sexta-feira, 24 de outubro de 2025

[#1579][Nov/2000] DRIVER 2: The Wheelman Is Back


Como eu disse na review há cerca de um ano atrás, o primeiro DRIVER: You Are the Wheelman foi um dos meus jogos de infância favoritos. O curioso é que ao revisitá-lo com olhos de adulto, em vez de destruir a nostalgia, isso me fez apreciá-lo ainda mais. Naquela época eu era só um moleque burro que não sabia de nada — e hoje eu sou um boomer rabugento que ainda não sabe de nada, exceto talvez uma ou duas coisas sobre as limitações de hardware do PS1. E isso é o bastante para entender o quão milagroso foi que a Reflections espremeu até a última gota do que dava de um hardware tão modesto.

Outra coisa que mudou completamente minha perspectiva é que, quando criança, eu não tinha a bagagem cultural para sacar as influências cinematográficas do jogo. Driver não era apenas um jogo de corrida — era uma carta de amor aos filmes clássicos de perseguição de carros dos anos 60 e 70. Hoje, depois de uma vida inteira assistindo Bullitt, Operação França e todas as perseguições com carros saindo de lado e viaturas da polícia capotando, eu consigo ver exatamente o que a Reflections estava tentando alcançar. E não era apenas uma referência escondida numa cutscene, a jogabilidade inteira foi projetada para parecer uma daquelas perseguições em alta velocidade — as derrapagens, as quase-colisões, a destruição veicular espetacular. Quando criança, eu só pensava: "Carros maneiros fazem vrum-vrum". Como adulto, percebo que DRIVER: You Are the Wheelman era pura pornografia para cinéfilos.

Então, o primeiro Driver tinha tudo: uma direção artística clara, uma identidade temática e um 'tour de force' técnico que levou o PS1 aos seus limites — e, obviamente o mais importante, continuava sendo incrivelmente divertido de jogar.

Mas não é por isso que estamos aqui. Um ano depois, a Reflections pegou a estrada novamente com uma sequência completa — Motoras 2: O Boleia Tá de Volta — dividida em dois discos. O dobro de cidades, o dobro de cutscenes, o dobro da energia de seriado policial dos anos 70.

E isso parece uma receita para o sucesso, certo? Quero dizer, fazer uma sequencia boa para um ótimo jogo deveria ser relativamente fácil. Veja que eu não disse sequências ótimas, mas pelo menos boas não é um bicho de sete cabeças. A fórmula é simples: corrigir os problemas do primeiro jogo, eliminar os bugs, adicionar algumas novas mecânicas que melhorem as antigas e forçar a engine só um pouquinho mais. Em outras palavras, fazer uma segunda viagem por aquele mundo imaginário que seja mais suave, mais rica e melhor em todos os aspectos mensuráveis.

Com um jogo base tão bom como DRIVER: You Are the Wheelman, ainda por cima, deve ser moleza fazer essa continuação ser realmente ótima, né?
... né?


Bom, como eu já cobri o básico de Driver na primeira review, vamos pular a recapitulação e ir direto ao que interessa — o que a Reflections realmente imaginou para esta sequência. Como eu disse antes, o primeiro jogo já tinha deixado o pobre PS1 suando em bicas, olhando para você com uma cara de "Estoy cansado, jefe" — e isso antes da Reflections pensar em adicionar mais coisas a ele. Quando eles apresentaram suas novas ideias, dá quase para ouvir o PlayStation tremendo: "Oh God. Please no."

As grandes novidades aqui são ambiciosas, meio que ambiciosas demais mas chegaremos a isso. Primeiro, a coisa mais óbvia é capacidade de sair do carro e andar pela cidade — não apenas para passear, mas para realmente roubar outros veículos no melhor estilo estilo GRAND THEFT AUTO. Segundo, um modo de dois jogadores completo. Ao que o PS1 urrou em desespero: "Eu não estava brincando, caras! Por favor, não façam isso, eu não aguento — por favor, Deus, não!"

Mas a Reflections não deu ouvidos. Eles olharam para a caixinha cinza exausta, sorriram e disseram: "Nah, você vai ficar bem." Então, eles foram lá e fizeram de qualquer maneira. SPOILER: o Playstation não ficou bem.

O resultado é que Driver 2 se tornou um dos jogos mais ambiciosos já tentados no primeiro console da Sony — uma maravilha técnica que parece estar a segundos de entrar em combustão espontanea. Era a Reflections em seu momento mais ousado e imprudente: tentando entregar um sonho inicial de mundo aberto em um hardware que mal conseguia manter os poligonos juntos.

E embora eu aplauda totalmente a ousadia da ideia, também tenho que reconhecer que talvez — apenas talvez — a Reflections devesse ter ouvido os pedidos desesperados por misericórdia do PS1. Porque fazer de Driver 2 um jogo onde você pode andar livremente por uma cidade 3D totalmente renderizada e, mais importante, pular para dentro e dirigir todos os carros que passavam, foi... bem, digamos que foi um pouco demais para a sua época.

Okay, vamos entrar na questão tecnica dessa brincadeira: há muito, muito tempo, atrás em uma galaxia muito distante, quando falei sobre JURASSIC PARK no Mega Drive, expliquei em detalhes por que jogar como o raptor não era tão divertido quanto parecia. O raptor foi uma adição de última hora — essencialmente um "NPC jogável" — e o problema é que a forma como um NPC e um personagem de jogador são programados é completamente diferente. NPCs são feitos para executar padrões previsíveis com custo mínimo de processamento, personagens de jogador, por outro lado, exigem toneladas de recursos extras porque o jogo precisa lidar com física, colisão, responsividade da animação, leitura de 'input' — o pacote completo. Transformar um NPC em um personagem de jogador é mais do que apenas mudar o sprite do seu bonequinho na tela.

Essa engasgada não é problema com o .gif, o jogo é todo assim

E agora (bem, no ano 2000, mas você entendeu), Driver 2 decidiu que todo carro na cidade deveria ser jogável. Cada um com seus próprios atributos de dirigibilidade, velocidade e manobrabilidade. Pense nisso por um segundo: a RAM paupérrima do PS1 agora tinha que rastrear cada carro não apenas como um NPC ativo seguindo trilhos pré-estabelecidos, mas também como um potencial veículo do jogador — o que significa que a 'engine' do jogo tinha que estar pronta, a qualquer momento, para transformar qualquer um deles no seu carro. O quão estressante você acha que isso é para o pobre hardware, ter que ficar tão alerta o tempo todo?

Deixa eu te dar uma dica: o GRAND THEFT AUTO original e o GRAND THEFT AUTO 2 — ambos permitindo que você roubasse carros — já sofriam com slowdown e engasgos exatamente por esse motivo... e aqueles eram jogos 2D! Agora imagine tentar fazer isso num ambiente totalmente 3D com iluminação em tempo real, física e mapas de cidades grandes. Pois é. Exatamente.

Caras, eu realmente, realmente aplaudo a ambição. Mas sejamos realistas — a Rockstar North, ninguém menos que a FODENDA ROCKSTAR NORTH, esperou até a próxima geração de consoles antes mesmo de tentar essa ideia em 3D. E não é porque eles pensaram nisso antes. Eles apenas sabiam que a tecnologia ainda não estava pronta. Então, com todo o respeito à Reflections — e digo isso sinceramente, porque eu tenho um respeito enorme pelo primeiro DRIVER: You Are the Wheelman — eu ainda acho que a porcaria da Rockstar North provavelmente sabe um pouco mais sobre videogames do que vocês, talvez tivesse sido do seu melhor interesse ter ouvido os caras.

Então, como você provavelmente já imaginou, a performance do jogo aqui é horrorosa.

O maior problema com o slowdown nem é que o jogo fica lento (bem, dã), mas sim que o jogo se perde inteiramente com os botões que vc aperta quando tá tudo lagando e com isso sua direção vai pro beleléu

E eu não quero dizer "horrorosa" no sentido moderno de mimimi da internet de: "Ah não, este jogo cai para 59.69 FPS em vez de 60, isso é literalmente injogável!" Não, não — não estou falando desse tipo de besteira mimada de contar 'frames'. Quero dizer terrível no sentido de taxas de 'frames' engasgadas, nível apresentação de slides, e — o pior crime de todos — 'pop-in' (objetos aparecendo do nada).

Porque me permita explicar que em um jogo que já é impiedosamente difícil, a última coisa que você precisa é de um carro aleatório se materializando do nada bem na sua frente, vindo a toda velocidade na contramão. Isso não é o jogo ser dificil, é o tipo de coisa que te faz arremessar o controle na parede.

E quando você está jogando um jogo tão exigente — onde até o menor toque no D-pad pode significar a diferença entre bater no carro do inimigo pra tirar vide dele ou dar de cara contra um muro de tijolos e ter que recomeçar toda a missão — talvez, apenas talvez, essa não seja a melhor hora para a taxa de frames despencar de repente.


Mas Driver 2 não tá nem aí. Ele derruba frames quando bem entende. Você estará perseguindo um alvo pelas ruas movimentadas de Havana, tudo finalmente dando certo pela primeira vez, e então boom — câmera lenta instantânea. Não do tipo cinematográfico bullet time, mais do tipo "meu hardware está derretendo". Você perde o controle, bate num poste e falha. É desse tipo de "horroroso" que estou falando. Não 59.69 FPS. Estou falando de um nível apresentação de PowerPoint com 'input lag' no volante de tão terrível.

Enfim, meu ponto é: quando você já tem um jogo que leva o hardware ao limite — e então decide forçá-lo ainda mais — você não consegue um milagre. Você o quebra. Porque, olha só, por mais que eu romantize as coisas nesse blog, o fato permanece uqe máquinas não são protagonistas de anime shonen. Elas não desbloqueiam um novo nível de poder ao exceder seus limites. Não tem montagem de 'flashback', nem discurso sobre o poder da amizade, nem aura brilhante seguida de "Nani?! Ele transcendeu o PS1!". Não, o hardware apenas... quebra. Ele desmorona sob o peso da sua ambição como uma mula velha forçada a carregar um caminhão de polígonos morro acima. O que vocês esperavam que acontecesse?

Mas sabe o que é pior? O que é REALMENTE pior? É que todo esse custo — toda essa agonia técnica — pra quê, exatamente? Praticamente nada.


Claro, você pode sair do seu carro agora, o que soa legal até você perceber que não há absolutamente nada para fazer a pé. Ok, tudo bem, existe uma mecânica: trocar de carro restaura sua energia e zera sua barra de "felony", mesmo se você fizer isso bem na frente de um policial — porque, aparentemente, neste universo, o carro é o verdadeiro criminoso, não o cara que acabou de dirigi-lo. Mas boa sorte usando esse truque, porque cada missão em Driver 2 tem limites de tempo absurdamente apertados que você não pode se dar ao luxo de perder um único segundo brincando de dança das cadeiras com veículos. Sério, eu perdi a conta de quantas missões terminei com literalmente um ou dois segundos restantes no relógio, então acredite em mim quando digo que parar para trocar de carro não é uma opção viável.

E fora isso não tem mais nada para fazer. Você pode andar por uma cidade morta sem atividades, sem conteúdo secundário, nenhuma razão para existir fora do seu veículo. Então, a Reflections efetivamente quebrou sua própria engine... pra quê, exatamente? Para nos deixar passear sem rumo por uma cidade fantasma?

Vou te dizer uma coisa: eu não achava divertido vagar por uma cidade vazia nem naquela época — e isso foi quando eu era um moleque burro sem internet, o que significa que eu literalmente não tinha nada melhor para fazer com meu tempo. Acho que não vou surpreender ninguém ao dizer que não ficou mais divertido 25 anos depois.


Mas ok, já reclamei o suficiente sobre como o desempenho é um pesadelo absoluto a serviço de praticamente nada interessante. Então, vamos deixar isso de lado por um momento. Se tirarmos o desastre técnico da equação... o jogo pelo menos funciona como uma sequência de Driver? E a resposta é... é. Bastante, sim.

Para seu crédito, Driver 2 realmente expande a série de várias maneiras significativas. Ele adiciona um punhado de novos modos como Gate Chase, Capture the Flag, Take a Ride e Checkpoint — e todos eles podem até ser jogados no modo de dois jogadores, o que honestamente é muito legal. Claro, o desempenho de alguma forma consegue ficar ainda pior em tela dividida (porque agora o pobre PS1 tem que processar tudo duas vezes), mas bater num muro porque a taxa de 'frames' do jogo despencou enquanto você e seu amigo estão rachando de rir é muito mais perdoável do que falhar na mesma missão pela décima quinta vez por causa disso. Não é o ideal, claro, mas é pelo menos engraçado — e isso conta alguma coisa.

O novo level design também merece elogios. A Reflections claramente aprendeu muito com os layouts rígidos, em forma de grade, do primeiro jogo. Driver 2 introduz estradas curvas, rodovias, rampas de entrada e saída, túneis e até garagens funcionais — todos toques sutis que fazem as cidades parecerem mais orgânicas e vivas. Comparado com as esquinas estritas de 90 graus de São Francisco e Miami no original, isso parece quase como comparar uma beta inicial com o produto finalizado.


Mas onde Driver 2 realmente brilha é em seu senso de lugar. Cada uma das quatro cidades — Chicago, Havana, Las Vegas e Rio de Janeiro — tem sua própria personalidade, layout e atmosfera distintos.

Chicago parece o seu Driver familiar: uma versão mais evoluída do playground urbano do original, com complexidade adicional, mas vibes familiares. Havana, por outro lado, te joga uma bola curva — literalmente — com suas ruas estreitas e sinuosas e design de estradas imprevisível. Parece antiga, improvisada, como uma cidade que cresceu naturalmente ao longo do tempo, em vez de ser planejada de forma organizada. Las Vegas vai na direção completamente oposta: espaços abertos no deserto, longos trechos vazios e luz solar ofuscante. Aqui, o desafio não é a precisão — é a estratégia. Você tem que decidir onde pode cortar caminho com segurança pelo deserto e quando é melhor ficar no asfalto se quiser fazer essas viagens dentro do tempo.

E o Rio de Janeiro... bem, esse merece um espaço a parte.


Nossa história aqui segue o agente infiltrado mais famoso do mundo, John Tanner — e eu acho que não é assim que "infiltrado" deveria funcionar, mas o que eu sei realmente? Enfim, Tanner está de volta à ação depois que um de seus informantes se encontra com um gângster brasileiro tatuado, e o encontro dá errado — violentamente. O informante sobrevive, mas o brasileiro não. (Claro que não. A gente  só se fode nessa merda, né?)

Este incidente acaba sendo apenas a ponta do iceberg em uma guerra de território se formando entre a máfia brasileira e o misterioso Solomon Caine. Agora é trabalho de Tanner mergulhar na bagunça, se infiltrar em um dos lados e derrubar ambas as facções — um cenário que leva a uma perseguição ao redor do globo que parece mais um 'thriller' de espionagem dos anos 70 do que o filme de perseguição de carros puro e simples do primeiro jogo. Mas honestamente essa mudança funciona muito bem.

O que nos leva ao grande final no Rio de Janeiro — e tenho que admitir, essa parte é especial para  a gente. 


Veja, isso pode não parecer grande coisa para alguém que mora em Nova York ou São Francisco (duas cidades que, por causa dos jogos, eu provavelmente conheço melhor do que seus próprios moradores). Mas para alguém morando no Brasil naquela época, ver seu próprio país representado em um videogame era mindblowing. Lembre-se, nos anos 90, o Brasil mal existia no entretenimento global — e quando existia, era geralmente retratado como uma selva sem fim cheia de macacos, traficantes e exploradores suados. Se fosse para acreditar em Hollywood e nos jogos, 98% dos brasileiros passavam a vida se balançando em cipós ou se escondendo de onças.

Como é de conhecimento claro a todos aqui, nós vivemos em cidades. Cidades massivas, extensas e caóticas como São Paulo e Rio de Janeiro — mesmo as capitais medianas como Porto Alegre e Belo Horizonte passam fácil de um milhão de habitantes. E Driver 2 foi um dos pouquíssimos jogos da sua época que realmente acertou nisso. 


Claro, você não poderia recriar o Rio de Janeiro na escala um-para-um no PS1. Isso é óbvio. Mas abrir o mapa e ver locais como o Flamengo ou a Lagoa Rodrigo de Freitas — com aproximações reconhecíveis — era totalmente surreal para a época. E a atenção aos detalhes não parou por aí: a Reflections claramente fez a lição de casa. Você pode identificar pontos turísticos, mesmo os menos famosos como o Forte de Copacabana ou o Edifício da Petrobras no Rio, e até sequências de perseguição que te levam para dentro das favelas — limitado pelo hardware, claro, mas ainda lá. Naquela época, nada mais chegava perto desse tipo de representação. E honestamente? Mesmo hoje, ainda não há muito parecido com isso.

É por isso que eu concordo completamente com a análise da IGN (uma frase perigosa, eu sei, mas verdadeira desta vez) quando disseram que Driver 2 foi o jogo mais decepcionante de 2000. Não terrível — decepcionante. Porque eles adicionaram tanto ao original: cidades que parecem únicas e projetadas de forma criativa, novos minigames, os inimigos param de te perseguir perto do objetivo (o que quer dizer que você não falha mais missões pq estava sendo seguido, o que era uma grande frustração do jogo original), controles melhores, um modo de dois jogadores e uma tentativa surpreendentemente bem pesquisada de capturar a sensação de cada local. Mas então eles arrastaram o que poderia ter sido uma sequência incrível para baixo com um gimmick que come recursos como 58 abas do Chrome abertas ao mesmo tempo — e, o pior de tudo, não adiciona nada significativo à experiência. Uma pena, de fato.

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