Ao contrário do que os canais de nostalgia no YouTube querem te vender, os anos 90 não foram uma época particularmente incriveis para ser criança. Os desenhos animados estavam começando a aprender a tirar a inhaca que foram os anos 80, videogames eram muito, muito caros em uma época que a economia era muito pior do que era hoje.
Sério, se você acha que o Brasil é pobre hoje, você realmente não viveu os anos 90. Tanto que fazem já faz uma geração e meia de consoles que pirataria já não é sequer um fator relevante porque hoje os jogos são muito baratos e as pessoas tem dinheiro para compra-los mesmo assim. Se você viveu aquela época sabe o quão inacreditável isso é.
Capa japonesa da versão para 3DO |
E uma das coisas que tornava as coisas tão dificeis era a programação de TV: basicamente suas opções eram filmes merda na Sessão da Tarde, alguma coisa pior ainda no SBT que de tão ruim eu nem lembro o que era, ou desenhos europeus toscos na Cultura. Verdade que um em cem eram bons, como Tintin ou Babar, mas a grande maioria era lixo de pouco esforço.
A programação infantil começava a ficar boa (para os padrões da época, claro) só por volta das cinco da tarde quando a Manchete exibia o seu bloco de animes e a TV Cultura passava seus melhores programas como Castelo Ra-Tim-Bum e O Mundo de Beakman.
Só que dos programas que abriam esse bloco de coisas interessantes para assistir, o menos interessante de todos, o que eu menos gostava era justamente o primeiro: Ra-Tim-Bum. Verdade que eu nunca entendi exatamente esse programa. Teoricamente Ra-Tim-Bum era um programa educativo para crianças menores do que eu era na época, mas eu não sei, eu sempre achei muito estranho e desconexo, um pouco incomodo até. Parece que o programa não sabia se queria ser um show kitsch conceitual de arte ao estilo europeu ou se queria ser um programa infantil educativo - no que acaba tentando ser os dois ao mesmo tempo.
Sério, qual é o ponto aqui? O programa inteiro é um monte de quadros sem conexão entre si repleto de cenas, e mesmo sem muito sentido por si só. Eu realmente nunca gostei muito de Ra-Tim-Bum quando criança, e não acho que isso tenha mudado em trinta anos.
Mas sabe do que eu gostava? Do que eu realmente gostava? Da abertura desse programa. Pra mim era a melhor parte dele inteiro, eu adorava essa abertura (e o encerramento, que era a abertura passada ao contrário):
Eu sempre achei máquinas de Goldberg (nome dado em homenagem ao cartunista Rube Goldberg que fazia tirinhas de jornal imaginando gambiarras assim) extremamente fascinantes. Sempre que um desenho ou programa tinha uma gambiarra dessas imediatamente tinha minha atenção, porque eu realmente gostava dessas coisas.
Alias eu não sou o único, já que até hoje existem campeonatos de construir Rude Goldberg machines no mundo. Claro que eu não manjo dos paranaues para fazer uma coisa dessas, mas não deixo de acha-las fascinantes.
Então sabe o que seria legal, tipo realmente legal?
A boa noticia é que alguém fez isso: esse alguém é Kevin Ryan, que em 1992 fez para MS-DOS o jogo "The Incredible Machine", que é justamente uma sequencia de puzzles sobre usar objetos para fazer gambiarras. Mas como isso funciona enquanto jogo?
No começo de cada fase é dado um objetivo, e é um diferente para cada uma das fases. Aqui tenho que realmente elogiar o trabalho de Kevin Ryan: ele não apenas desenhou 87 fases para o jogo, mas pensou em 87 objetivos circunstanciais a esses designs.
Muitos puzzles se contentam em pensar em uma mecanica básica e então usar um gerador aleatórios para dar o trabalho por completo, mas esse não é o caso aqui. É um jogo com cada uma das fases desenhadas a mão!
Na imagem acima, por exemplo, você tem que estourar os dois balões da direita. Outros são um pouco menos... ortodoxos:
Mas... como você faz isso?
Então, o jogo te fornece um número limitado de ferramentas, cada uma executa uma única ação especifica. O macaco na bicicleta, por exemplo se você puxar a cordinha ela abre a persiana e revela uma banana, que faz ele girar a roda da bicicleta.
Esse giro pode ser conectado a várias coisas através de uma correia para movimenta-las, incluindo geradores elétricos ou uma esteira para mover as coisas.
Existe um número bastante grande de itens para serem utilizados, nas fases iniciais você recebe apenas o que você vai precisar na fase mas mais para frente você tem muita coisa a sua disposição e precisa pensar fora da caixa para atingir seus objetivos.
Nesse sentido o jogo funciona incrivelmente bem: cada item faz só uma coisa, mas ele faz aquela coisa de forma regular e confiavel. Não havendo espaço para aleatoriedade no jogo o puzzle não sente injusto e tudo depende inteiramente de você - o que é mais do que se pode dizer de jogos modernos no mesmo estilo, como Constructor Bridge Portal por exemplo.
A fisica do jogo ser consistente permite que você experiemente sua ideia, e então rapidamente perceba o que está dando errado e corrija isso - ou mesmo abandone a ideia totalmente caso perceba que o que você está tentando construir não vai dar em nada.
E o melhor é que como existem muitas ferramentas diferentes para serem usadas, existem diversas formas de se concluir a fase. A coisa mais frustrante que tem em um puzzle não é apenas ter que resolver o problema, é ter que resolver exatamente da forma que o criador do jogo pensou. Como TIM tem essa coisa de brincar com a fisica, acaba não incorrendo nesse problema - o quão simples ou o quão gambiarrenta é a sua solução fica inteiramente a seu critério.
Novamente, é o que eu espero de um puzzle.
TIM é um jogo dificil, especialmente depois da metade, mas não parece injusto em nenhum momento já que, como eu já disse, a fisica dele é consistente mas além disso as primeiras fases fazem um bom serviço de tutorial ensinando como usar as ferramentas mais complexas. Tipo tem tomadas que geram energia para ligar equipamentos apenas se tiver uma fonte de luz perto, então tem algumas fases bem simples mostrando o funcionamento básico desse tipo de item.
Essa não apenas é uma abordagem muito boa, como era rara naquela época em que a lógica de design é "leia o manual, compre revistas e vai se foder". Não, TIM tem uma curva de aprendizado bastante agradavel. Definitivamente esse é um puzzle que acerta em muitas coisas, mesmo nas coisas que não era comum se acertar na época.
O jogo ainda conta com um modo de construção, onde você pode bolar desafios para os coleguinhas resolverem... ou para você mesmo resolver se não tiver amigos, o que é um cenário mais realista...
TIM infelizmente nunca foi portado para consoles, pelo motivo obvio de que esse jogo não foi feito para ser jogado sem um mouse. Poderia ter sido para Super Nintendo já que o mesmo tinha um mouse, mas vai saber o que eles pensavam... o único port doméstico desse jogo é justamente esta versão para 3DO... que funciona tão bem sem um mouse quanto você pode imaginar. Excelente jogo, forma de jogar errada.