No momento em que eu escrevo este texto, esse blog já conta com a impressionante marca de 497 jogos resenhados, o que é realmente incrível e mais do que eu possivelmente poderia esperar. Inclusive eu já tenho um jogo realmente, verdadeiramente especial separado para ser o número 500, mas isso será daqui a pouco.
Mas enquanto isso não acontece, eu não posso deixar de me maravilhar com uma habilidade que eu não fazia ideia que desenvolveria nesse projeto: eu já joguei e analisei tantos jogos que a este ponto eu consigo fazer engenharia reversa de um game design. Eu consigo olhar um jogo e entender o que os desenvolvedores estavam pensando, o que eles estavam tentando fazer apenas com base no produto final.
Isso não é incrível? Eu sou incrível.
Em uma rara virada de eventos, eu prefiro a capa americana com o Harry Potter e a Mulher Maravilha do que a capa japonesa desenahda pelo filho do dono da distribuidora |
E talvez não exista jogo melhor para provar minha habilidade incrível do que esse acidente de trem de jogo conhecido como "Lester, o improvável". Então senta que lá vem a história.
Nossa história começa, como normalmente acontece, com uma desenvolvedora de jogos achando que viu uma "oportunidade" de faturar algo explorando algo que ninguém mais viu. O que normalmente, em 99% das vezes apenas leva ao ferro no popô, porque se algo nunca foi feito antes só pode ser uma de duas coisas:
a) ninguém nunca, jamais, em momento algum, pensou nisso antes;
b) várias pessoas pensaram nisso antes, e isso não é feito por um bom motivo;
Mais frequentemente sim do que não, temos o segundo caso acontecendo. Neste caso, por exemplo, a Visual Concepts percebeu que um jogo notoriamente horrível de ser jogado era popular - o que volta e meia acontecia naquela época, e ainda acontece hoje. Estamos falando, é claro, da chaga lançada sobre o mundo videogamístico pelo meu primeiro e mais antigo inimigo. A tragédia criada pelo nemesis dos videojogos que atende pelo nefando nome de Jordan Mechner, mais conhecida pela alcunha vil de "Prince of Persia".
Oh, doces tempos de inocencia em que Jordan Mechner era o meu maior problema, dias juvenis antes da Sega, antes do... argh... AMIGA... então, o ponto aqui é que a Visual Concepts jogou esse acidente radioativo e pensou "uau, o gameplay desse jogo sucks... mas por algum motivo as pessoas gostam disso. Ergo:
Então eles tiveram a ideia de fazer um clone de Prince of Persia, just because. Só que eles perceberam que todos os jogos baseados em Prince of Persia eram jogos mais de puzzle do que de ação realmente (dado os controles hediondos) e alguns PoP-like que se focaram nos puzzles tiveram um sucesso em serem jogos realmente bons como OUT OF THIS WORLD e FLASHBACK: Quest for Identity.
Muitos veriam que os jogos que usam o sistema de controles de Prince of Persia era usado em jogos puzzlicos, e entenderiam que existe um motivo para isso. A VC, entretanto, pensou "é hoje que si consagro!" ao ter a ideia de fazer um jogo de plataforma comum com esse sistema de controles. Tipo Super Mario, só que usando controles a lá Prince of Persia.
What possibly could go wrong?
Mas okay, você decidiu que seu jogo terá esse tipo de movimentação:
... por algum motivo, mas é o que você quer. Tá, certo. Como você resolve isso? Como você torna ESSA movimentação algo aceitável ao jogador? Bem, uma possibilidade é você partir para o viés do humor. Veja, seu personagem se move de uma forma tosca porque ele é toscão mesmo. Transforme o defeito em piada intencional.
O resultado final continua sendo pavoroso, mas a lógica por trás disso... não é de todo ruim. Fazer dos limões uma limonada, hã. Mas o quão tosco um personagem precisa ser para justificar um gameplay assim?
Oh boy... oooooooohhhhhhhh boooooooooyyyyyy...
Então temos nosso herói Lester, o tipico estereótipo de NEEEEEEEEEEERRRRRRDDDDDDD dos anos 90, meio geeky, meio sonolento. Como um nerd que precisa tirar um cochilinho da tarde religiosamente, eis finalmente um herói com o qual eu posso me identificar!
ISSO NÃO REALMENTE DIZ BOAS COISAS SOBRE VOCÊ...
Bom ponto... de qualquer forma, Lestão da massa acabou de comprar a nova edição da "Super Duper Hero Squad" apenas lamentando que ele não pode colecionar todas as 52 capas diferentes lançadas para essa edição. Isso pode parecer uma coisa aleatória, mas tenho que admitir que a VC sabe do que está falando: esse número de "52 capas diferentes para uma edição especial" não foi tirada da bunda realmente.
A formação completa da Liga da Justiça é composta de 52 heróis, e volta e meia a DC realmente fazia isso de lançar uma edição com capas diferentes justamente para fins de coleção (um com o Aquaman na capa, ou com a Mulher Maravilha na capa, etc). Então a Visual Concept pode ter um gosto extremamente duvidoso, mas eles ao menos sabem do que estão falando. Tenho que dar isso a eles.
Entretanto Lester comenta que "completar a coleção" o faria popular, o que prova o quão pouco ele entende sobre como seres humanos funcionam. Novamente, parece acurado. De qualquer forma, ele decide dar uma descansadinha no meio da sua exaustiva leitura porque ninguém é de ferro. E como qualquer um que já caminhou pelas docas lendo suas comics, todo caixote é um lugar ideal para descansar! Espera, o que?!
Eu juro que não estou invendo isso, a história do jogo é que nosso herói estava lendo sua HQ nas docas, tirou um cochilo e foi involuntariamente embarcado como carga em um navio rumo ao caribe! What the actual fuck!
Recapitulando, por alguma razão bizarra Lester acha que é uma boa ideia:
1. Visitar em uma doca em seu tempo livre.
2. Levar quadrinhos valiosos para fora de casa. Ainda mais louco, perto da água.
3. Tire um cochilo na referida doca, em um container claramente presa ao barco.
Mas como desgraça pouca é bobagem, não é aqui que as aventuras de nosso improvavel herói começam, claro que não. Isso porque seu involunrário transporte é atacado por piratas e Lestão tem que nadar por sua vida! Porque nerd só se fode nessa porra mesmo, até o momento 10/10 pelo realismo.
Então Lester agora está preso numa ilha do Caribe e precisa usar toda sua malemolencia nerd para achar o caminho de volta para casa, o que possivelmente poderia dar errado? Sim, eu sei que eu já perguntei isso, mas realmente muita coisa dá errado e eu não estou falando da história do jogo.
Para começar, eu gostaria de apontar uma coisa que está no manual do jogo e que a primeira vista parece uma coisa boa:
"Lester the Unlikely foi realmente usando um processo conhecido como rotoscopia. Isso significa que uma pessoa real foi filmada e depois meticulosamente animada. Existem mais de 250 quadros de animações de Lester. Isso é aproximadamente o dobro do número de um jogo comum."
Isso é incrível, certo? Tem uma quantidade enorme de trabalho aí, certo? Bem, sim. Mas ao mesmo tempo, significa que um ser humano de verdade, uma pessoa, atuou isso:
Se vergonha alheia matasse... mas enfim, vamos falar do gameplay propriamente dito. E em termos de jogo, Lester, cabe notar, é um puta de um covarde. Ele tem medo de quase tudo à sua frente, e sim, isso afeta a jogabilidade.
Quando Lester se aproxima de uma borda para saltar, ele trava e treme de medo e, na primeira vez em que encontra um inimigo que ele nunca viu, ele foge (literalmente sai do controle do jogador). Em uma segunda tentativa, Lester dá uma travada, e apenas na terceira vez ele superar seus medos e consegue atacar o inimigo.
Isso acontece para todo e cada tipo de inimigo no jogo. Todo e cada novo inimigo no jogo. Sério. Quem foi o sacripantas que achou que isso seria uma boa ideia para colocar em um jogo?
O MESMO CARA QUE ACHOU QUE SERIA UMA BOA IDEIA FAZER UM JOGO DE PLATAFORMA NORMAL COM OS CONTROLES DE PRINCE OF PERSIA.
Verdade. Alias saiba você que esse não foi realmente o primeiro jogo a tentar isso, TOM & JERRY: THE MOVIE de Master System já tinha tido essa ideia algum tempo antes e o resultado é tão ruim quanto você pode imaginar que seja. Não que eles realmente soubessem disso e tentaram copiar nem nada, é apenas natural que os desenvolvedores do jogo não soubessem tanto sobre videogame quanto eu sei - eu queria apenas uma desculpa para ressaltar o quanto eu sei.
ESSA COISA DOS QUINHENTOS JOGOS REALMENTE SUBIU A SUA CABEÇA, HÃ?
Deveras. Mas adiante!
Honestamente, estou torcendo pela onça. E os caras que fizeram os controles tão lentos para você virar o seu personagem, também. |
Há quem tente defender essa direção no jogo, alegando que ela traz um elemento realista a esse personagem covarde de que ele precisa superar seus medos para progredir. No entanto, essa defesa perde muito terreno quando a implementação desse suposto elemento funciona contra a jogabilidade.
Se essa era realmente a intenção, certamente os desenvolvedores poderiam ter encontrado um meio melhor de mostrar a progressão de Lester já que não é tão incomum você morrer porque Lester fugiu dos inimigos e caiu em um buraco. Sem você ter como evitar isso, eu gostaria de ressaltar. Eu já vi todo tipo de jogo injusto e dificil a esse ponto, mas jogo que se auto dá game over é a primeira vez pra mim.
Não que controlar o personagem seja tão melhor que isso realmente, porque o único meio de ataque de Lester é o chute mais patético da história dos videogames. Mais pro final ele pega espadas e o jogo tenta imitar o sistema de combate de Prince of Persia, apenas para provar que tinha como piorar o crime de Jordan Mechner. Sim, eu também não achava isso possível.
Além disso, há certos itens a serem adquiridos para avançar em determinados níveis, mas o jogo nunca fala sobre eles de antemão, então você fica vagando pelo local, adivinhando o que deve fazer. Seria uma tarefa mais possível se fosse possível DIFERENCIAR DO CENÁRIO DE FUNDO os itens necessários para terminar a fase!!!
Em uma fase, uma série de totens dispara dardos que matam Lester em um hit se ele tentar passar (na verdade quase tudo mata em um hit, a energia é apenas para medir dano de queda por altura... porque é claro que tem isso, como não?), mas você pode eliminá-los com um dos chutes patéticos por Lester.
Até aí ok. Mais tarde, nesse mesmo nível, há outro totem que mata Lester em um único golpe, mas você não pode derrubá-lo. O que você precisa fazer é se jogar em um buraco igual a todos os outros buracos do jogo para descobrir por acaso que tem um cristal no fundo do poço, e que é preciso levar o cristal a um pedestal para desativar esse totem em particular. DEPOIS que você faz isso o jogo dá uma mensagem dizendo que era isso que tinha que fazer.
DEPOIS. Como diabos alguém deveria saber disso? Não tem nada que informe sobre qualquer cristal, os meios com os quais você removeu os totens anteriores de repente não funcionam, e o próprio cristal está escondido em uma cova que parece que você vai morrer ao cair nela! Só não tinha como deixar isso mais merda porque eles não conseguiram pensar em formas de piorar!
Não bastasse os "enigmas" das fases serem dor, os inimigos não são nada melhores - com os morcegos do segundo nível do jogo figurando entre os inimigos mais irritantes da história dos videogames. Os morcegos vêm em enxames e podem se dispersar se você atirar uma pedra na direção deles antes que eles cheguem em você.
Mas nessa fase você precisa correr como um abilolado para pular qualquer buraco, o que é provavel que isso te faça dar de cara com um bando de morcegos com muita frequência. Os morcegos então vão continuar pululando em você até que você perca toda a sua vida porque não tem como você fugir deles. Não tem como evitar, é gg já eras, você só precisa aceitar a derrota. É um design de jogo absurdo.
O design dos níveis em si são tão filhostaputa quanto. Muitos dos níveis apresentam buracos nos quais você não tem certeza se pode ou não cair sem morrer, enquanto outros parecem propositalmente colocar obstáculos de tal maneira que não tem como Lester avançar sem ser atingido (o que é ainda mais frustrante porque não existem vidas extras para serem coletadas nesse jogo).
A essa altura eu poderia apenas dar um resumo dos estágios do jogo, porque além de estrelar um personagem que contraria as ações do jogador, o jogo acaba sendo uma exibição das piores ideias que alguém já teve para level design coladas uma atrás da outra. Parece um jogo que alguém fez para mostrar em um curso como NÃO se faz um jogo.
Tudo bem, a animação do jogo é surpreendentemente fluida para sua época, mas isso só funciona para enfatizar o quanto os movimentos de Lester são estúpidos. E qualquer aspecto positivo que o visual possa trazer é combatido por uma música repetitiva e irritante.
Lester, o Improvável é simplesmente um jogo desastroso. É injusto, os puzzles não fazem sentido, frustrante e muitas vezes quebrado. E é o pior personagem que eu já vi em um videogame. Você quer fugir de Lester, o improvável mais rápido do que Lester foge de uma tartaruga.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 057
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 002