quinta-feira, 30 de outubro de 2025

[#1583][Out/2001] SOUL REAVER 2

Essa é primeira vez na minha vida que eu vejo a capa de um jogo já anunciando um demo da continuação no disco

No momento em que eu olhei e vi que o próximo jogo que eu teria que jogar ser Soul Reaver 2, meu primeiro instinto foi suspirar e baixar a cabeça naquele gesto derrotado de "esse vai ser um daqueles dias". Vocês sabem, aqueles dias. E olha, não é que eu odeie o LEGACY OF KAIN: Soul Reaver original da PS1 — longe disso, na verdade. Eu genuinamente admiro a ambição daquele jogo. Foi ousado, quase imprudente, tentar construir algo tão vasto e atmosférico num hardware que mal conseguia suportar um draw distance decente. Mas a questão é esta exatamente essa: eu não concordo muito com a nossa boa amiga Amy Hennig sobre onde essa ambição devia ter sido empregada.

Os mapas eram absurdamente massivos — do tipo, "se perder por horas e questionar as suas escolhas de vida" massivos. A tecnologia simplesmente ainda não existia para fazer um metroidvania 3D a sério funcionar. Até a Nintendo, com toda a sua magia, abandonou o projeto Metroid 64 até à geração seguinte porque a tecnologia simplesmente não estava pronta. E o level design de LEGACY OF KAIN: Soul Reaver certamente não facilitou a vida. Puxamos uma alavanca, vimos uma ceninha de uma porta abrindo... em algum lugar. Num de dois reinos enormes e labirínticos — o Mundo Material ou o Plano Espectral —, os dois com aspecto de uma caverna com musgo desenhada por alguém alérgico à cor. Tudo se confunde na mesma tonalidade de "tristeza velha". Boa sorte para encontrar essa porta agora. É uma experiência exaustiva, e isto antes de colocar na equação que vários mapas extras foram realmente cortados devido a limites de tempo e armazenamento. Imaginem se tivessem colocado mais isso.

Por isso, quando LEGACY OF KAIN: Soul Reaver teve uma sequencia no PS2 — um console com gigabytes a mais de espaço e o poder bruto para renderizar dezenas de novas áreas —, eu congelei. Fiquei tipo Willem Dafoe no Homem-Aranha: "Não… não, vocês não podem fazer isso comigo!" Porque meu corpo, mente e espírito não sobreviveriam à ideia de Soul Reaver 2 ser duas vezes maior, três vezes mais complicado, dez vezes mais confuso. E iniciei o Soul Reaver 2 esperando marchar naquela milha verde digital, pronto para encarar meu destino com nada além do sarcasmo como minha última defesa.


Mas então... quando eu realmente comecei a jogar Soul Reaver 2, percebi algo — algo além dos gráficos nítidos e crocantes que o novo hardware de sexta geração finalmente podia entregar. Percebi que eu tinha subestimado seriamente a Amy Hennig. Quer dizer, sério: se um nerd bocaberta que nem eu, divagando em um blog que talvez três pessoas leem (duas das quais são provavelmente bots), conseguiu reconhecer que Soul Reaver tinha elementos de design que eram, vamos ser generosos, "cansativos", então certamente uma das mentes criativas mais afiadas da indústria não teria deixado isso passar.

Para quem não está ligando o nome a pessoa, Amy Hennig é o cérebro brilhante por trás de um dos jogos mais iconicos, que mudou uma geração inteira de consoles e cujas ramificações podem ser vistas até os dias de hoje. Estou falando, é claro, de MICHAEL JORDAN: Chaos in the Wind City! Ah, e, uh, uma coisinha que você talvez tenha ouvido falar — a trilogia Uncharted. Isso também. Então, em retrospecto, foi uma tolice minha assumir que alguém do calibre da mãe de Nathan Drake não teria notado as falhas gritantes em seu próprio trabalho inicial.

Porque veja bem: LEGACY OF KAIN: Soul Reaver foi a sua primeira incursão como diretora de jogo. Quase dá para visualiza-la — uma garota jovem e criativa estourando de ideias, tentando enfiar todos os impulsos cinematográficos, todos os conceitos ambiciosos, todos os monólogos filosóficos sobre destino e almas em um console que mal aguentava trinta polígonos de uma vez. É e é mais fácil ainda ver como ela aprendeu, da maneira mais difícil, que nem toda grande ideia funciona bem na prática. Então, quando chegou a hora de Soul Reaver 2, ela voltou mais sábia. Ela claramente reconheceu o que não funcionou — e, mais importante, teve a contenção e a experiência para dizer: "Tá... melhor não fazer isso de novo."


Parece óbvio quando você fala assim, mas acredite, no desenvolvimento de jogos, o bom senso é muitas vezes a primeira baixa. Especialmente no final dos anos 90, quando a ambição regularmente superava a tecnologia e a arrogância era praticamente uma filosofia de design.

Então, todo esse preâmbulo é para explicar que — para meu grande alívio — Soul Reaver 2 não é outro metroidvania imenso onde você tem que desbloquear o "power-up de escalar" e depois passar as seis horas seguintes vasculhando uma área do tamanho do Acre procurando por texturas de parede ligeiramente diferentes. Graças ao Deus Ancião, não é assim que a gente rola por aqui agora. Até porque já temos esse jogo que eu descrevi, ele se chama BANJO-TOOIE, e eu ainda tenho calafrios só de lembrar.

... mas se Soul Reaver 2 não é outro exercício de loucura de mundo aberto, o que ele é então?

Eu gosto muito da direção de arte do mundo espectral nesse jogo: o tom roxo e como tudo fica inclinado e incomodo não é um efeito muito dificil de fazer, mas funciona maravilhosamente para transmitir a sensação de um mundo paralelo 

Algo muito mais focado — um jogo de plataforma 3D com combate hack-and-slash. Em vez daqueles momentos irritantes de "para onde diabos eu vou agora?", você é majoritariamente guiado por um caminho claro através de templos, ruínas e catedrais. No entanto, uma vez dentro desses ambientes mais contidos, é aí que o jogo se abre da melhor maneira possível. Você tem sua resolução de quebra-cabeças estilo TOMB RAIDER, suas acrobacias ambientais, suas mudanças para o plano espectral e seus poderes elementares da Reaver — fogo, ar, escuridão, luz — todos entrelaçados em um design de puzzles inteligente. É tudo o que funcionou no primeiro jogo, mas desta vez limado da gordura e focado em areas que o tamanho faz sentido.

Eu normalmente detesto comparar todo jogo de aventura 3D com THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time — é a referência mais superutilizada na história dos games —, mas aqui, é na verdade um paralelo justo. Soul Reaver 2 usa a mesma estrutura de "mundo contido, masmorra densa" que fez Ocarina ser tão satisfatório. As áreas externas servem principalmente como tecido conjuntivo — lugares para respirar, lutar contra alguns inimigos, talvez pegar um ou dois colecionáveis —, mas elas nunca descarrilam seu senso de progresso. O foco está sempre em avançar.

É uma filosofia de design enganosamente simples, uma que inúmeros desenvolvedores nunca entendem completamente: a arte de guiar o jogador sem sufocar sua curiosidade. E o fato de Amy Hennig ter acertado nesse equilíbrio com tanta precisão em apenas seu segundo jogo como diretora é algo bastante notável. É a diferença entre ambição bruta e visão refinada — entre querer construir um mundo e saber como fazer esse mundo ser agradável de explorar.


Então, que tipo de "masmorras" você explora aqui? (Mesmo que tecnicamente sejam templos, castelos ou catedrais — não seja esse tipo de pessoa). Bem, é aqui que Soul Reaver 2 dá um passo interessante em frente: o mapa mundial é muito menor. Estamos falando de quatro, talvez cinco áreas principais, no máximo.

[ESPERA, COMO QUE TER TIPO CINCO ÁREAS E REPETI-LAS CONTA COMO UMA MELHORIA EM QUALQUER UNIVERSO?]

Boa pergunta, minha audiencia imaginária — já que uma de verdade não existe. E a resposta é simples: sim, você revisita os mesmos lugares várias vezes, mas não no mesmo ponto no tempo. Porque, pois é, estamos falando de vampiros viajantes do tempo. Bem-vindo à série Legacy of Kain, onde a geografia e a cronologia são mais flexíveis do que a bússola moral do Kain.

A pura ambição do mundo de Soul Reaver 2 é na verdade menor em tamanho, mas mais densa em significado. Você viaja através de séculos, vendo os mesmos lugares evoluir — ou decair — com o passar das eras. A mesma catedral que outrora brilhava com estandartes sagrados se torna, mil anos depois, uma ruína assombrada por seus próprios pecados. A repetição não é preguiça; é temática. É contar histórias através da arquitetura.


Mas antes que eu me empolgue demais, vamos fazer uma pausa para um resumo rápido — porque Soul Reaver 2 não é apenas a sequência de LEGACY OF KAIN: Soul Reaver. É na verdade o terceiro capítulo de uma saga com uma lore tão pesada que faz Kingdom Hearts parecer um manual da IKEA.

No começo, o mundo de Nosgoth era o lar de três raças:

  • Uma raça de seres alados e angélicos — servos do Deus Ancião, literalmente executores divinos.
  • Os Hylden — entidades poderosas e desafiadoras que se opunham ao controle do Deus Ancião.
  • E, claro, os humanos — os intermediários neutros em todo conflito cósmico da história.

E, saiba você, os Hylden não eram maus por serem maus. A sua briga era filosófica: o Deus Ancião governava a "Roda do Destino", o ciclo infinito de vida, morte e renascimento onde tudo era pré-ordenado. Os Hylden queriam livre-arbítrio — o que, para o Deus Ancião, era heresia. Então, naturalmente, uma guerra estourou.

A raça angélica venceu, mas por pouco. Antes de serem banidos, os Hylden lançaram uma maldição dos infernos — literalmente. Eles amaldiçoaram seus vencedores a queimar sob a luz do sol, a se afogar na água e a serem consumidos pelo fogo. Os anjos nunca mais seriam tocados pelos elementos puros do mundo... e daí em diante sobreviveriam apenas bebendo sangue. Parabéns, agora vocês são vampiros. 


Mas o pior e mais cruel toque foi a maldição final lançada sobre os anjos: Imortalidade. 

[HÃ, COMO DEIXAR SEUS INIMIGOS IMORTAIS PODE SER UMA MALDIÇÃO? VOCÊ SÓ DEIXOU ELES MAIS PODEROSOS, NÃO?]

Normalmente sim, mas não em Nosgoroth. Porque parece ótimo até você perceber que ser imortal remove você da Roda da Vida, do ciclo natural de morte e renascimento — significando que você é agora uma abominação divina, uma ofensa ambulante ao deus que você uma vez serviu. E o seu Deus ter literalmente nojinho de você meio que não é algo que anjos acham muito bacana.

Seja como for, para trancar os Hylden para sempre, os ex-anjos agora vampiros recém-amaldiçoados ergueram nove pilares místicos — cada um ligado a um aspecto da realidade: Mente, Espaço, Tempo, Conflito, Natureza, Equilíbrio, Energia, Matéria e Morte. Mas o Deus Ancião, furioso com seus ex-servos, sussurrou nos ouvidos da humanidade, instigando-os a exterminar os vampiros e tomar os pilares para si. Assim começou a grande cruzada — um genocídio sagrado que quase exterminou os vampiros.

Por um tempo, os humanos governaram Nosgoth, e a paz voltou.
Por um tempo.

Claro, os vampiros sobreviventes não estavam exatamente zen sobre terem sido abandonados por seu deus depois de séculos de serviço leal. Eles planejaram vingança, corrompendo os guardiões humanos dos pilares um por um. O caos chegou ao auge quando Ariel, a guardiã do Equilíbrio, foi assassinada. Seu amado — o guardião do Conflito — pirou e declarou guerra a um reino inteiro, acendendo uma guerra civil que fraturou tanto as nações humanas quanto as alianças entre os próprios guardiões.
E não é que, olha só, isso era exatamente o que os vampiros queriam?


No meio desse caos, um jovem nobre chamado Kain foi assassinado por bandidos. Um vampiro chamado Vorador o ressuscitou, revelando que a corrupção dos pilares havia condenado o mundo. Enfurecido, Kain decidiu botar ordem na porra toda no velho estilo texano e massacrou todos os guardiões que conseguiu encontrar, purgando Nosgoth da velha ordem. Esta é a história do primeiro jogo, Blood Omen - Legacy Of Kain,.

No final, Kain descobre a verdade cruel: ele estava destinado a ser o novo Guardião do Equilíbrio. E agora, de pé entre os cadáveres dos outros, ele enfrenta duas escolhas — se sacrificar para restaurar a ordem dos pilares, ou dizer "que se dane o destino" e governar o que sobrou do mundo como seu deus sombrio. No jogo vc pode escolher o final, mas canonicamente (e portanto o que é levado em conta para a continuaçã) ele escolhe a última opção. Naturalmente.

Nosgoth está condenada, e o ciclo permanece quebrado.


Séculos depois, chegamos a LEGACY OF KAIN: Soul Reaver. Com os pilares em ruínas e a própria realidade decaindo, Kain cria oito tenentes vampiros — seus "filhos" — para governar o mundo moribundo. E só pq ele é uma danada afrontosa, ele transformou os cadaveres dos caçadores de vampiros mais devotos de todos, os cavaleiros Serafan, em sua prole vampírica.

Por um tempo, funciona. O mundo está estável novamente. Até que um de seus filhos — Raziel — evolui além dele, brotando asas que remetem aos anjos antigos. Kain, sempre o deus-rei inseguro, interpreta isso como blasfêmia, arranca suas asas e manda jogar Raziel no Lago dos Mortos.

Depois de séculos sendo tormentado entre a morte e a vida, Raziel é ressuscitado pelo próprio Deus Ancião, agora transformado em um wraith devorador de almas. Sua sede de sangue evoluiu para fome de almas. E suponho que não seja exagero dizer que ele está um pouco mais do que chateado com Kain e com seus irmãos que cumpriram as ordens do vampiro-chefe. O Deus Ancião então o envia para limpar Nosgoth destruindo Kain e o império de mortos-vivos que ele construiu.


E assim, LEGACY OF KAIN: Soul Reaver começa — a história de um vampiro caído transformado em espírito de vingança, caçando seus irmãos por um mundo partido.

O Soul Reaver anterior terminou em um cliffhanger digno de um final de anime shonen. Raziel tinha acabado de assassinar todos os seus irmãos vampíricos — os guardiões corrompidos dos Pilares — e finalmente estava pronto para encarar Kain, seu criador, seu traidor, seu chefe final da catarse. O tão aguardado duelo entre vingança e destino estava prestes a começar… mas então Kain, em seu clássico estilo "eu sei de algo que você não sabe", simplesmente deu de ombros.

Em vez de lutar, ele basicamente disse ao Raziel: "Moleque, você realmente não entende o que está acontecendo aqui", e pulou em um portal temporal como se tivesse coisas melhores para fazer. Acontece que todo aquele lance devorar de almas que o Raziel vinha fazendo não era apenas justiça poética — era parte do plano de Kain. A lâmina Soul Reaver, que absorve as almas de suas vítimas, havia se tornado uma espécie de chave cósmica, uma fonte de energia forte o suficiente para rasgar o próprio tempo. E assim, Soul Reaver 2 começa bem aí: com Raziel perseguindo Kain através das eras, pulando entre os séculos como um fantasma muito puto que se recusa a deixar uma discussão morrer.


Enquanto Raziel o segue, era após era, ele lentamente descobre que Kain pode não ser o verdadeiro vilão aqui — ou pelo menos, não o principal. O que começa como uma história de vingança pessoal se transforma em algo muito mais trágico: uma exploração que abrange o tempo da culpa, do destino e da história condenada de Nosgoth.

Há três eras principais entre as quais você viaja, cada uma revelando outra camada da corrupção do mundo e da própria hipocrisia de Raziel:

🕰 30 Anos Antes de Blood Omen

É aqui que o jogo começa — uma época em que os Pilares ainda se erguem altos, não contaminados e puros. Nosgoth ainda é bonita, e os vampiros são uma sombra do que se tornarão. É um vislumbre do mundo antes de tudo dar errado, e é assombrador em retrospecto.

☠️ 100 Anos Depois de Blood Omen

Esta era se passa após o triunfo de Kain, mas antes do apodrecimento completo do mundo visto no primeiro Soul Reaver. Os Pilares já estão corrompidos, mas Kain ainda é mais ou menos o mesmo anti-herói arrogante de Blood Omen. Raziel poderia facilmente matá-lo agora — ele tem o poder, o motivo, a espada e um milênio de raiva reprimida —, mas o que ele aprendeu até agora o faz hesitar. Há algo maior em jogo, algo em que até o Kain pode ser apenas um peão.

⚔️ 500 Anos Antes de Blood Omen

Este é o período de tempo mais surpreendente e emocionalmente pesado — a chamada "Era de Ouro da Humanidade". A humanidade reina suprema, os cavaleiros Serafan são reverenciados como guerreiros sagrados, e os vampiros são caçados até a beira da extinção. Mas eis aí o golpe: Raziel descobre que ele mesmo, em sua vida passada, não era outro senão o paladino humano liderando a ordem Serafan.

A "nobre cruzada da luz" que ele uma vez personificou acaba sendo pouco mais do que genocídio sob o manto da propaganda que era a vontade divina (como todos os genocidios que já aconteceram, diga-se de passagem). Os heróis gloriosos da lenda não eram salvadores — eram carrascos escrotos pra um cacete. E no processo, Raziel percebe que ele estava lutando para vingar um ciclo de violência que ele mesmo começou.


É uma narrativa poética, cruel e brilhante — do tipo que vira toda a sua compreensão da série de cabeça para baixo. No final de Soul Reaver 2, você começa a ver que o comportamento críptico de Kain não era arrogância; era a paciência de alguém que já tinha vislumbrado todo o tabuleiro de xadrez enquanto todo mundo ainda estava discutindo sobre as regras.

O que eu acabei de te contar é uma versão bem resumida da história — a lore de Blood Omen é uma das narrativas mais ambiciosas já contadas através de uma série de videogames (sim, mesmo acima da saga Orochi em THE KING OF FIGHTERS 97, que exige três jogos e múltiplos finais para ser compreendida). E todo esse caos narrativo dita que tipo de masmorras você explora — e mais importante, faz você querer vê-las. Quando você entra em um templo glorioso no auge de seu poder, não é apenas um cenário aleatório: é um lugar que você já viu como ruínas séculos depois, e agora você tem a chance de testemunhá-lo vivo. Ou o inverso — uma cidade cintilante e fortificada que, em outra linha do tempo, decai em um pântano miserável rastejando de monstros. 

Essa abordagem é infinitamente mais envolvente do que simplesmente lançar um "Templo de Bzzarch" porque o designer precisava de uma masmorra de fogo. Você não só diz "ah, arquitetura legal" — você está experimentando a história por trás disso.


Então, quando eu digo que a narrativa de Soul Reaver 2 é "ambiciosa", é porque é um daqueles raros casos onde a jogabilidade e a narrativa são quase inseparáveis. Você sente que a viagem no tempo não é apenas um truque para reciclar assets (embora, vamos ser honestos, também seja). É parte de uma arquitetura narrativa que dá peso emocional e histórico a cada local.

Mas muito bem — SR2 tem um ótimo level design que evita os pecados de seu predecessor, e uma lore profunda e imersiva que dá significado a cada pedra, cada ruína. Então isso é uma obra-prima absoluta, certo?

É... bem... hã... about that... Soul Reaver 2 é um clássico atemporal que faz quase tudo certo. Quase. Exceto, você sabe — no coração dos corações, este jogo ainda é um hack'n slash... e o hacking e slashing são meio uma merda. Eu queria que não fosse. Eu realmente queria. Mas não posso mentir e dizer que o combate aqui é bom, porque não é. E quando seu hack'n slash tem um hacking e slashing ruins, isso é meio que um problema, sabe?


Funciona assim: primeiro, o jogo descarta a ideia de que você tem que empalar ou queimar inimigos no sol para acabar com eles — porque embora fosse tematicamente interessante, Raziel de repente lembrou que tem garras do tamanho de facas de açougueiro nas mãos. Eu não acho que você precise de uma lança quando você atravessa o peito de um cara sem nem forçar, cara. Em vez disso, o combate agora gira em torno da própria Soul Reaver. Quando você está com sua espada espectral ativa, os inimigos não conseguem se defender e caem em dois ou três golpes, no máximo. O problema é que você não pode abusar dela. Sua espada "superaquece" depois de algumas balançadas (o jogo dá uma explicação mais chique, mas essa é a ideia), e você tem que esperar ela esfriar.

E para piorar, a Soul Reaver é uma garota gananciosa — se você matar um inimigo com ela, você não pode absorver a alma dele para recuperar vida. Então, enquanto você espera o cooldown da Reaver ou precisa se curar (o que acontece muito, já que a barra de HP do Raziel é tão resistente quanto papel molhado), você terá que confiar em armas normais... e você vai desejar não ter que fazer isso.

Porque o combate comum aqui é miserável. Não do tipo "ah, poderia ser melhor" miserável — quero dizer, tédio absoluto. Inimigos bloqueiam constantemente, toda luta se arrasta pelo que parecem eras geológicas, e até os guardas mais fracos levam cerca de mil golpes para cair. É uma sinfonia de:
cling cling cling cling, golpe.
cling cling cling cling, golpe.

É entorpecente. É sem graça. É... ruim.

Mas é pior do que só ter armas ruins — o próprio design de combate é horrível. Primeiro que você não pode alternar entre a Soul Reaver e a arma normal, para usar a Soul Reaver vc precisa se abaixar e colocar a arma no chão ou arremessar ela longe, não existe existe uma forma fácil de alternar entre elas. Que porcaria.

Segindo que você pode balançar seus braços como um lunático, girando e cortando qualquer alma infeliz que esteja em sua direção geral… ou você pode jogar direito, travar o alvo e lutar com a precisão de um jogo de ação 3D moderno. Ótimo, certo? É o que um bom jogo faria.

Né, DRACONUS: Cult of the Wyrm?

Só que eis o problema: no momento em que você trava o alvo, a velocidade de movimento do Raziel despenca para quase zero. Ele anda como se estivesse arrastando seus pés vampirescos em um pântano. É absolutamente enlouquecedor porque seu alcance não é exatamente generoso para começar, e o jogo te força a chegar bem perto do inimigo para acertar um golpe. Combine isso com sua nova mobilidade de melaço, e você está basicamente pedindo para ser acertado por golpes baratos—especialmente quando o jogo joga varios inimigos em você.

Como eu disse antes, é uma experiência miserável. Você vai se ver evitando combate ativamente sempre que possível, rezando para que cada porta trancada não leve a outra luta forçada. E quando você não pode evitá-las... bem, você apenas suspira, trinca os dentes e marcha em direção à miséria. Agora, me chame de louco—ou desnecessariamente exigente—mas um hack'n slash onde balançar sua espada vem acompanhado de um suspiro não é exatamente a minha definição de diversão.


E essa é a tragédia de Soul Reaver 2: é uma obra-prima acorrentada por seu próprio braço da espada. Tudo em volta do combate — o mundo, a lore, o diálogo, a atmosfera, a música, a pura audácia de sua narrática — parece algo gerações à frente de seu tempo. É o tipo de jogo que te trata como um adulto, te desafia a prestar atenção e te recompensa por isso. Mas então, quando chega a hora de realmente jogá-lo, de sentir a emoção de derrubar as próprias criaturas que definem este mundo em decadência… a coisa toda tropeça. A jogabilidade, aquela única coisa que os jogos nunca podem se dar ao luxo de falhar, desaba sob sua própria ambição.

Soul Reaver 2 permanece uma conquista monumental em contar histórias, construção de mundo e filosofia de design. No entanto, por toda a sua grandiosidade, é um jogo que é mais interessante pensar sobre ele do que colocar suas mãos nele. Você o estuda, o cita, pensa sobre ele — mas você não sente exatamente saudades de jogá-lo. E talvez isso seja o que o torna apropriado para Nosgoth: um mundo amaldiçoado a viver para sempre, mas nunca verdadeiramente vivo.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 153 (Julho de 2000)


EDIÇÃO 155 (Setembro de 2000)


EDIÇÃO 158 (Dezembro de 2000)


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MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 078 (Setembro de 2000)


EDIÇÃO 090 (Setembro de 2001)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 069 (Junho de 2000 - Semana 3)