quarta-feira, 29 de outubro de 2025

[#1582][Jun/2000] HOGS OF WAR

Do alto de quase 500 reviews de PS1, posso dizer com segurança que não resta muita coisa na biblioteca desse console que eu pelo menos nunca tenha ouvido falar. Nesse ponto, encontrar um jogo tão desconhecido assim seria como... espera, MAS QUE PORCARIA É ESSA DE "HOGS OF WAR"?

Sério, eu nunca tinha sonhado que algo assim existisse. Um jogo de tiro por turnos sobre porcos militarizados lutando em batalhas de trincheiras no estilo da Primeira Guerra Mundial? Cada uma que me aparece... mas tá, então vamos mergulhar de cabeça nessa  porcaria de jogo!… Entendeu? Porcaria? Porque são porcos? Não? Tá, vamos em frente.

Capa europeia do jogo

O que eu posso te dizer Hogs of War é o seguinte: alguns jogos nascem como uma obra de paixão – a pura vontade artística de criar algo significativo, de expandir fronteiras, de expressar uma visão através de mídia interativa. E alguns jogos são... esse – o tipo que começa quando alguém numa sala de reuniões diz: “Espera aí, ninguém fez o WORMS em 3D ainda. A gente pode lucrar com isso!

Esse “alguém” era Ian Stewart, fundador da Gremlin Interactive, um estúdio britânico que já tinha uma reputação mista (seus jogos variavam do clássico TOP GEAR ao miseravel ZOOL:Ninja of the Nth Dimension). E segundo a lenda, a ideia surgiu mais ou menos na mesma época em que o filme "Babe, o Porquinho Atrapalhado" estava passando na TV – porque aparentemente, essa foi toda a inspiração de que precisavam. O resultado é Hogs of War: um clone de WORMS em 3D, com temática de porcos, uma boa dose de humor britânico, trocadilhos ruins e um controles razoavelmente responsivos para sua proposta.

Para quem não conhece WORMS (embora você realmente deveria, estas palavras azuis são hiperlinks para a minha review de Worms, não sou eu decidindo de repente brincar de web designer), o conceito é bastante simples: a cada turno, você controla uma unidade por um curto período de tempo. Você pode se mover pelo mapa, alinhar seu tiro e atirar – levando em conta tanto o ângulo quanto a potência do seu ataque para o projetil chegar no inimigo. Quando você dispara, seu turno acaba, e seu oponente faz o mesmo. No próximo turno vc controla outro membro do seu time e assim por diante. 


O que torna o Worms um caos tão divertido é o terreno destrutível. Cada granada, bazuca ou bomba de banana não causa apenas dano – ela remodela o campo de batalha. Você pode explodir seu oponente para dentro de uma cratera que arruína sua linha de visão, ou até mesmo fazer o chão desabar debaixo do seu time porque você errou o ângulo. A tensão vem desse equilíbrio entre risco e recompensa, e o humor vem de ver tudo dar horrível e espetacularmente errado. Adicione algumas armas malucas – de bombas nucleares a literalmente Shoryukens – e você tem um jogo de estratégia por turnos onde metade da diversão é ver as leis da física chorarem por misericórdia.

Hogs of War tenta fazer algo similar… mas menos. Ainda há uma grande variedade de armas para brincar, mas a diversidade é visivelmente menor. Você tem seus rifles, morteiros e bazucas padrão, claro, mas não espere o mesmo playground de loucuras que WORMS oferece. O terreno, por exemplo, não é destrutível – um golpe bastante duro na sensação de dinamismo que tornava WORMS infinitamente rejogável... mesmo que seja tecnicamente injusto cobrar um terreno 3D inteiramente destrutível em um jogo de PS1, isso é Hogs of War e não Donkey Kong Bananza. Ainda sim, a comparação inevitável

Dito isto, Hogs of War tem alguns bons trunfos próprios. Embora você não possa fazer buracos na paisagem, explosões podem fazer os porcos tombarem morro abaixo, rolando para posições estranhas – ou, se você tiver muita sorte, cair em um lago para se afogar com um guincho adorável. É satisfatório quando acontece, mas muito mais raro do que você gostaria. Enquanto Worms transforma cada round em um desastre de comédia pastelão prestes a acontecer, Hogs of War parece mais contido – eu não diria mais "tático", acho que "sóbrio" é a palavra.


Por outro lado, o humor é onde Hogs of War realmente se diferencia de WORMS. Enquanto WORMS canaliza um tipo de comédia pastelão full Tex Avery – onde a comédia vem do timing explosivo, da física ridícula e da pura imprevisibilidade da violência cartunística – Hogs faz uma curva mais rumo à sátira britânica clássica. O resultado parece menos com Looney Tunes e mais com um esquetes do Monty Python sobre a futilidade da guerra, estrelado por um elenco de porcos grunhindo em capacetes militares.

Cada equipe no jogo representa uma nação diferente, completa com um trocadilho apropriadamente vergonhoso para o nome. Os franceses são os Garlic Grunts (Grunhidos de Alho), os alemães são os Sow-A-Krauts (um trocadilho com "Sauerkraut", chucrute), e sim, só piora (ou melhora, dependendo da sua tolerância para trocadilhos tio do pavê) a partir daí. Cada nação também tem suas próprias falas de voz estereotipadas antes de cada turno – e, felizmente, você pode desligá-las se quiser que as partidas andem mais rápido.

Pegue os porcos russos, por exemplo – a equipe Piggstroika (um trocadilho com "Perestroika"). Antes do turno deles, eles podem declarar algo como: “Eu cavalgo o campo de batalha como um colosso poderoso!” num sotaque exagerado que parece saído de uma comédia da Guerra Fria dos anos 70. É absurdo, ocasionalmente vergonhoso, mas sempre entregue com aquele inconfundível piscar de olho britânico – como se o próprio jogo soubesse o quanto é idiota, e convidasse você a rir com ele, e não dele.


O que é particularmente interessante é como o humor foi localizado. Hogs of War foi publicado pela Infogrames – uma empresa francesa – mas o jogo foi lançado em toda a Europa com trilhas de voz, piadas e diálogos totalmente localizados para cada região. Equipes locais cuidaram de seus próprios roteiros e sotaques, o que significa que cada país pôde tirar sarro de si mesmo e de seus vizinhos. Para um jogo do início dos anos 2000, aquele nível de paridade cultural era surpreendentemente progressivo.

Dito isso… nem tudo envelheceu graciosamente. A maioria dos estereótipos europeus fica entre o o charmoso e o datado, mas então há a equipe japonesa, Sushi-Swine – cuja representação é, digamos assim, um pouco mais difícil de defender em 2025. É o real momento onde a sátira inclina para o desconfortável, servindo como um lembrete de que mesmo uma paródia bem-intencionada ainda está sujeita as sensibilidades humorísticas de sua época.


Dito isto, Hogs of War é, por seus proprios méritos, um jogo interessante. A execução – como já mencionei – não vai muito além do que a frase “Worms, mas em 3D” promete. Mas, honestamente, isso não é necessariamente uma coisa ruim. Nem todo jogo precisa reinventar a roda, às vezes basta colocar rodas em um porco para torná-lo memorável.

Claro, não é o mesmo tipo de caos multiplayer onde a física do Worms rouba a cena e toda explosão parece uma piada prestes a acontecer. Mas mesmo em sua forma mais light, Hogs of War consegue capturar um certo charme. O ritmo tático, o humor peculiar e a pura novidade de ver porcos travando uma guerra em 3D se unem de uma forma estranhamente satisfatória. Uma versão diluída de uma coisa ótima ainda é, no final das contas, uma coisa muito boa – especialmente quando ela faz oinc oinc.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 153 (Julho de 2000)


EDIÇÃO 161 (Março de 2001)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 069 (Junho de 2000 - Semana 3)