Eu já comentei aqui algumas vezes, já que videogames e cartoons dos anos 90 são tão intimamente ligados, que a passagem dos anos 80 para os 90 trouxe uma série de mudanças a própria forma de pensar cartoons. Essa mudança de paradigma deu uma liberdade enorme a pessoas que você definitivamente não pode dar liberdade, como John Kricfalusi e seu doentio THE REN & STIMPY SHOW, mas por outro lado deu também espaço para gente talentosa que queria poder expandir os cartoons sem avacalhar com a porra toda.
Nesse aspecto, TINY TOON foi uma das primeiras tentativas de fazer um cartoon um passo além, algo que equilibrasse sensibilidade artistica, comédia pastelão e programação infantil. Teve sucesso? Err, você consegue ver um brilhareco aqui e ali, mas majoritariamente os escritores bateram muita cabeça com o estúdio porque a concepção conservadora americana de "para crianças" significa "para crianças em idade pré-escolar", então o cartoon teve que jogar muito mais seguro do que a equipe envolvida gostaria que fosse.
Wait, what?
Depois de três de Tiny Toon, os executivos estavam incrivelmente felizes com o sucesso da série. A equipe de produção, não tanto. Tanto que eles interpelaram para a única pessoa que poderia fazer algo a respeito: alguém que os executivos do estúdio não podiam ignorar, o produtor executivo do desenho Steven Spielberg.
Spielberg é uma pessoa tremendamente criativa, e acima de tudo que adora desenhos animados, tanto que ele tem um histórico de usar seus recursos e seu nome na industria para fazer acontecer vários cartoons que estavam empacados como "Em Busca do Vale Encantado" e o próprio Tiny Toon. A equipe criativa do show então pediu para Steven negociar com os cabeças da Warner, e ele tomou o lado dos artistas envolvidos.
Steven então conseguiu um acordo com a Warner: a equipe envolvida teria mais liberdade para fazer algo que os fizesse felizes animando, mas eles teriam que criar seu próprio cartoon: eles não poderiam usar os personagens já rentáveis da Warner para isso, incluindo os Tiny Toons.
Ao que eles responderam simplesmente:
Nascia assim Animaniacs.
Animaniacs é o que acontece quando você dá mais liberdade a artistas que trabalham com animação e que nunca tinha tido esse tipo de espaço antes. O que quer dizer que alguns episódios são geniais, alguns são constrangedores e outros são apenas "que porra eles tão fazendo aqui?"
Um exemplo perfeito desse equilibrio caótico e um tanto inocente do desenho é o quadro dos Goodfeathers. Veja, em 1990 Martin Scorcese fez o filme de mafia quintessencial que até hoje todo mundo lembra pela atuação espetaculinda do Joe Pesci
Quando George Carlin diz que ele apenas reza para Joe Pesci, eu totalmente entendo o porque. Mas então o que nossos autores de cartoon fizeram? Um quadro com uma paródia de "The Goodfellas" chamado "The Goodfeathers", em que os três personagens principais do filme são pombos: o pombo de boas que tem tudo sobre controle, o pombo Joe Pesci que acha que ninguém respeita ele e está sempre pistola e o pombo novato nessa coisa de máfia.
Isso é uma piada realmente inteligente e realmente boa, é o tipo de coisa que eu me refiro quando digo que o humor de Animaniacs estava um passo a frente da época. Mas então eles transformaram essa piada em um quadro recorrente do desenho e arrastaram por 5 temporadas. Ou então o quadro da Mindy e do Buttons que repete a mesma piada do cachorro que se ferra protegendo uma criancinha imbecil e só leva esporro por isso. I love you lady, buh-bye!
E esse é o tipo de coisa que me refiro quando digo que eles ainda não tinham a experiencia suficiente para saber até onde ir com uma piada.
De uma certa forma, Animaniacs é o avô espiritual de desenhos modernos como South Park, por exemplo. South Park é um desenho que em um episódio é sobre uma família de merdas falantes bostolando tudo por onde passam (literalmente, não é uma metafora), e no episódio seguinte eles fazem uma adaptação de Grandes Expectativas do Charles Dickens. Porque é assim que artistas funcionam, as vezes você acorda com vontade de fazer umas coisas bem merda (novamente, literalmente), as vezes você quer fazer uma critica social a respeito da industria que você trabalha.
Por exemplo, Animaniacs tem um quadro que é basicamente o Wakko arrotando por três minutos...
... e no outro fazem uma versão musicada genial de todos os países do mundo. Apenas pq sim:
... ou então "Hooked on a Ceiling", onde os irmãos Warner e a irmã Warner ajudam um Michelangelo halterofilista austriaco a pintar pessoas nuas no teto de uma igreja apenas porque isso é moralmente questionável. E essa é a história de como se deu a pintura da famosa capela sistina no Vaticano.
Ou ainda a introdução do longa que encerra a série, Wakko's Wish, que abre com uma dramatica explicação geopolitica e economica, com direitos a gráficos economicos e a explicação sobre as relações externas, sobre como um rei malvado confiscou todo o dinheiro da população e todos estão miseraveis. Assim, why? Just... why?
Bem, como disse certa vez o grande filosofo moderno Quentin Tarantino:
Isso é tão estúpido para um desenho sobre slapstick comedy, mas justamente é essa estranheza que faz o humor funcionar. E as vezes não faz. E como não podia deixar de ser, em 2020 Animaniacs recebeu uma nova temporada em um reboot, não sem antes fazer o que fez tantas vezes no passado: debochar da própria situação dos bastidores que levou a isso.
Porque é assim que eles rolam. Esse é um desenho que não acertava sempre, e é questionavel se acertava sequer na maior parte do tempo, mas que pelo menos pode se afirmar que a equipe realmente se divertia fazendo. E no fim do dia não é isso que realmente importa?
Hmm, não, outras coisas importam mais como produto final para o publico na verdade, mas você pegou a ideia da coisa.
Quer dizer, um time que faz créditos finais assim certamente está fazendo seu trabalho com gosto
E, você já sabe o que vem agora: cartoon de sucesso (ou, sejamos honestos, nem precisava ter sucesso) viram um jogo de plataforma. E se os cartoons da Disney viram jogos da Capcom, é tão certo como dois e dois são um salame de presunto que os da Warner viram jogo da Konami. Como Deus queria que fosse.
Nossa história começa numa noite como qualquer outra, em que Pink e Cérebro fazem o que fazem todas as noites: tentar dominar o mundo. Como dessa vez, exatamente?
Eles vão roubar um roteiro da Warner, produzir o filme e fazer tanto dinheiro com ele que dominarão o mundo. Considerando como os planos do Pink e do Cerebro sempre terminam, eu arrisco dizer que eles se tornaram executivos da Warner Bros. e foram os responsáveis pelo planejamento original dos filmes da Liga da Justiça.
O CEO da Warner então não tem outra opção senão recorrer a seus antigos inimigos, os irmãos Warner e a irmã Warner, para recuperar as paginas do roteiro. Não parece uma escolha que faz realmente sentido, mas então a Warner é o estúdio que planjeou um universo cinematografico bilionário e colocou na mão inteiramente do Zack Snyder, então o jogo tem que ser dado kudos pela representação fiel dos execuvis da Warner.
O jogo tem apenas 5 fases e você pode terminar elas e até mesmo terminar o jogo sem colecionar todas as 24 páginas do roteiro, mas se você quiser ver o verdadeiro final é necessário colecionar todas as páginas.
A melhor coisa desse jogo, de longe, é a quantidade de referencias a filmes que são incorporadas no level design. Nessa sequencia, por exemplo, você persegue o coelho branco de Alice no País das Maravilhas usando as vassouras da Bruxa do Oeste do Mágico de Oz para logo em seguida ter uma fase que a plataforma é o Falcor de História sem Fim.
Embora esses momentos sejam realmente criativos, não cobrem uma parte tão significativa assim do jogo e grande parte das plataformas são apenas fases de plataformas comuns mesmo: a fase do castelo assombrado, a fase da floresta, a fase dos piratas, etc. Isso é menos cool, e infelizmente é a maior parte do jogo o tornando mais esquecível salvo raros momentos.
A mecanica do jogo é o bom e velho hop'n bop, porém o scroll não é puramente side-scrolling (e aí, to escrevendo SGP o suficiente?). Isso quer dizer que o jogo não é apenas 2D, você pode ir para cima ou para baixo na tela como em um beat'n up. O que não torna as coisas mais dificeis do que elas precisam ser, já que não basta acertar a cabeça dos inimigos mas tem que acertar a profundidade também.
Isso não é um problema exatamente, é apenas como o jogo é. O que é um problema realmente é a mecanica de como a energia nesse jogo funciona: cada um dos Warners tem apenas um hit de energia e se você for atingido com ele o personagem fica indisponível. Se perder os três é game over. Simples assim, três hits, game over, uma vida e o universo te odeia ativamente.
Isso torna o jogo filhadaputamente dificil, são apenas três hits para zerar o jogo sem recuperar energia, uma vida e foda-se você e toda sua família pelas próximas 8 gerações. Mas okay, você não acha que eles realmente iam fazer um jogo de apenas três hits para terminar o jogo inteiro, não é?
Claro que tem como recuperar um personagem depois que ele encosta em alguma coisa, é óbvio que tem! Comofas? Super easy, barely an incovenient!
Primeiro, na tela de seleção de fases você tem que ir até a caixa d'água dos Warner. Ah, cuidado com a tela do mapa porque o segurança do estúdio fica andando pelo mapa e se encostar em vc tem uma luta de chefe contra ele. Você sabe, porque os Warner deveriam estar ajudando o estúdio recuperando as páginas do script mas obviamente ele deixou a reunião por Zoom no mudo e não pegou a deixa.
Mas okay, se você conseguir ir até o meio da tela sem começar uma luta de chefe onde você provavelmente vai perder mais personagens, então para recuperar os personagens que você perdeu... é só fazer essa fase relativamente dificil onde você provavelmente vai perder mais personagens, claro!
VOCÊS. TEM. QUE. ESTAR. DE. SACANAGEM. COMIGO!!!
Meus deus Konami, mas puta que pariu Konami, eu sei que hoje eu estou acostumado a vocês sempre tomarem as piores decisões possiveis, mas para 1994 isso é completamente sem precedentes em níveis de filhadaputagem! Pra que, me diz, pra que caralhas complicar tanto assim recuperar um misero hit de energia?!
É impressionante como eles conseguiram cagar o jogo inteiro com uma única escolha de design, pq se não fosse isso o jogo seria perfeitamente aprazível. Os controles são bons, a música reproduz agradavelmente os temas do cartoon, a coisa de colecionar as paginas funciona em um jogo curto, mas puta merda que ideia horrivel essa de recuperar energia!
Ah, e o jogo também tem uma mecanica de coletar moedas para ativar uma máquina caça-níqueis confusa que fica na parte inferior da tela. Coletar alguma quantidade de moedas faz os slots girarem e pousarem em uma seleção de personagens do show, e certas combinações ... hã... fazem alguma coisa. Definitivamente podemos afirmar que... talvez aconteça alguma coisa, embora pode não acontecer também.
Quer dizer, sério, eu terminei esse jogo e não entendi o que a slot machine faz ou pelo menos o que ela dá, pelo tamanho que ocupa na tela eu posso deduzir que é algo importante, mas é só até onde vai. Então, mais uma vez, parabéns a todos os envolvidos!
O que mais eu posso dizer? Animaniacs, o cartoon, pode não ser perfeito (ou mesmo bom na maior parte do tempo, como eu disse teria que reassistir para poder dizer), mas foi fundamental para trazer a animação ocidental um passo além. Já o jogo, bem, o jogo... Esse é um jogo perfeitamente okay que alguém na Konami com baloney in his slacks decidiu ir full Konami atual e o resultado é algo zany to the max. O resultado é uma dificuldade totally insane-y nesse Animaniacs and those are the facts!