hora atrás.
E sim — eu sei que isso soa como uma das introduções mais estranhas que eu já escrevi, mas é porque Evil Twin tem uma das introduções mais estranhas já feitas. Por baixo de todo o caos, porém, há de fato uma ideia inteligente enterrada ali em algum lugar. Assim como em Alice: Madness Returns, este mundo distorcido e decadente deveria refletir o trauma de Cyprien, sua psique fraturada e seus relacionamentos questionáveis — teoricamente, pelo menos.
Na prática, é mais como um sonho febril que ocasionalmente se lembra de que deveria significar alguma coisa. Mas, mesmo assim, aquela intro é assombrosa, excêntrica e esbanja personalidade — o tipo de abertura que faz você pensar que está prestes a jogar algo inesquecível. Pena que o jogo de verdade aparece depois.
Quando se trata de jogabilidade, Evil Twin sofre de dois problemas principais que arrastam toda a experiencia para baixo. O primeiro — e mais óbvio — é que a jogabilidade é inacreditavelmente básica. Você pula, atira bolinhas de energia e... é isso. Sério. Esse é todo o conjunto de movimentos.
Se esse jogo tivesse saído, digamos, em 1995, seria banal, mas compreensível — um jogo ainda descobrindo como fazer funcionar uma câmera ou um sistema de plataforma em 3D que não podia se dar ao luxo de inventar muita moda. Mas como um título da sexta geração lançado em 2001, é simplesmente estupefaciente! (eu nem sei direito o que essa palavra significa ou sequer se ela existe realmente, mas isso não vai me impedir de utiliza-la)
Agora, para ser justo, dizer que o jogo não faz nada além de pular e atirar não é totalmente preciso. Existe, tecnicamente, uma "mecânica" onde Cyprien pode se transformar no Super Cyp, por algum motivo que nunca é totalmente explicado. Algo sobre lógica dos sonhos, energia psíquica, ou talvez só os desenvolvedores cansados de vê-lo emburrado.
Nessa forma, você pode atirar bolinhas de energia um pouco mais fortes e dar um dash no ar, o que parece legal até você perceber que a transformação não só dura bem pouco, como sua barra de energia do Super Cyp descarrega mesmo que vc não esteja transformado, então não tem nem como "guardar" a transformação para momentos chave, por assim dizer. Então, na prática mesmo, você passa 95% do jogo apenas pulando e atirando como se fosse um jogo de Nintendinho de 1985 — só que agora em um 3D obscuro com uma câmera que te odeia pessoalmente. É como se os desenvolvedores tivessem derramado toda a sua alma na direção de arte... e então percebessem aos 45 do segundo tempo: "Ah, é, tinha que ter um jogo aqui, né?"
Meu outro grande problema com Evil Twin é que, embora a jogabilidade seja dolorosamente básica, ele de alguma forma consegue errar até nisso. Vamos começar pela câmera, que parece ter fugido de um título de lançamento do Sega Saturn. Eu não via algo tão ruim há muito tempo — e digo isso como alguém que sobreviveu a todo o lixo da quinta geração. Ela gira imprevisivelmente, fica presa na geometria e, ocasionalmente, simplesmente desiste de vez, deixando você adivinhando para onde deveria pular. Eu ainda daria um desconto se fosse um jogo do PS1 ou do N64, mas é inadmíssivel um jogo de Dreamcast/PS2 ter uma camera tão ruim em pleno 2001.
Depois, a mira automática dos tiros de Cyprien é... digamos... temperamental. Às vezes ele atira para a Lua com um inimigo diramente na sua frente, as vezes ela acerta uns tiros em inimigos que nem você estava vendo como se estivesse fazendo um teste para "O Procurado: Plataform Edition" (só para provar que consegue — ela só não quer fazer isso quando importa).
A hit detection é igualmente instável, como se o próprio jogo estivesse decidindo se está com vontade de registrar seus ataques. Às vezes você acerta um golpe limpo, outras vezes, ele ignora com um "nah, não estava prestando atenção — atira de novo, campeão". Eu meio que prefiro quando os jogos reconhecem minha existência, muito obrigado.
E então chegamos ao design de níveis, que é... bem, "sem inspiração" talvez seja muito gentil. Há uma leve sugestão de que cada mundo deveria refletir os medos e relacionamentos de Cyprien. O problema é que não temos ideia de quais são esses medos ou relacionamentos. O jogo nunca nos conta. Então, em vez de simbolismo psicológico, nós apenas recebemos uma coleção de ambientes aleatórios e imundos que parecem vagamente significativos, mas que na verdade não significam nada. É como se os desenvolvedores tivessem uma anotação no quadro branco que dizia "fases baseadas em trauma interno" e depois esquecessem de perguntar: "espera aí, qual trauma mesmo?"
Então, quando eu disse que Evil Twin é só estilo e nenhuma substância, eu não estava exagerando. Os visuais são perturbadores, imundos e delirantemente surreais, e essa é, honestamente, uma das melhores escolhas de design que eu já vi em um jogo. Ele transpira atmosfera — do tipo que faz você se sentir fascinado e vagamente enjoado ao mesmo tempo. É um mundo que parece ter sido pintado com ferrugem, insônia e pesadelos e, nesse sentido, é absolutamente inesquecível.
A tragédia é que o jogo por baixo de toda essa beleza é uma das coisas menos memoráveis que eu já joguei. Mecanicamente, ele é "funcional" em um dia bom, quando a câmera está se comportando e a detecção de acerto não está na pausa para o café. Tudo o que não é arte — movimento, combate, pacing— parece ter sido pensado depois, um placeholder que alguém esqueceu de substituir antes de lançar.
Você poderia argumentar que Cyprien’s Chronicles é o título de lançamento mais bonito do PlayStation 1 já feito — exceto que foi lançado uma geração inteira de consoles depois e seis anos atrasado para essa desculpa servir. E mesmo assim, provavelmente também não teria sido um dos melhores jogos de plataforma do PS1.
No final, Evil Twin é um lindíssimo desastre — um sonho febril gótico que merecia um jogo melhor ao seu redor. É um daqueles títulos raros onde a direção de arte e a trilha sonora contam uma história muito mais envolvente do que a jogabilidade real jamais consegue. No fim das contas, Evil Twin é a prova de que o estilo pode te levar longe — mas não pode te carregar através de uma plataforma com detecção de acerto ruim e uma câmera possuída pelo demônio do ódio.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 067 (Junho de 2000 - Semana 1)



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