quinta-feira, 25 de março de 2021

[SNES] X-MEN: Mutant Apocalypse (Novembro de 1994) [#663]



Eu vou começar o texto de hoje dizendo uma coisa que você já sabe, porque assim você vai se sentir esperto e eu sou legal desse jeito. Então aqui vai: no ano 2000, o mundo era muito diferente do que é hoje. Lembra de quando para comemorar um aniversário não tinha nada demais reunir um monte de gente numa sala fechada e então alguém efetivamente soprar em cima do bolo que todo mundo ia comer? Lembra de quando isso era uma coisa? Tempos loucos, eu te digo. Tempos loucos.

Mas onde eu estava? Ah sim, ano 2000. Eis aqui outra coisa estranha sobre o ano 2000: filmes de super-heróis não eram realmente uma coisa, sabe? Para falar a verdade, nunca foram. Quer dizer, tinha um filme aqui e acolá que o pessoal gostava como o primeiro Super Homão (especialmente porque o Christopher Reeve faz um Clark Kent goofy tão bom), ou do Batman do Tim Burton, mas meio que era isso. E volta e meia algum filme ou outro dava certo, mas a maioria das pessoas sequer sabia que era uma adaptação de quadrinhos - como Blade, por exemplo, que é cool com o Wesley Snipes mas até hoje muita gente não sabe que é um personagem da Marvel.

Claro que Hollywood não era ignorante a esse fato: você tem literalmente decadas de material pronto, já escrito e com peso emocional para milhões de fãs ao redor do mundo, se você conseguisse extrair esse potencial seria como descobrir um novo poço de petroleo com suprimento quase ilimitado (o que é uma analogia prestes a ficar datada, não acho que petroleo será tão relevante para o resto desse século como já foi um dia). O que é mais ou menos a mesma situação que Hollywood tem hoje com videogames, quer dizer, você tem todas essas histórias prontas - algumas delas muito boas - com personagens amados pelos fãs... e não sabe exatamente como explorar isso. Apenas recentemente as primeiras tentativas começaram a dar certo com filmes como Detetive Pikachu ou, acreditem ou não, Sonic.

Mas voltando aos anos 2000, filmes de quadrinhos. Era algo que Hollywood queria fazer, mas quando tentava o resultado que conseguia era algo como... isso:


Foi quando um homem teve uma ideia e era uma ideia realmente louca: e SE, veja bem, e SE a gente fizesse um filme de super heróis... feito por gente que realmente se importa com super-heróis? E se a gente misturasse o que deu certo nos quadrinhos (e para isso você precisa de alguém que efetivamente se importe com os quadrinhos) mas adaptasse para uma linguagem que o publico geral aceitasse como palatavel?

Esse produtor da Fox então reuniu um mix perfeito de fãs do material original com ceticismo para convencer o publico geral de que super-heróis eram cools... colocando no elenco o maior número de estrelas que eles poderiam pagar. O nome desse cara?


Kevin Feige. Nascia assim "X-Men: O Filme" e foi o primeiro filme de Super-Heróis a dar certo enquanto se identificava como tal. Claro que para isso foram necessárias algumas concessões, como os uniformes ultra coloridos dos quadrinhos teriam esperar, especialmente na era pós-Matrix o quente mesmo para o publico era todo mundo usar couro preto.

Os elementos mais fantásticos dos X-Men também poderiam aguardar para mais tarde, como as viagens no tempo, as tretas intergalacticas (que são uma parte muito grande da vida dos X-Men nos quadrinhos), os vilões destruidores de mundo, tudo isso ainda não era hora. Kevin Feige identificou que o que iria funcionar ali, naquela época, naquelas circunstancias, era um filme mais pé no chão baseado na relação entre os personagens



Para o ano 2000 era necessário esse cinismo mais pé-no-chão depois da folia do boi louco que foram os anos 90 e sua "ATITUDE, SEU COROA", e deu certo. Nós temos todos esses personagens com histórias dramaticas e relações humanas entre eles, então para um filme de 2000 realmente funcionou. A coisa da relação complicada entre o professor Xavier e o Magneto sendo vista através da Vampira entrando nesse novo mundo e o Hugh Jackman sendo o Hugh Jackman, definitivamente funcionou.

Alias você sabia que o script desse filme foi feito pelo David Hayter? Pois é, fucking Solid Snake - que é um nerdão de marca maior, afinal.




Bem, agora Hollywood tinha uma porta de entrada para esse potencial inexplorado e inesgotável de ideias testadas e aprovadas, e embora levou algum tempo até realmente entender o que fazer com isso, todo mundo hoje sabe como essa história termina. Houve um gap entre X-Men de 2000 e o MCU efetivamente começar em 2008 com o Homem de Ferro no qual pouca coisa realmente digna de nota aconteceu (ao menos nota positiva, isso é) com exceção dos filmes do Homem-Aranha do Sam Raimi. Mas, como eu disse, todo mundo sabe no que isso deu...

... exceto, o que foi feito dos X-Men, afinal? Eles começaram essa coisa toda, mas... e aí, que fim levaram os mutantes que não são os caminhos do coração?



Bem, eis aqui o problema: a Fox agora tinha uma coisa que eles sabiam que funcionavam (o conflito humano entre os personagens), então reutilizaram o que eles tinham certeza que dava certo. X-Men 2 ainda é um bom filme e melhora várias coisas do primeiro, mas teve uma repercussão muito menor. Para X-Men 3 eles então pensaram o seguinte: "acho que as pessoas estão cansando disso, vamos colocar mais elementos dos quadrinhos que eles vão gostar!"

... e então eles esmagaram a história da Arma-X que é parte da origem do Logan junto com a saga da Fenix Negra num filme só, porque se as pessoas gostam de coisas de quadrinhos então vamos dar dois de seus arcos favoritos numa vez só, não tem como dar errado!


Pouco surpreendentemente, X-Men 3 deu errado. A esse ponto você consegue ver o quanto os executivos da Fox não faziam ideia do que fazer a seguir. As pesssoas que realmente se importavam e entendiam quadrinhos tinham saído para trabalhar na Marvel, e os executivos sabiam apenas que uma formula em 2000 tinha dado certo mas ficar repetindo ela teria diminishing returns.

Então o que a Fox fez? Começou a atirar coisas na parede para ver o que colava. Ah, "Wolverine é o personagem mais popular com o publico? Vamos dar um filme solo pra ele. Qual filme? Não importa, desde que tenha o Hugh Jackman e seja feito logo! Coloca o HJ sem camisa em várias cenas, ele anda sem olhar para explosões ao fundo e é isso. E hã, ouvi dizer também que os jovens estão gostando desse tal de Deadpool, então vamos colocar ele no filme como chefão final só que, hã, mudo e com espadas nos braços porque os jovens gostam de subversões e coisas de videogame segundo a nossa pesquisa". 



Não deu certo também. O que eles tentaram a seguir? Pegar o conceito de X-Men Origins: Magneto (se o filme do Wolverine desse certo viraria uma série própria de X-Men Origins) e transformar num filme de origem do grupo, o que tinha o bonus de dar um novo folego para as relações entre os personagens - que é algo que os executivos sabiam que funcionava.

E o que de fato funcionou, X-Men First Class não é um filme perfeito, mas reascendeu o interesse do público com um novo cast dando novo folego para os personagens. Ótimo, como você explora mais disso? 

Bem, você pode é claro apenas fazer mais disso, mas isso não resolveria o problema a longo prazo - como o declinio de X-Men 1 para o 3 mostrou. O que eles poderiam fazer, entretanto, era copiar o que a Marvel já estava fazendo a esse ponto e explodindo de sucesso: um universo cinematográfico coeso em que o publico está investido na ideia. O que não foi só a Fox que pensou, diga-se de passagem. A Warner tentou fazer o seu universo compartilhado de filmes com os personagens da DC (e meio que desistiu disso pq falhou), a Universal tentou fazer isso com um universo compartilhado de monstros (e desistiu disso pq falhou logo no primeiro filme), e então a Warner tentou de novo com seu universo compartilhado de kaijus (que é o único que eles não desistiram ainda, com Godzilla vs King Kong saindo esses dias).

Aparentemente mexer com as linhas temporais tem o efeito colateral de fazer as pessoas nascerem antes, hã

Então como a Fox ia transformar todos os filmes num universo unico? Super simples, sequer um incoveniente: um megafilme de viagem no tempo fundindo os três primeiros filmes dos X-Men com a linha temporal de First Class. O que não dá pra dizer que deu errado ERRADO, mas a esse ponto as pessoas já tinham realmente parado de se importar com X-Men.

Porém os executivos da Fox estavam confiantes que isso não era importante, porque agora que a casa estava "arrumada" eles podiam começar a construir seu novo império cinematográfico. O que quer dizer copiar o que a Marvel estava fazendo, claro. E o que a Marvel estava fazendo? Um grande vilão roxo super fodão e invencível numa batalha épica, os X-Men tinham alguma coisa desse tipo?

Infelizmente, sim.


Vê, temos um problema aqui: eu sempre achei o Apocalypse um dos vilões mais desinteressantes dos X-Men. Se tem uma coisa que Kevin Feige acertou bem no ano 2000 foi que o ponto forte de X-Men é a relação entre os personagens.

Se você ver uma HQ dos X-Men, uma parte muito consideravel dela é basicamente novelinha: quem gosta de quem, quem vai ficar com quem, traições, alianças, etc. É por isso que o Magneto funciona tão bem com o professor Xavier, por causa da relação entre eles. E é por isso que o Apocalypse é um vilão tão, tão sem graça: ele é apenas mau pq ele é mau e quer dominar o mundo pq ele se acha o fuderoso da esquina.

E embora o Apocalypse seja imensamente poderoso - quase godlike - ele não é tão poderoso assim para compensar sua falta de personalidade com sua fodabilidade. Especialmente no universo Marvel onde tem vilões muito mais foderosos como o Thanos, o Galactus ou até mesmo a Fenix Negra dentro do próprio universo dos X-Men. Então o Apocalypse é bem meh. E não ajuda nada que tenham escolhido para interpretar um monstro quase invencível... o Creed do The Office


Adicione a isso mais uma duzia de decisões do estúdio baseadas em pesquisas de opinião que não fazem nenhum sentido narrativamente ("as pessoas gostam da Jeniffer Lawrence, então vamos fazer a mística a líder dos X-Men!", "as pessoas gostam do Magneto, então vamos repetir o arco de redenção dele!") e temos um clusterfuck de decisões ruins. Quando a melhor cena do filme é uma tentativa desesperada de copiar outra cena que deu certo (a cena do Mercúrio em Dias de Um Passado Esquecido), você entende o tamanho do erro.

E, vê, quando você considera tudo que eu escrevi até aqui meio que dá pra entender o que deu errado com X-Men e porque esse filme do Apocalypse é tão, tão ruim. Basicamente porque os executivos da Fox nunca entenderam o que fazer com X-Men, nunca tiveram um plano para ele - não um mais complexo do que "vamos repetir o que já deu certo/vamos copiar a Marvel" pelo menos.



Eu sei que é fácil esquecer disso quando falamos de uma indústria que movimenta bilhões e bilhões de dolares por ano, mas filmes são ultimamente criações artisticas. Eles tem que ter um objetivo, um ponto, e esse ponto nem precisa ser realmente pretencioso (John Wick 3 quer apenas tirar as cenas de ação mais legais que podem ser exploradas de cada situação, e funciona!), mas tem que ter alguma coisa! Qualquer coisa!

Quando você assiste um filme dos X-Men consegue entender porque os executivos tomaram aquela decisão de um ponto de vista mercadológico ("vamos copiar essa cena da Múmia, as pessoas adoram a Múmia"), mas você não consegue sentir uma visão artistica ali. X-Men se tornou um recortar e colar sem alma, e isso chega até o público. As pessoas são racionalmente estúpidas, mas as emoções não são tão faceis de manipular (vide tantos e tantos fracassos bilionários em Hollywood).

E morreu de come alcóolico

E o pior é que tem muito material para explorar em X-Men, já que a temática é sobre discriminação e preconceito. Se a Fox quisesse meter o dedo na ferida dava pra fazer grandes coisas com isso, mas esse é meio que o ponto aqui, a Fox não queria nada em particular além de ganhar dinheiro e não se incomodar com isso.

Então, o que fazer com os filmes X-Men? Eu consigo visualizar um filme pegando pesado em questões sociais e relacionamento intimista entre os personagens, mas eu não tenho uma resposta pra o que fazer com a franquia no longo prazo. E honestamente não acho que a Marvel mesmo tenha - tanto que eles já disseram que a introdução dos mutantes no MCU não vai acontecer tão cedo, e quando acontecer vai ser algo importante. Provavelmente eles estão planejando para uma "terceira temporada" do MCU, sendo que a segunda está mal começando agora.

Acho que eu baixe o X-Men Apocalypse errado...

O que eu sei é que na situação que os filmes se encontram, escolher justo o Apocalypse para fazer o filme mais espetaculoso possível foi a pior ideia possível. Parece muito que X-Men Apocalypse foi feito apenas porque a Fox tinha algum tipo de obrigação contratual de fazer o filme então tudo foi feito de qualquer jeito porque foda-se, desde que marcasse os checkboxes dos executivos.

Mas seria a saga do Apocalypse e seus quatro cavaleiros mutantes do apocalipse pelo menos adequada para um jogo de Super Nintendo? A Capcom achou que sim.


Então que tipo de jogo é o "X-Men: Apocalypse Mutante" para SNES? Um bastante curioso, porque não era comum naquela época um jogo misturar generos - os videojogos eram bastante simples. Hoje é absolutamente normal ter um FPS de mundo aberto com elementos de RPG e mecanicas de stealth, mas nessa época a mistura louca de generos era bem incomum.

Esse jogo, entretanto, é basicamente um beat'm up com comandos de jogo de luta e vários momentos de jogo de plataforma. Acho que a coisa mais perto que existe para explicar esse jogo é BATTLETOADS que mistura beat'm up com plataforma e corrida, mas como é impossível mencionar esse jogo sem causar engulhos vamos pular essa parte.


A mecanica do jogo é a seguinte: na maior parte do tempo você anda e soca as pessoas... ou coisas... como em um beat'm up, mas então usa comandos de jogos de luta para usar os ataques especiais dos personagens. Para o Ciclope, por exemplo, você faz o comando do hadouken para disparar sua rajada optica.

A pergunta que realmente deve ser feita então é: isso é realmente prático? É funcional em um beat'm up? Hã... não muito, exatamente. Os comandos não saem muito suavemente, Street Fighter 2 isso não é eu te garanto, então honestamente não vale tanto o esforço assim. Até porque o dano do ataque especial não é muito melhor que o golpe comum. Isso diminui bastante a diversão da coisa toda, mas it is what it is.

Falando em Ciclope, uma coisa interessante que o jogo tem é sua seleção de personagens. São cinco personagens e você tem que jogar uma fase com cada um antes das fases finais em que você pode escolher o seu personagem.


Temos, obviamente, o Ciclope, líder dos X-Men e que tem a incrível marca de ser o favorito de absolutamente ninguém, mas suas rajadas opticas são o segundo melhor ataque do jogo okay.


Obviamente também que não podia faltar o canadense de sotaque australiano favorito de todos. Eu sou contratualmente obrigado a apontar que o poder mutante dele está errado, porque o poder mutante dele não são garras inquebraveis de adamantium. Em primeiro lugar adamantium não é inquebrável, vibranium é um material mais forte, em segundo lugar as garras de adamantium não são o poder dele. Seus poderes são o poder de regeneração e as garras de osso que posterioramente foram revestidas com adamantium.

... uau, eu sou divertido em festas, não?


Sim, eu sei o que você está pensando: a Psylocke é um dos bad guys nessa história, então porque ela é um dos heróis selecionaveis. A resposta é muito simples, realmente: ela é uma ninja psiquica de maiô dois números menor do que deveriam, porque ela NÃO seria um personagem jogavel? Eu posso respeitar a forma como a Capcom pensa.

... o fato de "ser bonita pra caralho" ser um traço do personagem é algo mais questionável, tho. Mas o seu ataque especial dela ser deslizar com a adaga psiquica e acertar todo mundo na tela é bastante útil, então it is what is.


Fera nesse jogo é, inútil. Ele tem o poder de andar pendurado no teto, mas isso não tem utilidade nenhuma exceto na própria fase dele porque as outras fases não foram desenhadas para aproveitar isso fazendo dele um personagem bastante dispensável.

Então kudos a Capcom pela adaptação fiel do personagem.


Gambit era meu personagem favorito dos X-Men quando eu criança, eu nunca fui muito um Wolverine kind of guy. Já o Gambit era tão misterioso, sempre tão cool com sua atitude "i dont care"... e claro, a coisa dele ter uma coisa não resolvida com a Vampira (por motivos obvios) fazia dele perfeito para os anos 90.

E também ele é o melhor personagem do jogo, isso ajuda também. Ao contrário do Ciclope ele pode atirar para cima, o que é muito útil com inimigos voadores e alguns chefes.

Definitivamente não é o melhor esforço da Capcom e certamente parece um jogo meio rushado, mas ainda é interessante de jogar devido aos vários personagens e seus movimentos especiais únicos. Os gráficos são grandes, brilhantes e chamam atneção - tem aquele visual SNES clássico onde você sabe à primeira vista que foi feito em 1994 (se isso faz sentido). 


Os controles são o padrão Capcom de qualidade para pular e atacar, mas os ataques especiais são meio duros para golpes especiais. O jogo é dificil, mas os níveis são muito curtos e tem passwords, então as coisas se balanceiam 

Se a Capcom tivesse passado um pouco mais de tempo polindo o level design, este jogo poderia realmente ter sido um dos muitos clássicos da Capcom para o SNES. Em vez disso, é um jogo que interessa pela variedade e termina antes de você realmente perceber que não tem muito mais do que isso.


Quando ao estilo de jogo, eu não me incomodo com beat 'em ups sem profundidade (aqui você só vai para frente e para trás, não para cima ou para baixo na tela), embora realmente gostaria que a Capcom tivesse colocado mais esforço para fazer um beat'm up cooperativo, agora isso sim teria sido muito maneiro.

Ainda assim, é um título sólido e lançado em um momento que os X-Men estavam no auge da popularidade por causa do cartoon, então é cool. É uma pena que não tenha sido ainda melhor porque eu sei que a Capcom pode fazer melhor que isso, mas ainda sim é um bom jogo.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 074




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 006


Edição 010



Edição 011


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 002