terça-feira, 25 de agosto de 2020

[AÇÃO GAMES 052] TOEJAM & EARL in Panic on Funkotron (Mega Drive, 1994) [#471]

 


Seres humanos tem um poucas características realmente únicas, poucas coisas realmente são únicas na nossa espécie que não são encontradas em qualquer outro animal. Uma dessas características é a sempre presente habilidade humana de foder severamente com qualquer coisa boa. Talvez por coincidencia, talvez como forma de protesto, esse jogo reflete esse tema não apenas na história dentro do game, mas também na história de desenvolvimento do próprio jogo.

No episódio anterior de ToeJam e Earl, nossos aliens malacos caíram na Terra e precisam recuperar os pedaços da sua nave para voltar para seu lar funkástico lar. O que eles não contavam é que centenas de humanos em barcaram de clandestinos na sua nave e infestaram Funkotron quando TJ e Earl voltaram para casa.

Essas pedras estão muito altas, e eu não estou falando da plataforma aqui
 

Como o poder dos humanos é foder a porra toda, a presença desenfreada de humanos fez Funkotron fez o planeta perder sua funkicidade, ao ponto que o Grande Funkopotamus, o funkador de toda funkicidade, se retirou deste plano de existencia onde o funk não é mais funkadélico.

Assim, cabe aos aliens descolados resolverem a porra toda capturando os humanos espalhados por Funkotron - felizmente para isso eles dispõem de um suprimento infinito de potes de geleia. Então é hora de empotar os humanos e manda-los para bem longe de funkotron, afim de restaurar a funkicidade do seu lar.

Porque é o que humanos fazem, desfunkeiam tudo.

Um dos inimigos do jogo, o cowtergeist. Sim, é sério.

Essa premissa é particularmente ironica quando você vê sobre a história de desenvolvimento desse jogo: Toejam & Earl não é apenas um dos jogos mais originais do Mega Drive, como de todos os anos 90. No jogo você explora o mapa para encontrar elevadores que te levarão ao próximo nível ou peças da sua nave se houver alguma neste nível, e por explorar o mapa eu quero dizer andar e revelar areas mesmo. Muitos jogos tem um mapa geral, um overworld, onde você anda para entrar nas fases depois. Em T&E o jogo É o overworld.

Sabe aqueles achievments do WoW de completar as areas de um mapa? Então o jogo é basicamente uma versão disso. Eu sei, não parece muito divertido explicando dessa forma - e esse é um dos motivos desse jogo ser único e não algum tipo de genero - mas eles fizeram de uma forma que ficou divertido, esse é o pulo do gato.

O grande desafio do jogo é "como chegar lá?" tornando um primo bem esquisito (ou mais um tio-avô) de Tomb Raider nos 16 bits. Você explorou toda a ilha em que está e não tem nenhum elevador ali ou parte de nave, e tem outras ilhas flutuando no espaço. Como chegar lá? Explorando o mapa para achar um caminho, e é muito satisfatório quando você consegue.


Descrevendo assim não parece que o jogo funcionaria enquanto jogo, mas a verdade é que funciona. Talvez pelo senso de humor dos inimigos, talvez pelo modo cooperativo em que a tela se divide (é pra glorificar de pé, igreja), talvez pelo feelings descolado de funk e maneiro que é cool justamente por não tentar demais (ao contrário de quase tudo que se fez nos anos 90).

Jogando você sente que o jogo funciona... mas como você convence as pessoas a jogarem algo que descrevendo não parece muito legal? Esse foi um problema que ToeJam e Earl enfrentou, e precisou de um bom tempo para o boca-a-boca de quem jogou o jogo transforma-lo de um fracasso comercial em um clássico cult.

Exclusivamente quando o pato bombardeiro passa na tela você ganha o comando de apertar para baixo para... bem, abaixar. Duck, entenderam? É, eu realmente os caras brisados que fizeram o jogo explicando isso e rindo pra caralho...


Por isso quando o criador do jogo original, Greg Johnson, terminou de fumar toda maconha naqual ele conseguiu por as mãos e propos a Sega fazer uma continuação do seu jogo... a resposta da Sega foi bem pouco funkadelica. Sim, ele poderia fazer ToeJam e Earl 2, mas não, ele teria que ser um jogo de plataforma tradicional porque eles queriam algo que fosse palatável ao maior número de pessoas possível.

Porque, você sabe, executivos são as criaturas menos funkadelicas de toda funkicidade e sua única alegria na vida é tirar a funkicidade das coisas. Assim como na Funkotron do jogo, o desenvolvimento de TJ&E 2 teve toda sua funkolagem roubada por humanos babacas e agora caberá a um herói muito alto nas dorgas resgata-las.

O que significa que Gregão da massa reagiu da única coisa que poderia reagir: 

De toda sorte, Gregolicious terminou seu estoque de dorgas, e após isso tentou fazer o melhor jogo de platadorma que ele podia fazer. De modo que a pergunta que realmente importa passa a ser: e aí, foi funkalicioso o suficiente?

Invertendo a ordem das coisas de como eu normalmente faço, eu responderei que sim, TJ&E2 é um bom jogo de plataforma. E o que surpreende aqui é justamente que Greg escolheu a forma mais dificil possível de fazer um jogo de plataforma. Sei lá, talvez ele tenha aumentado a dificuldade de propósito para ganhar mais XP, eu sei lá...

O que eu sei é que em primeiro lugar isso é um jogo cooperativo de plataforma e isso rara, raramente dá certo. O primeiro jogo resolveu o problema divindo a tela quando os jogadores se separavam, o que reconhecidamente é a solução ideal já que prender dois jogadores na mesma tela leva a muita frustração e gritos de "me dá tela, caralho!".

Esse jogo (e jogos de plataforma em geral) tem mais elementos na fase que o seu antecessor, de modo que o Mega Drive não conseguiria gerenciar uma tela dividida. Então como resolver isso sem levar os jogadores a insanidade?

A solução encontrada foi mais ou menos o que a Blizzard fez para resolver esse problema em THE LOST VIKINGS que foi eleger um jogador como sendo o prioritário que controla a rolagem da tela. A diferença é que no jogo da Blizzard o jogador que controla isso apertando um botão no controle, como no Mega Drive faltam botões sobrando no controle a saída que eles preferiram foi fazer com que o jogo escolhesse qual dos dois players controla a tela. E se um dos jogadores estiver fora da tela é só apertar Start que ele volta, bem simples.

A coisa é que eu não realmente entendi o critério que o jogo escolhe e as vezes a tela anda com o player 1, as vezes com o player 2 e muitas vezes ela troca no meio de um pulo ou algo assim. Não é uma coisa que funciona 100% do tempo, mas definitivamente bate a outra opção adotada pelos jogos da época que trancam a tela a menos que ambos personagens andem juntos. Eu realmente não preciso citar os acidentes de trem como THE BLUES BROTHERS ou REN & STIMPY: STIMPY INVENTION, né? 

Então, é, ok, o modo cooperativo funciona.

Lembrem-se da valiosa lição de Towlie, crianças: drogas depois do trabalho feito, não antes


A outra coisa que Greg escolheu para esse jogo e que quase nunca funciona mas que ele fez fazer funcionar aqui é a proposta do jogo: um jogo de plataforma de fases labirinticas de achar itens espalhados (os "itens" no caso aqui são os humanos a serem capturados com seus jarros potebolas). Em 99,97% das vezes que isso é feito resulta apenas em sofrimento e dor.

Então como você evita que um jogo com essa proposta seja sofrimento e dor? Através de algo insano e que a maioria dos desenvolvedores de jogos dos anos 90 preferiria atirar seu primogenito no fogo do que sequer cogitar: NÃO SER CUZÃO COM O JOGADOR.

Insano, eu sei. Proibido, muitos desenvolvedores diriam. Ainda sim, foi o que Gregão fez: não ser babaca com o jogador. E como ele fez isso?

Mas sério, olha essa fase de bonus e me diz se isso não é coisa de alguém muito brisado

Bem, em primeiro lugar tem uma seta indicando pra que lado está o humano mais próximo. O problema de fazer isso é que a menos que você realmente se esforce em fazer um level design desafiador o jogo fica muito obvio, e é por isso que a maior parte dos desenvolvedores não faz isso: porque dá trabalho. Mas aqui o jogador tem uma noção de para que lado tem que ir, como ele vai chegar lá é algo que ele tem negociar com o level design da fase.

Digamos que a seta esteja indicando uma altura inaccessível de onde você está. Certamente tem outro caminho em como chegar lá em cima, esse caminho pode ser através de plataformas invisiveis, pode ser que você tenha que avançar até conseguir subir para um nível superior e então possa voltar por cima, ou pode ser que você tenha que usar um sistema de teleportes. Não é imediatamente obvio, mas também não é inimaginável - o que é o ideal em um jogo.

E mesmo as coisas ocultas que tem que ser descobertas envolvem muito menos tentar adivinhar psiquicamente a solução que o desgraçado do desenvolvedor tinha em mente, e mais prestar atenção nas dicas visuais da fase. Nesse jogo não existem itens voando aleatoriamente no céu, então se você ver um item que não dá pra alcançar é porque tem um caminho para ele de alguma forma próxima. Ou então existem placas de caminho mesmo.

Vai Earl, fritando na rave pra cremosa

Sem isso o jogo seria dolorosamente criptico, mas a forma bem pensada que as dicas visuais são dadas faz com a experiencia não overstay your welcome. Ou em uma linguagem mais simples, não ser babaca com o jogador.

Outro problema muito sério que os jogos de Mega Drive tem é que a Sega insiste que a camera seja enviada quase dentro da bunda dos personagens para assim eles ficarem bem grandes na tela e o jogo parecer bonito, é uma politica da Sega isso que muitas empresas tentaram imitar (especialmente na era de ouro dos mascotes). E realmente, bonito fica. O problema é que isso torna a merda praticamente injogavel, porque você precisa ver onde está indo do contrário o jogo nada mais é do que uma coleção de saltos de fé e dar de cara com inimigos que você não tinha como ver porque vieram de fora da tela (com um zoom tão grande, 99% da fase é "fora da tela").

Como TJ&E2 resolve isso? Mais uma vez seguindo a máxima proibida do level design: "não sereis cuzões". Isso quer dizer que esse jogo tem sim sua boa dose de saltos de fé porque o zoom é muito próximo e os personagens são grandes na tela, mas isso não é tanto um problema assim porque sempre tem uma forma de voltar e você não perde muita coisa por errar - que é justamente a sensação que você quer transmitir em um jogo de exploração de cenário. Não puna o jogador por fazer o que o jogo propõe que ele faça.

Wwwwwiiiiiiiiii!!!!


Sério, o que eu estou falando é o básico do básico de desenhar jogos, e ainda sim é impressionante a quantidade de jogos que falham miseravelmente em fazer isso. Já TJ&E2 não faz isso, a impressão que dá é que depois de pronto o jogo foi testado e assim os desenvolvedores puderam identificar todos os pontos de gargalo onde o jogador ficaria preso ou frustrado - resolvendo eles colocando um botão de teletransporte ou uma mola ou algo assim.

Ou seja, mais uma vez, não ser babaca.

Eu poderia dizer que entendo totalmente como os comandos dessas sessões de pula-pula funcionam, mas isso seria mentira.


Curiosamente os níveis foram em parte projetados por Even Wells, que hoje é o co-presidente da Naughty Dog. De aliens funkeiros a fungos zumbis certamente foi um longo caminho. Mas enfim, esse jogo não é babaca com o level design, mas isso não quer dizer que ele faça algo particularmente incrível com ele também já que temos todos os padrões genéricos atendidos com fases subaquáticas, mundos escorregadios de gelo e também fases de fogo. Sim, com a vantagem que eles tem nomes criativos como Mac Daddy Meadow, chill-in 'fields, kickin' cliffs, Awesome ártic e Roastin 'Road. Não acho que em algum outro jogo você tenha jogado uma fase chamada Hyperfunk Zone.

Pelo menos cada um dos 17 estágios é visualmente distinto e há muito uso da rolagem de paralaxe, o que torna os ambientes mais bonitos.

Apenas bros fazendo bros stuff, como desovar humanos de volta para a Terra


De qualquer maneira, apesar da dramática mudança de estilo de jogo, eu diria que é um conforto que o humor surreal permaneceu o mesmo. Existem muito poucos jogos onde você vai caçar fantasmas de vacas, patos em tapetes mágicos, uma mulher idosa cercada por poodles furiosos ou um homem nu cantando ópera enquanto se esconde em uma caixa de papelão. Na verdade, eu vou ficar realmente surpreso se esse não for o único.

O resumo do jogo é que enquanto Gregão tomou cuidados especiais para não foder a porra toda (não colocar uma luta de chefe final tirada da bunda foi uma decisão ousada, porém acertada), e conseguiu, também não tem muito além disso. É um jogo bonzinho, mas meio que vai até aí. 

Pessoalmente eu preferiria que o jogo melhorasse o primeiro jogo e seguisse o caminho que os desenvolvedores originalmente pretendiam - por mais ok que seja, existem milhares de jogos de plataforma, mas não existe nenhum outro jogo como o ToeJam & Earl original

Capturando criaturas em potes antes de pokemon tornar modinha


O resultado um tanto óbvio (exceto para a Sega, é claro) é que "ToeJam & Earl in Panic on Funkotron" nunca teve o sucesso que a prequela teve e, como resultado, os desenvolvedores e a Sega decidiram deixar de lado a série 'ToeJam & Earl'. Ele permaneceria em banho-maria por mais nove anos, até que a Sega abandonasse a produção de hardware e Greg pudesse lançar seu jogo para outra plataforma. O terceiro jogo da série foi lançado apenas 2002 para o Xbox original (a Microsoft me fode a vida com esses nomes de console dela, eu não posso nem chamar de Xbox 1 porque existe um Xbox One e ele é outra coisa!)

Anos mais tarde Greg Johnson revelou que embora eles não tenham oficialmente se desculpado, até a Sega reconheceu que eles "podem" ter cometido um erro ao exigir as mudanças. “Almocei com Toyoda Shinobu, que era o vice-presidente de desenvolvimento da Sega, e ele admitiu que provavelmente foi um erro da parte da Sega exigir um side-scroller”, lembra ele. “Eu disse a Shinobu-san que imaginei que fosse a coisa mais próxima que receberia como um pedido de desculpas da Sega. Ele sorriu, e devo dizer que foi muito gentil com isso”

"Se eu tivesse uma máquina do tempo, voltaria e diria aos meu eu do passado para ignorar todos os pedidos que recebíamos da Sega para mudar o segundo jogo e continuar com as coisas como começamos", disse Greg Johnson certa vez à revista Retro Gamer. Teria sido o melhor mesmo.



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 042 (Setembro de 1997)