[SNES/MD] ZERO THE KAMIKAZE SQUIRREL (Julho de 1994) [#665]
Olá amiguinhos, como estão? Espero que estejam bem, iluminados no caminho do bem e da harmonia. Oh, talvez você esteja questionado meu comportamento hoje, mas isso é porque hoje eu não sou o mesmo que era esta manhã. Porém ao invés de ter uma experiencia Kafkaniana e acordar como uma barata gigante, eu transcendi para um estado elevado de consciencia.
Sabe, até algumas horas atrás eu não era diferente de você. Quer dizer, eu era mais inteligente, um gamer melhor, mais bonito e melhor em todos os aspectos possíveis, mas fora isso não eramos tão diferentes você e eu. E tal como acontece com você, as vezes "contratempos" aconteciam comigo. Experiencias desagradaveis, digamos assim.
E tal como o seu inferior você de agora, eu também respondia isso de uma forma negativa. Ficava chateado, irritado, as vezes até mesmo destemperado. Porque é apenas o normal para a simplória condição humana.
Então você pode estar se perguntando como você pode ser como eu. Na verdade você já deveria estar se perguntando antes, mas agora eu SOU superior a todos vocês, e para colaborar com a evolução espiritual dos seres inferiores contarei como me tornei o que eu sou agora.
Veja, se tem algo a qual eu não sou estranho é o bom e velho estilo europeu de desenhar jogos de plataforma, que eu carinhosamente chamo de "sofrimento e dor de Amiga". Sério, eu já vi esse tipo de desgraça em toda cor, forma e tamanho que você possa imaginar, eu já tantos jogos europeus-like que a alma de um homem menor teria sido reduzia a meros atomos de lágrimas lamentosas. Homens menores, não eu claro.
Porém ver tamanha desgraça e miséria videogamistica em sua forma mais pura criou em mim um senso de, digamos assim, arrogancia. Sim, eu sei que vocês terão dificuldade em associar essa palavra comigo, mas devo admitir que eu desenvolvi uma certa hubris a respeito de jogos ruins. Acreditava eu já ter visto o pior que o ser humano pode criar e que nada mais neste mundo ou em qualquer outro me chocaria.
E, como você pode imaginar, era questão de tempo até um jogo ensinar o erro dos meus caminhos.
Imagine, se puder, um jogo tão ruim, tão hediondo, tão fundamentalmente falho em sua própria essencia e que consegue fracassar em tantos níveis que a dor a mim inflingida por tal monstruosidade me fez... transcende-la. Afinal o que é a dor se não um mero momento mundano? Eu... eu vi a luz.
Mas como, de que forma isso é sequer possível? Bem, eu vou tentar explicar.
Veja, jogos europeus de Amiga são, obviamente, uma das sete pragas que Deus jogou contra o Egito pq ele é desses, mas entretanto existe uma pegadinha aqui: a sua ruindade é incomensurável, porém finita. O Amiga é um sistema (bastante) limitado e existe apenas até determinado ponto onde você consegue ser ruim.
Agora imagine, apenas imagine, se alguém não apenas se conformasse em toda a ruindade que o Amiga pode oferecer e efetivamente usasse o poder dos consoles da geração atual (de 1994) para expandir os limites de um jogo ruim?
Desenvolvedores de jogos de Amiga explicando as limitações sobre o quão ruins eles conseguiriam fazer um jogo ser
Isso sendo dito, vamos começar pelo começo. O primeiro erro desse jogo é que ele é um spin-off de, acredite ou não, AERO THE ACRO-BAT. Não, sério, eu não to de sacanagem com vocês. Aquele jogo cuja única razão de existir era fazer um trocadilho com um morcego acrobata que eu não faço ideia nessa de como sequer passou do pitch meeting, quanto mais que teve DOIS jogos baseados em um trocadilho. E agora DOIS JOGOS E UM SPIN-OFF.
E ainda tem gente que acha que o Thanos tava errado.
Zero, o esquilo kamikaze, é o capanga do vilão do Aero que no final de AERO THE ACRO-BAT 2 vai embora porque recebe um telegrama, que é exatamente onde esse spin-off começa (why, god, why). Então o esquilo Kamikaze recebeu um telegrama urgente de alguém chamado Amy que supostamente é a namorada dele. Mas antes que alguém possa ter alguma esperança ...
"ALGUÉM"?
... antes que eu possa ter alguma esperança, ela aparece apenas durante dois segundos no final. Enfim, o telegrama diz que o lenhador Jacque Le Sheets está derrubando a Floresta Pedregosa para imprimir dinheiro falso! E que ele sequestrou o sogrão.
... que? Cara, apenas um desses plots seria suficiente embora derrubar arvores para imprimir dinheiro falso é um motivo realmente estúpido, mas os dois juntos é realmente dificulo. E puta merda ... as pessoas ainda usavam telegramas em 1994? Aparentemente alguém usava, porque pesquisei e vi que o último serviço de telegrama do mundo foi encerrado em 2013.
O chefe do Zero é um palhaço e ele parece que vai ter um colapso nervoso a qualquer segundo, tenho certeza que esse é um ambiente de trabalho totalmente saudável.
Taí uma coisa que eu nunca achei que diria, mas... por favor, escuta o Palhaço Ektor! Aí não tem jogo e todos podemos seguir com nossas vidas. Mas tenho certeza que ele vai usar algum argumento elaborado para justificar picar a mula e...
Eu realmente tenho expectativas altas demais pra esse jogo... Que seja, Zero renuncia aos caminhos do palhaço do mal e agora está lutando pelo amor e pela paz e pelo... Império Japonês na Segunda Guerra Mundial, aparentemente.
O que nos leva ao segundo problema desse jogo, maior até que ser um spin-off do mascote trocadilho. Durante a Segunda Guerra Mundial a aviação japonesa tinha uma força aerea ultrapassada tecnologicamente e seu sistema de misseis não era realmente algo do que eles podiam se orgulhar. Então uma forma mais eficiente de destruir navios inimigos era encher seu avião de explosivos e voar de direto ao navio inimigo.
O modelo de avião que os japoneses usavam na guerra era chamado de Zero (mais especificamente, do avião Mitsubishi A6M Zero), daí o nome "Zero, o esquilo kamikaze". Okay, hoje "kamikaze" é uma palavra que foi incorporada ao vocabulario e não necessariamente quer dizer que o personagem é uma referencia ao Império Japonês na segunda guerra.
... exceto que ele usa o uniforme japonês dos pilotos kamikazes também: jaqueta de couro e bandana com o simbolo imperialista (o sol nascente).
Ó pra calar os críticos que eu só posto furries femininas, taí nosso herói na sua melhor abordagem MarcosPasquiniana de vender o jogo.
Então o herói do jogo é claramente uma homenagem ao Japão na Segunda Guerra Mundial. E daí? Daí que isso é bem... problemático.
Não, sério, o Japão cometeu atrocidades na guerra que faria os nazistas dizerem "ow ow ow, calma lá suas tetas mano". Estou falando de tortura, escravidão, mutilação, teste de armas quimicas, canibalismo, execuções em massa, exterminio de minorias, vivissecações estupros coletivos, tráfico sexual. Coisa pesada mesmo em números que apavoram. Todo mundo lembra como a guerra terminou para o Japão (spoiler: nada bem), mas os crimes cometidos pelo Império japonês são imperdoaveis e algo que causa constrangimento aos japoneses até hoje, quase um século depois.
Esse ano mesmo, por exemplo, a Capcom fez um patch atualizando o cenário do Honda em Street Fighter 2 nas versões digitais para remover a bandeira do sol nascente da fase dele.
O simbolo do sol nascente é muito antigo no Japão, data de séculos, então é comum estabelecimentos tradicionais terem ele - como uma casa de banho. Porém não tem como negar a associação que vem implicita com ele, então a Capcom decidiu por mudar isso.
Agora o protagonista desse jogo não é uma referencia tradicional que por acaso se tornou akward quando a informação do que aconteceu passou a ser mais difundida por causa da internet o contexto, ele é DELIBERADAMENTE uma homenagem ao exército japonês na segunda guerra e isso é asqueroso. É praticamente o mesmo que se o protagonista fosse o "Esquilo Nazista" ou "KKKzinho, seu amiguinho". Ah caras, na moral, vão achar todos os lotes de mato com brita do mundo pra carpir seus merdas.
Mas enfim, se tudo isso já não fosse ruim o suficiente, temos ainda que o jogo do nosso nazistinha niponico é, para surpresa de ninguém, uma bola fedegosa de pus em chamas.
A primeira, primerissima coisa que você vai perceber nessa abominação é que esse é um DAQUELES jogos. Você sabe, aqueles jogos em que o seu personagem é grande demais na tela e se move rapido demais, de modo que não tem como reagir a nada que aparece no seu caminho.
Olha esse GIF acima, por exemplo! Você não tem tempo nenhum para reagir ao que aparece na sua tela! Como é que você pode jogar uma bosta dessas? E o jogo é inteiro assim, salto de fé porque não tem como ver pra onde tá indo e esbarrar em toda e qualquer uma das inúmeras porcarias que eles colocam no seu caminho.
Esse é um daqueles jogos que você não joga no sentido que escolhe o que está fazendo, apenas vai e vai as coisas acontecem e você espera pelo melhor. Uau, divertido pra caralho heim? Porém essa nem é a pior parte, porque isso dezenas de jogos do Amiga fazem. E como eu disse, esse jogo leva a coisa um passo além e utiliza todo o poder da nova geração pra levar a ruindade a novos patamares.
Isso porque Zero não é apenas um jogo de plataforma sobre um esquilo que atira shurikins, ele é um FLYING SQUIRREL!
Isso quer dizer que uma parte imprescindível do jogo é sua mecanica de "voô", porque como tinha espaço de programação sobrando eles enfiaram algo "diferentão" nesse jogo. E puta que o pariu... pra vc ter uma ideia, o manual do jogo gasta SEIS páginas explicando como fazer uma manobra que você vai ter que repetir habitualmente durante o jogo.
De alguma forma, o que o jogo quer que você faça meio que frequentemente é isso:
Como você faz seu "flying squirrel" thing? Bastante simples: quando você estiver no ar, segure A para entrar "no modo pré voo". Alternativamente você pode apertar B para pular e apertar para baixo e B de novo para entrar no "modo pré voo". Todo comigo até aqui?
Ótimo, você pode soltar A (ou para baixo e B) e agora você tem que apertar R uma vez para fazer uma curva de 45 graus. Aperte novamente e você completa os 90 graus e sobe. Super easy, barely an inconvenience!
Exceto, hã, vc sabe...
... que esse é o espaço que você tem, e tem que ser EXATAMENTE nesse pixel. Se for antes você bate na parede, se for um pixel depois você não tem angulo para fazer a outra curva sem bater em nada. Ah, e cabe lembrar que você tem que fazer isso a ESSA velocidade:
EXCUSE ME WHAT THE FUCK? Não, sério... como... mas que.. em que... cara, sem exagero, sem ser no personagem agora, eu juro pra vocês que quando eu entendi que era ISSO que o jogo queria que eu fizesse eu coloquei o controle de lado e fiquei olhando pra tela incredulo de boca aberta. Quer dizer, eu entendo que os caras fizeram dois jogos de Aero, the Acro-Bat então eu não posso esperar bom senso deles, mas... MAS OLHA ISSO! OLHA UMA COISA DESSAS!
E O JOGO TEM VÁRIOS MOMENTOS ASSIM SENDO QUE ESSE AÍ É O "DE TREINO", NÃO ACONTECE NADA SE VOCÊ ERRAR. MAS EM TODO O RESTO DO JOGO VOCÊ TOMA DANO OU PERDE UMA VIDA SE ERRAR! QUE DIABOS!
E mesmo quando não são momentos assim, o jogo conscientemente se esforça para que você sempre, sempre, em qualquer ocasião se divirta o minimo possível em qualquer situação. A fase "Cliff Zone", por exemplo tem uma sequencia de chefes com muita vida enquanto uma mira fica te seguindo e atirando em você sobre plataformas cobertas de slime que te fazem escorregar!
Uau, porque vocês não colocam também umas piranhas com lasers desintegradores nos olhos enquanto estamos nisso?!
É impressionante o quanto esse jogo consegue errar em tudo, tudo, tudo que tenta fazer em um nível que eu nunca tinha visto em um jogo de Amiga antes porque o Amiga sequer era capaz de tentar fazer tantas coisas!
Pra você ter uma ideia, esse jogo também tem pulo duplo, mas nem isso funciona direito: o pulo duplo do personagem realmente só funciona SE VOCÊ PULAR DE NOVO ENQUANTO O PERSONAGEM ESTIVER SUBINDO. Se você apertar enquanto ele estiver descendo isso não funciona. Okay, agora imagine: muitas vezes o jogo exige que você use o pulo duplo no pixel exato senão você perde a plataforma a qual quer chegar. Quais as chances de você não conseguir acertar se o personagem está subindo ou descendo na velocidade que o jogo vai?
Nossa senhora do doguinho abandonado na chuva, esse jogo é um dos maiores clusterfucks de erros que eu já na minha vida. É um spin-off de uma série que não devia existir e nunca deu certo, o protagonista literalmente representa os piores crimes já cometidos pela raça humana em 50 mil anos de existencia, as coisas básicas como andar não funcionam e as mecanicas complexas são a pior coisa que eu já vi em um jogo.
É espetacular que esse jogo sequer exista, porque se alguém tentar intencionalmente fazer um jogo tão fracassado assim eu não acho que seria possível. A boa notícia é que esse jogo é tão ruim, tão tenebroso que matou definitivamente o Aerotheacrobatverso.
Acabou. Eu não acredito que acabou... o horror, as furries com cara baranga, os pesadelos, a dor ... finalmente tudo isso acabou. Eu venci, eu finalmente venci o acrobatverso, mas ... a que custo?