sexta-feira, 3 de outubro de 2025

[#1566][Jun/2000] JET SET RADIO (ou "Jet Grind Radio" nos EUA)

Nas últimas reviews eu tenho batido na tecla que fica cada vez mais óbvia a medida que eu mergulho nos anos crepusculares da Sega: quando a empresa estava à beira do colapso, afogada em dívidas e sem nada a perder, ela se tornou uma máquina bem lubrificada de ideias loucas. A Sega, enquanto agonizava, parou de se importar com ideias "seguras" e, em vez disso, atirou uma barragem de experimentos contra a parede para ver o que colava. E, honestamente, isso foi lindo.

Essa energia inconsequente nos deu jogos que irradiavam pura vibe de "por que diabos não?" — títulos como SAMBA DE AMIGO, que transformou o Dreamcast num carnaval tropical e foi pioneiro em controles de movimento anos antes da Nintendo reivindicar a ideia, ou a loucura inclassificável de THE TYPING OF THE DEAD, um jogo tão insano que praticamente faz a review sozinho.

Capa japonesa do jogo

À primeira vista, Jet Set Radio parece mais um galho dessa mesma árvore da Sega: um sonho febril, grafiteiro e cel-shaded que desafia rotulações simples. Quer dizer, ele é o que, exatamente? Um jogo de plataforma 3D? Eu suponho que é o mais perto que dá pra classificar no sentido técnico — mas dizer que ele pertence ao mesmo balaio de SPYRO THE DRAGON ou BANJO-KAZOOIE é como chamar Mad Max: Estrada da Fúria de um road trip movie. Quer dizer, tecnicamente é, mas acho que todos podemos concordar que não é bem essa a ideia que o genero queria passar.

Seja como for, a parte importante é que quanto mais eu jogava, mais Jet Set Radio me fazia perceber algo importante — especialmente em videogames. A audácia, a atitude e a ousadia pura podem te levar longe. Dá para se apoiar só no estilo por um tempo, fazendo poses, esbanjando maneirice... vide literalmente SPACE CHANNEL 5. No entanto, em algum momento você precisa fazer um full Nintendo e parar de parecer maneiro para aplicar o crafting meticuloso e adulto por baixo de toda essa marra. Vamos conversar sobre isso.

A primeira coisa que você nota em Jet Set Radio é, obviamente, o quão insuportavelmente descolado ele é. O jogo literalmente começa com um aviso dizendo que grafite é arte, grafite é rad, grafite é o pulsar da rebelião juvenil — só não tentem fazer isso em casa, crianças. Você sabe que está entrando numa viagem e tanto quando a Sega, de todas as empresas, sente a necessidade de bancar o adulto responsável antes do jogo começar.

Enfim, bem-vindo a Tokyo-to. Por que o “-to”? É uma brecha legal para não ter que pagar a prefeitura de Tóquio pelo uso do nome da cidade, ou a camara de vereadores em 2030 decidiu um rebranding para soar mais legal? De qualquer forma, o ponto é que aqui as ondas de rádio pertencem ao DJ Professor K, DJ (embora talvez não um professor) de uma radio pirata chamada Jet Set Radio - que se dedica a narrar as guerras de território de grafite das gangues juvenis de patins, conhecidas como Rudies.



Você joga como os GG’s, os novatos do pedaço, patinando e grafitando pela cidade. Mas você não está sozinho. No distrito comercial de Shibuya-cho, as Love Shockers — uma equipe só de garotas de corações partidos — defendem seu território com desilusões amorosas e pichações. Em Benten-cho, o centro de entretenimento, você encontra os Noise Tanks: uma gangue de otakus ciborgues que patinam como máquinas porque, bem, eles basicamente são máquinas. E lá pelos cais de Kogane-cho, a Poison Jam se exibe em cosplays de kaiju, pintando o asfalto como Godzillas com latas de spray.

E sim, é claro que a Sega inventou metade dessas palavras — mas você tem que admitir, tudo soa ridiculamente cool. E "soar cool" realmente é o ponto aqui, porque a trilha sonora não apenas escorre atitude — ela transborda atitude. Chocrível, supimpa, borogodice, e varias outras palavras que eu ainda acho que são girias maneiras de jovens, mas que ninguem nascido no último quarto de século jamais ouviu em toda sua vida. Mas divago.



O que eu estava tentando dizer é o seguinte: o DJ Professor K manda algumas das batidas mais nervosas que já nervosaram em um jogo. Eu te desafio — não, eu te duplo desafio modafocka — a não balançar a cabeça quando "Humming the Bassline" entra na tela de seleção de personagem e fase. Não tem como. Tudo nessa trilha sonora transpira atitude, transborda rebeldia — mesmo que eu ainda não tenha certeza contra o que exatamente eu deveria estar me rebelando. Mas então, os jovens nunca sabem realmente.

E se o jogo soa irado, ele parece pelo menos tão bom quanto. Em uma das escolhas artísticas mais inspiradas que a Sega já fez, eles apostaram nos gráficos cel-shaded, fazendo Jet Set Radio parecer menos um videogame e mais uma história em quadrinhos viva que está constantemente patinando pela tela. Os visuais lembram muito as escolhas estéticas de Persona 5, onde o design não é apenas para parecer legal e sim imprintar no seu cerebro toda ideia de rebeldia da coisa. Os gráficos são uma declaração vibrante, rebelde, um manifesto de design rabiscado em tinta spray na cara de vocês, SEUS COROAS!

Então, agora que estamos totalmente tubulares — e sim, essa é outra frase que tenho certeza de que ninguém nascido neste milênio jamais assistiu Sessão da Tarde o suficiente para ouvir —, vamos parar e fazer a pergunta óbvia: sobre o que este jogo realmente é? O que você faz aqui?



É aí que a coisa fica complicada, porque Jet Set Radio não se encaixa perfeitamente num gênero. Cada fase é essencialmente uma arena de plataforma 3D onde seu objetivo é pichar pontos específicos com grafite. Mas esqueça os pulos milimetricamente alinhados de Mario, você não é um encanador alegre de macacão: você é um Rudie radical em patins, zigzagueando pela cidade para espalhar sua arte sobre o território de gangues rivais.

E por patins eu quero dizer que os controles são todos sobre inércia. O momentum não é apenas importante — é tudo. Depois de pegar velocidade, você pode patinar nas paredes, deslizar por corrimãos, guardrails, até mesmo fios de telefone (?!), tudo em nome de encontrar o local perfeito para grafitar. Mas a desvantagem é que você não pode simplesmente parar e caminhar como um cidadão cumpridor da lei e decididamente não-groovy já que se o seu personagem perde o embalo, ele se move como uma lesma reumática.


E, como se patinar até telhados precários e bordas estranhas não fosse desafio suficiente, eis que chega a polícia da diversão. Aparentemente, Tokyo-to resolveu todos os outros problemas sociais, porque unidades SWAT inteiras são despachadas para lidar com grafiteiros adolescentes. No início é um policial ou dois, mas quanto mais você avança na fase, mais absurdo se torna: policia de choque com gás lacrimejante, cães, vans blindadas e, eventualmente, helicópteros de ataque zunindo sobre sua cabeça como se você tivesse acabado de roubar um tanque. Quer dizer, é mesmo necessário enviar vinte homens armados e dois helicópteros para perseguir um garoto que provavelmente nem tem idade para saber como se declara o imposto de renda?

Mas esse é o loop do gameplay: caçar os pontos de grafite (com um mapa surpreendentemente útil), descobrir o quebra-cabeça do cenário que te leva até lá, coletar sprays suficientes para alimentar sua rebelião e, então, fazer tudo isso enquanto desvia da aplicação da lei cada vez mais desequilibrada de Tokyo-to. Parece groovy, certo?

Vamos colocar assim: Jet Set Radio é um prazer absoluto de se olhar e um jogo igualmente agradável de se ouvir. Mas agora chega a parte em que temos que largar a atitude e falar como adultos. Porque, por mais cool que pareça e soe, a verdade é esta: Jet Set Radio é, na verdade, meio frustrante de jogar.


Para começar, os personagens simplesmente não têm um controle natural. Se a ideia de um "jogo de plataforma 3D em patins" te deu flashbacks de flashbacks do Vietnã do REBOOTde PS1 — calma, não é tão catastrófico (porque nada no meio jamais atingirá aquelas profundezas), mas também não é exatamente confortável. O movimento parece duro, como se você nunca tivesse a quantidade certa de controle para a situação. Pular de rail para rail é um exercicio de frustração graças à recusa do jogo em conceder qualquer leniencia.

Compare isso com outros jogos de skate como TONY HAWK PRO SKATER (lançado quase um ano antes). Em THPS, o jogo te dá uma colher de chá porque existe atração magnética invisível (sim, pq não existe atração magnética visível, né o pedubó) que te encaixa nos rails e bordas, suavizando a experiência para que "perto o suficiente" seja bom o suficiente. Essa pequena concessão mantém o fluxo vivo, mantém o momento rolando, mantém a vibe fluindo.

Paradoxalmente a sua proposta temática, Jet Set Radio não liga para sua vibe. Erre um corrimão por um pixel, e o jogo dá de ombros: ema ema ema, cada um com seus pobrema. Sem segundas chances, sem magnetismo invisível — apenas uma perda total do momentum e vc ter que remar tudo de novo para voltar aquele ponto. Esse constante para-e-arranca quebra completamente o fluxo, e em um jogo construído em torno do momento, isso é um pecado capital. Em vez de se sentir como um rebelde livre pairando pela cidade, você se sente como se tivesse jogando uma fase mal desenhada do Sonic (o que são a maioria delas, mas eu já discorri longamente sobre isso na minha review de SONIC 2)



Nos anos desde então, jogos como Sunset Overdrive (2014) e Hi-Fi Rush (2023) pegaram o espírito de Jet Set Radio e o aperfeiçoaram, transformando seu estilo rebelde na experiência fluida e rad que deveria ter sido desde o início. Mas o que eu estou pedindo não é uma sensibilidade moderna, é algo que TONY HAWK PRO SKATER já estava fazendo com conforto a quase um ano!

Mas em JSR, você está preso a física de patins desajeitada, plataforma de precisão punitiva e, então — porque a Sega decidiu que a frustração não era suficiente — ondas de polícia da qual vc só pode se livrar se passar em locais muito especificos na fase (marcados por uma seta azul clara... ou ciana, para os coloristas de plantão) e a menos que você faça isso, não tem como impedir que eles fiquem te causando danos ou atrapalhando seus pulos. Os controles já são um obstáculo antes que o gás lacrimogêneo seja adicionado à mistura. Depois disso, começa a parecer menos rebelião e mais aquela cena de Piratas do Caribe que tá todo mundo correndo atrás do Jack Sparrow.


Então esta é a parte em que paramos de fingir que somos jovens, selvagens e livres — e, discretamente, colocamos o chapéu de "tenho mais de 40 e vou morrer sozinho". Porque aqui está a verdade feia: atitude não resolve todos os problemas. Às vezes, Sega, você tem que fazer o trabalho chato.

É fácil ser a alma da festa, aumentar o volume e grafitar as paredes com slogans sobre rebelião. É mais difícil ficar acordado até tarde checando duas vezes as caixas de colisão, ajustando a física e garantindo que os rails realmente agarrem o jogador quando ele pula. Mas essa é a diferença entre uma coisa que parece legal no papel e um clássico atemporal.


Eu sei que é cliché falar da Nintendo para explicar o que a Sega deveria ter feito, mas é a forma mais simples que eu conheço de ilustrar o meu ponto. Porque veja, a Nintendo nunca faria Jet Set Radio. Nem em um milhão de anos, eles nunca sonhariam com um jogo sobre patinadores mostrando o dedo do meio para enquanto batidas iradas gritam "dane-se o sistema" — o mais perto que eles chegaram de uma versão family friendly disso é Splatoon. Isso a Nintendo nunca faria. Mas o que a Nintendo FARIA é que eles garantiriam que a fundação fosse sólida como uma rocha, que a mecânica fosse hermética e que nenhum jogador se sentisse punido por tentar se divertir. Porque eles sabem que a parte chata da vida — comer os vegetais, preencher os formulários fiscais, passar a noite em claro polindo o código de um jogo — é o que permite a diversão existir.

E é aí que Jet Set Radio escorrega. Tudo bem me vender a fantasia de um rebelde livre, mas não me faça sentir que o código foi escrito por um. Ideias selvagens são maravilhosas, mas elas só brilham quando ancoradas pela disciplina. Enfim, eu realmente estou amando essa energia de "fim de festa" da Sega nessa época, não ironicamente. Eu amo a audácia, a imprudência, a recusa absoluta em jogar pelo seguro. Mas aqui está a pílula amarga: todo fim de semana selvagem só é sustentável se alguém passou a semana fazendo direitinho o trabalho chato e repetitivo. Pule essa parte, e a festa nem começa.

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