Hoje em dia, a Treyarch é exclusivamente conhecida por fazer uma das franquias mais absurdamente massivas de todos os tempos: Call of Duty. É um rolo compressor tão colossal que, quando a Microsoft adquiriu a Activision (a publisher dona dos direitos), o governo dos EUA chegou a realizar audiências para determinar se dar à Microsoft mais o controle de Call of Duty de alguma forma rasgaria o próprio tecido do livre mercado. Não é exagero dizer que milhares, talvez milhões de pessoas tem um videogame em casa apenas pra jogar CoD.
E ano após ano, como um fodendo relógio suiço, a Treyarch cospe outra tolice de bang-bang-tiro-tiro, e se tem algo que você não pode exatamente acusá-los de serem culpados é de originalidade. Claro, alguns títulos são melhores, outros piores, mas no fim do dia, é Call of Duty. As pessoas pagam por Call of Duty e esperam Call of Duty. Não é exatamente física quantica, mas definitivamente é mais um negócio industrializado do que arte.
Eles já fazem isso há tanto tempo (o último título deles que não foi Call of Duty data de 2008 — ou seja, já tem idade para votar agora) que a maioria das pessoas esqueceu completamente que a Treyarch nem sempre foi essa engrenagem corporativa bombeando obedientemente sequências anuais como um cachorrinho bem treinado.
Houve um tempo — acredite ou não — em que a Treyarch era o completo oposto do que é hoje. Um tempo em que eles eram jovens punks, cheios de ambição crua e ideias esquisitas, tentando cavar um lugar em uma indústria que mal sabia o que fazer com esse tipo de criatividade imprudente. Seus projetos eram ousados, experimentais... e, sim, muitas vezes extremamente mal-acabados. Mas isso era parte do charme — a energia caótica e bagunçada de um estúdio que queria ser importante, mesmo que ainda não soubesse bem como.
Draconus: Cult of the Wyrm é uma cápsula do tempo dessa era esquecida. É mais do que apenas um jogo, é um fóssil da fase rebelde da Treyarch, sua última pichação na parede antes de vestir o terno executivo, a última tatuagem antes de apertar o nó da gravata.
Antes dos dias de orçamentos de bilhões de dólares e consultores militares, havia Draconus — um jogo que sonhava com dragões, masmorras e a glória desengonçada de balançar espadas. Um jogo que, em seu coração problemático, cheio de bugs e ambicioso demais, representava a última vez que a Treyarch tentou fazer algo porque queria, não porque o calendário fiscal mandou. Então vamos dar uma olhada mais de perto nessa relíquia esquecida — esse estranho grito meio insano de rebelião artística enterrado sob vinte anos de tiroteio corporativo.
Mas antes de Draconus, a estreia da Treyarch fez algo ainda mais estranho — uma pequena esquisitice problemática conhecida como DIE BY THE SWORD.
O que fazia aquele bizarro hack’n’slash de 1998 ser diferente, você pergunta? Bem, ele apresentava um dos esquemas de controle mais estranhos já criados: um sistema de combate onde você realmente controlava sua espada com o mouse. Mova para a direita, a lâmina balança para a direita. Mova para cima, a espada avança. Mova para baixo, e... bem, você entendeu a ideia. Era basicamente captura de movimento para o seu mouse, uma ideia ousada para um estúdio novato sem orçamento algum. Para surpresa de zero pessoas, acabou sendo mais uma curiosidade pitoresca do que um sistema bem executado.
Mas o que mais me impressiona naquele jogo nem é o combate — é o manual. Na introdução, a Treyarch se gaba orgulhosamente de seu sistema proprietário “VSIM”, e você pode sentir a empolgação adolescente escorrendo de cada linha. Eles falam sobre sua criação com o tipo de paixão geralmente reservada para um garoto de 14 anos que acabou de descobrir que pode discutir política no Twitter e está convencido de que resolveu o capitalismo da noite para o dia. Você conhece o tipo — todos nós já fomos assim.
Enfim, de volta a DIE BY THE SWORD e ao todo-poderoso VSIM. Claro, não funcionou. Não revolucionou o mundo. Não mudou a indústria para sempre. Na melhor das hipóteses, tornou-se uma daquelas atrações de beira de estrada curiosas — algo para o qual você diminui a velocidade para olhar, balançar a cabeça e dizer: "Bem, pelo menos eles tentaram."
E a maioria dos estúdios teria aprendido a lição com esse pequeno desvio para a loucura. Mas a Treyarch naquela época era jovem — e se há uma verdade universal sobre os jovens é que eles tem que acabar é que eles nunca aprendem porcaria nenhuma. Então, em vez de enterrar a ideia, eles tentaram de novo. Round 2. Desta vez, com um pouco mais de polimento, um pouco mais de ambição e a certeza absoluta de que desta vez — definitivamente esta seria a vez de revolucionar o mundo.
Então, agora que temos todo o contexto, aqui está o truque: Draconus: Cult of the Wyrm é o sucessor espiritual de DIE BY THE SWORD. E, mais uma vez, a Treyarch não queria fazer apenas mais um hack’n’slash — eles queriam reinventar a roda, de preferência com espadas e dragões. Mas desta vez, eles mudaram o foco. Em vez de construir o jogo inteiro em torno de uma espada totalmente controlável, a estrela do show aqui é o escudo. Isso mesmo, sua defesa agora é a peça central do combate.
E por “usar sua defesa”, não quero dizer segurar um botão para ficar entrar em turtle mode eterno como em Dark Souls ou Zelda. Ah, não, não é isso que eles tinham em mente. Seu botão de defesa bloqueia UM golpe, e então sua guarda cai. Para bloquear novamente, você deve pressionar o botão novamente. Você não pode simplesmente levantar seu escudo e esperar por uma abertura eventualmente.
Conceitualmente, eu vejo o que a Treyarch estava tentando fazer aqui. As lutas um contra um são projetadas para parecerem mais duelos calculados do que brigas de esmagar botões. Como levantar o escudo leva alguns frames de animação, você deve cronometrar sua defesa com tanto cuidado quanto seus ataques — antecipando o golpe do seu inimigo em vez de ficar parado em uma posição segura. É um sistema que, no papel, poderia ter tornado cada encontro uma troca tensa de fintas e contra-ataques.
Poderia.
Porque, na prática, Draconus não funciona assim. Mas nem a pau, juvenal. 
Porque como eu disse, eu entendo o que a Treyarch estava buscando. Eu consigo ver a ideia — e nas mãos certas, poderia ter funcionado. Um jogo com um forte senso de física, timing pesado e ritmo deliberado — sim, isso poderia ter sido algo. Exceto que o jogo que estou descrevendo se chama Dark Souls.
E claro, um “sistema de combate baseado em escudo” soa totalmente viável agora. A esse ponto eu ficaria chocado se não existir um speedrun "shield only" de Elden Ring. Mas isso é agora — e estamos falando da FromSoftware. A Treyarch do Velho Testamento não era a FromSoftware. Eles não eram nem a Kalisto Entertainment.
O que quero dizer com isso é: o combate de Draconus não é o sistema fluido e baseado em física que esse tipo de design precisaria para funcionar. É uma bagunça flutuante e sem peso, onde tudo desliza como se tivesse sido lambuzado em banha de dragão. A detecção de acerto parece inconsistente, os ataques conectam de maneiras que desafiam tanto a anatomia quanto a gravidade, e não há um senso real de impacto.
E isso no melhor dos cenários: uma luta um contra um. Porque no momento em que você enfrenta mais de um inimigo ao mesmo tempo, MEUA MIGO.
Sua mecânica de escudo — aquela preciosa base de combate baseada em timing — torna-se tão útil quanto piscina em barraco. Você não pode cronometrar seus bloqueios quando três goblins estão te dando uns tapas de todas as direções das quais você nem consegue ver pq eles se clippam uns dentros dos outros.
Olha, eu tenho certeza que você já assistiu a uma partida de futebol profissional. Movimentos precisos, jogadas calculadas — atletas usando seus membros inferiores para controlar uma bola com um nível impressionante de graça e coordenação. É quase poético, na verdade. O ritmo, o timing, a arte de transformar algo tão desajeitado como uma perna humana em uma ferramenta de precisão cirúrgica.
O combate de Draconus não é nada como isso.
Também tenho certeza que você já viu crianças jogando bola no recreio da primeira série. Sabe — aquela cena primitiva de 30 crianças alucinadas de açúcar, todas gritando, correndo e chutando qualquer coisa que ouse existir dentro de um raio de dez metros. Sem regras. Sem estrutura. Apenas caos. Em algum momento, você nem tem certeza se há uma bola envolvida. Conceitos como trabalho em equipe, misericórdia ou a Convenção de Genebra não fazem parte da equação.
Isso é como é o combate de Draconus.
E para adicionar nitroglicerina a essa lixeira pegando fogo, Draconus, assim como seu antecessor DIE BY THE SWORD, aparentemente não acredita em target locking. Olha, eu entendo — DIE BY THE SWORD saiu em 1998. Naquela época, a Treyarch podia alegar ignorância. Deixar seu personagem se debater impotente em um ambiente 3D como um moinho de vento bêbado não era design preguiçoso — era o que todo mundo fazia. Ninguém sabia fazer melhor. O mundo ainda era jovem. Estávamos todos descobrindo o que significava "para cima" em um sistema de câmera 3D.
Mas Draconus saiu no ano 2000. E entre 1998 e 2000, um joguinho chamado THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time aconteceu — e isso mudou tudo. Ele mostrou a toda a indústria que, ei, talvez deixar seu herói girar sem rumo enquanto os inimigos te esfaqueiam na coluna não fosse o auge do design de combate. Talvez — apenas talvez — ser capaz de realmente travar a mira em um inimigo e controlar o fluxo da batalha fosse uma boa ideia.
THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time entregou o projeto para todos em uma bandeja de prata. Não era um segredo. Não era algum import japonês obscuro. Era Zelda. Todo mundo jogou. E, no entanto, de alguma forma, no abençoado ano 2000, Draconus: Cult of the Wyrm — um jogo de hack’n’slash, veja bem — simplesmente olhou para todo aquele progresso e disse: "Nah, valeu. Estamos de boa."
E então — para provar ao mundo que eles realmente não tinham ideia do que estavam fazendo — tem o “sistema” de magias. Eu uso a palavra sistema de forma bem vaga aqui. Eis como “funciona”:
Você escolhe um dos dois personagens: o guerreiro Cynric ou a maga Aewyn. Previsivelmente, o guerreira bate mais forte, a maga “tem mais magias”. Show, show... mas o que “mais magias” significa na prática? Você presumiria que significa mais mana, ou sua magia seria mais forte, ou uma lista maior de magias. Você estaria errado.
Em Draconus, magias são itens consumíveis. Não habilidades especiais, não um recurso que se regenera, mas itens literais de uso único com os quais você começa a fase. Duas bolas de fogo. Uma cura. É isso. Você não pode recarregar essas magias de forma alguma durante a fase. Com o que você começa é com o que você fica preso até a próxima fase. Quando o manual se gaba de que a maga “tem mais magias”, significa que ela ganha três usos em vez de dois. Ou cinco em vez de três. Essa é a gloriosa inovação.
Olha... eu não te entendo, Treyarch. Realmente não entendo. Vcs estão tentando se sabotar de propósito, né? Não é possível que a equipe não tenha notado o quão estúpido é dar a uma classe metade da força e depois estripar suas habilidades para truques de um ou dois usos por nível. Como uma ideia tão imbecil sobrevive a ser escrita no documento de design? Como sobrevive aos testes? Como sobrevive respirando ar?
É duplamente doloroso porque eles colaram a pior ideia de FINAL FANTASY 8 — magias como itens — e de alguma forma a tornaram ainda mais pão-dura. Onde os RPGs pelo menos te dão alguma forma de reabastecer recursos (lojas, poções, pickups de mana), Draconus trata as magias como relíquias raras e sagradas. Se você perguntar se ia machucar alguém dar pelo menos uma poçãozinha de mana, nem falo da mana se regenerar lentamente como jogos infinitamente melhores tipo DIABLO 2 fazem, a resposta, aparentemente, é sim.
Pelo amor de Deus caras, GOLDEN AXE — um beat-’em-up do final dos anos 80 que tem 300kb de tamanho — tinha medidores de magia e pickups. GOLDEN AXE conseguiu gerenciar magia baseada em recursos em um beat'm up de fliperama duas décadas antes. E, no entanto, um jogo de Dreamcast de 2000 espera que você racione usos de magia como se estivesse guardando o último cantil em um exército pós-apocalíptico de burocratas. Ah mas vão a merda, sério.
Essa escolha de design não parece apenas mesquinha — ela ativamente subverte o propósito de escolher um mago. Se ser o mago só lhe dá um ou dois usos a mais de uma bola de fogo em um nível inteiro, por que escolher a classe? Por que não dar a todos uma espada e pronto? A mecânica de magia-como-item-raro mata a variedade, pune a experimentação e afunila os jogadores para o comportamento mais chato e seguro: conservar até não poder mais.
Então... eu tenho algo de bom para dizer sobre este jogo? Bem... sim. Mais ou menos.
Os gráficos são realmente sólidos para a época. Os modelos dos seus personagens são detalhados o suficiente, e os ambientes — apesar de toda a sua falta de sentido estrutural — parecem razoavelmente bons. As texturas são surpreendentemente variadas e nítidas, o que, para um jogo lançado em 2000, não é algo que se pudesse tomar como garantido. Você pode dizer que os artistas da Treyarch estavam fazendo o melhor para fazer o Dreamcast mostrar um pouco os músculos e, para crédito deles, eles conseguiram na maior parte. Adicionalmente o sistema de mapas é muito bom (vc consegue terminar o jogo sem usar um detonado, algo que também não era algo que se podia tomar como garantido na época) e a camera se comporta bem, beeeeeeeem melhor do que em DIE BY THE SWORD, como você esperaria de um jogo da sexta geração — eu tenho que dar isso a eles.
E a história — bem, é o que você esperaria. Coisa de fantasia genérica. Profecias, dragões, cultos malignos, todo aquele jazz. Você esquecerá cada ponto da trama cinco minutos após os créditos rolarem, provavelemnte antes mas... tem George Takei no elenco de vozes. E, honestamente, eu serei um cadaver geek frio e morto no dia em que eu reclamar de ouvir o Senhor Sulu declamar falas em um dungeon crawler de Dreamcast.
“Você. Não. Faz. Ideia. Do. Que. Está. Pedindo.”
EDIÇÃO 152 (Junho de 2000)
EDIÇÃO 068 (Junho de 2000 - Semana 2)




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