sexta-feira, 19 de março de 2021

[SNES/MD] SHAQ FU (Outubro de 1994) [#657]



Se você perguntar a um gamemaníaco qual é o pior jogo de todos os tempos, alguns nomes surgirão unanimente de imediato: ET do Atari, Bubsy 3D do PS1, Sonic 2006 do XBOX 360/PS3, Daikatana do PC e, é claro, Shaq Fu do Super Nintendo/Mega Drive. Isso é algo tão estabelecido na cultura gamer que esses jogos são recitados muitas vezes por pessoas que nunca jogaram esses jogos, ou no máximo jogaram para "provar que são ruins mesmo" sem dar uma chance a eles. 

Não é o que fazemos aqui. Em primeiro lugar porque eu estou cagando pra opinião de vocês, então eu não tenho que provar nada - muito menos que um jogo é ruim. Segundo que mesmo que eu quisesse fazer isso, bem, eu já tenho uma lista de 165 jogos que não são nada senão sofrimento e dor. SOFRIMENTO. E DOR. 

Então eis o que faremos aqui: vamos responder a fatídica questão se Sesses jogos merecem realmente toda infamia a eles destinada, tendo como convidado de (dubitavel) honra... SHAQ FU!


Durante os anos 90 os Estados Unidos tiveram a sua própria "Geração dos Milagres" do basquete, tanto que a seleção americana que disputou as olímpiadas de 1992 ficou conhecida como o "Dream Team". Os Estados Unidos tinham um time tão "Geração dos Milagres" que naquela olimpiada ganharam a medalha de ouro e o jogo mais "dificil" foi a final contra a Croacia, onde eles ganharam por "apenas" 32 pontos de vantagem. Nos outros jogos a vantagem no placar variou entre 38 e 68 pontos.

 Desses prodigios inacreditaveis o mais famoso é, obviamente, MICHAEL JORDAN cujos feitos na carreira só podem ser comparaveis ao Pelé ou ao Lewis Hamilton. Mas isso não quer dizer que as outras estrelas daquela época não fossem tão impressionantes - ou populares - quanto, e é aqui que entra Shaquille O'Neal.



Dizer que o velho Shaq é um dos maiores jogadores da história da NBA não é um exagero, até porque é uma afirmação bastante literal: ele tem 2,16m de altura e eu seu auge pesava 160 kg (dos quais muito pouco era gordura). 


Não, sério, um cidadão desta envergadura pula em cima de você, você vai fazer o que (além de achar que está no Attack on Titan)? Chorar, basicamente.


Então não é surpresa que Shaq fosse uma escolha obvia para publicidade, afinal como não fazer o seu produto parecer cool sendo anunciado por semelhante coisona? Estima-se que hoje, HOJE depois de aposentado a mais de vinte anos, ele faça em torno de 25 a 30 milhões de dolares por ano em propaganda, imagina então como as coisas eram na época.


Okay...

Adicione que Shaq é um cara super de boas e tranquilo, não tem aquela marra dos atletas trilionários então todo mundo meio que gosta dele. Então quando propuseram pra ele fazer um filme e um videogame sobre ele, o que ele respondeu foi basicamente "vocês estão perguntando a um garoto que cresceu na quebrada se ele quer ter um filme e um videogame dele, e ainda vão me pagar pra isso? Hell yeah!".

No arco THE DEATH AND RETURN OF SUPERMAN surgem quatro novos heróis para suprir o vazio do homem de aço, e um deles é um homem negro de armadura chamado de Man of Steel. Esse filme com o Shaq deveria ser uma adapção live action desse personagem, mas o filme não tem nenhuma referencia ao universo DC.

Claro que nenhum dos dois foi sequer bom, mas mesmo hoje Shaq não fica muito chateado com isso quando fala sobre o assunto. Ele se divertiu realizando um sonho e foi pago pra caralho por isso, então yay!


Nossa história começa quando nosso gentil gigante está em Tóquio para uma partida amistosa beneficente (julgando por MICHAEL JORDAN: Chaos in the Wind City parece que é o que estelas do basquete fazem no seu tempo livre), quando decide dar um rolê pela capital japonesa para matar o tempo. Mas não tanto tempo, já que ele foi passear com seu uniforme de jogo para não perder tempo se vestindo depois. Shaq é um homem que presa a eficiencia acima de tudo, eu te digo.

E se você sabe alguma coisa sobre o Japão, sabe que Tóquio é conhecida por duas coisas: merchandising da Pepsi e placas em chinês ensinando a lutar Kung Fu. Todo mundo sabe disso.


Parece que a Pepsi e os dojos chineses são realmente uma presença constante na vida japonesa, taí algo que eu não sabia. Videogames são cultura ou o que?


Essa é uma loja bastante interessante, tenho que dizer. Em primeiro lugar, porque eles acertaram o tamanho do Shaq em proporção a porta. Em segundo, porque eu não faço ideia do que essa loja vende exatamente. Quer dizer, tem um Jack Frost em cima da porta (então pontos por ser fã de Persona), a mascara revelendo que esse tiozinho é secretamente o Amon da Lenda de Korra e... sabres de piratas?

Uau, eu não sei o que esse dojo ensina, mas deve ser realmente louco.


Bem, aparentemente Shaq é o chosen one escolhido para ir até outra dimensão e resgatar o tal do menino Nezu. Quer dizer, não dá pra saber se Shaq é REALMENTE o escolhido ou apenas o tiozinho viu um homão desse tamanho passando e decidiu sabonetar a missão de resgate para ele. O que é uma escolha compreensível, tenho que dizer.


Shaq então decide atravessar o portal para ir a outro mundo meter a piaba na orelha de seus habitantes até resgatar o tal Nezu. Você sabe, Shaq é todo sobre conhecer novos mundos, novas civilizações e meter pé na orelha com basquete-kung fu audaciosamente onde nenhum Shaquão jamais esteve.

Sim, ele luta Basquete Kung-Fu pq ele é o Shaq-Fu. Sure buddy, whatever you say. Mas okay, chega de conversa, vamos ver se esse jogo é tão terrível quando se diz que ele é!


Olha, esse jogo é bem mais simpático do que eu poderia esperar! Eu diria que ele tem um charme que eu não sei explicar muito bem, mas as escolhas artisticas desse jogo. Quer dizer,  a catgirl é quase do tamanho do Shaq e creio que falo por todas as eras da raça humana quando digo que o mundo precisa de catgirls de 2 metros de altura.

Sério caras, como vocês podem implicar com esse jogo quando seu primeiro adversário é uma catgirl com 2 metros de altura? Qual é o problema de vocês?!?

CAHAM...

Ai, tá bom, tá bom, vamos falar sério. Esse jogo foi feito pela Delphine Software International, que é conhecida (e respeitada) pelos seus excelentes puzzles plataformers OUT OF THIS WORLD e FLASHBACK: Quest for Identity. A ideia que eles tiveram aqui foi uma bastante curiosa e nunca tentada antes na história dos videogames: usar as tecnicas de animação do puzzle plataformer em um jogo de luta. O fato de que isso nunca mais foi tentado diz bastante sobre como essa história termina.

Só que antes de continuar, deixa eu recapitular: a coisa da DSI é fazer jogos de plataformas rotoscópicos. Ou seja, algum biruta faz um movimento, eles filmam isso e então transformam o movimento em quadros de animação tão fieis a realidade quanto possivel. Isso funciona em jogos lentos como puzzles plataformers, mas em um jogo de luta, hã... vamos dizer que arte não é tão importante quanto resposta aos controles.

Eis o que rola aqui: a maior reclamação a respeito desse jogo, e realmente a sensação que você tem jogando, é que a desgraça da merda do jogo não obedece seus comandos. Você aperta um botão o boneco leva duas eras glaciais para responder, as vezes nem responde!

Isso é algo que não dá pra mostrar com imagens, mas é uma sensação desgraçada de estar jogando um jogo online lagado pra caralho e acredite, a ultima coisa que espero quando estou jogando um jogo de Super Nintendo/Mega Drive é estar jogando um jogo lagado.

Só que é interessante explicar o que realmente acontece aqui, porque de certa forma a coisa toda pior. Veja, não é que esse jogo responde mal. Pelo contrário, ele responde excelentemente bem aos seus comandos - o lag input de Shaq Fu é menos que o de Street Fighter 5 de 2016.


Esse jogo PARECE ser lento porque a Delphine Software fez aqui o que ela sabia fazer: um jogo rotoscópico muito bem animado. Na verdade, animado demais e esse é todo o problema aqui. Esse jogo tem sequencias de animaçao muito longas para todos os movimentos, e o personagem fica fora do seu controle até você executar ela.

Quando você manda o personagem pular, por exemplo, o personagem se agacha, dobra os joelhos, pula e só então você volta a ter controle do personagem - só depois que todo o ciclo de animação foi concluído. Okay, isso é realista, de fato é assim que uma pessoa pula, mas também esse tempo todo sem o jogador tendo controle é inadmíssivel para um jogo de luta.

Pra você ter uma ideia, em Killer Instinct quando você dá um shouryuken com o Jago e erra, o jogo faz então uma "animação de recuperação" que dura 18 frames de animação durante os quais o personagem fica vulneravel e fora do seu controle. Isso não é aleatório, é uma escolha cuidadosa do design do jogo tanto para punir o jogador que der o golpe e errar (ou melhor ainda, recompensar o que evitou o golpe) quanto para impedir que um golpe poderoso seja spammeado infinitamente e quebre a luta.


Como eu disse, isso é uma escolha de design deliberada para moldar o fluxo da luta - é assim que você desenha um jogo de luta. Agora imagine, apenas imagine, se um jogo de luta tivesse esses frames de punição para todo e qualquer movimento que você faz.

Tava abaixado e levantou, perde o controle do personagem até terminar a animação. Deu um soco, perde o controle do personagem até terminar a animação. Para tudo, tudo. Não seria realmente horrível se um jogo fosse feito desse jeito?



Pois então, Shaq Fu é esse jogo. Shaq Fu não é um jogo não-responsivo porque suas respostas são mal programadas, ele é um jogo não-responsivo porque eles colocaram animações realistas acima da resposta dos controles. O que, como eu disse, funciona em um jogo de ritmo lento como em um puzzle plataformer - ele até dá o seu próprio tom ao jogo. Em um jogo de luta, entretanto, é CATASTRÓFICO.

Esse é o principal motivo pelo qual tão ruim, e apontado tão frequentemente como um dos piores jogos de todos os tempos. Porém esse não é o único motivo.

O design de som, por exemplo, é de uma porqueza impar. Som é muito importante em um jogo de luta porque ter uma sensação de satisfação quando você emenda uma porrada é importante - esse tipo de jogo é sobre dar porradas, afinal. Da mesma forma quando você dá um golpe e é defendido, é esperado você ter um som frustante. A grande função do som em um jogo (na midia de modo geral, na verdade) é manipular como o publico se sente e por isso os estudios passam horas e horas e horas refinando para ter o som perfeito para cada movimento.


O som de Shaq Fu é uma merda. 

Tem também que os personagens são pequenos na tela, e isso não é legal quando tudo que você tem são dois personagens na tela. Jogos de luta como Street Fighter não apenas tem personagens grandes e coloridos, como as mãos e pés dos personagens são maiores do que eles precisariam ser porque o jogador precisa ter esse essa referencia visual do ponto de contato do seu personagem com o adversário.

Seus ataques dependem, necessariamente, de encostar a mão ou o pé do seu personagem no adversário. Então vc precisa VER onde estão a mão ou o pé do personagem. Em Shaq Fu você não vê merda nenhuma com clareza porque os personagens são pequenos na tela.


E se você quer fazer um jogo de luta com cenários amplos, que tenha bastante espaço na tela para se movimentar, então você tem que fazer como a SNK resolveu esse problema em ART OF FIGHTING e aperfeiçoado em SAMURAI SHODOWN: zoom in e zoom out.

O que não é algo tão simples assim de fazer em um console de 16 bits, de modo que o que temos em Shaq Fu é isso:

Super weak dude.

Então, vamos recapitular: Shaq Fu tem um som bosta (e eu nem vou falar da versão de Mega Drive que o som parece suco de grilos batidos dentro de um xilofone enferrujado), tem gráficos insuficientes para um jogo de luta e controles absurdamente cagados devido a uma péssima escolha artistica para esse genero.

Então por mais que eu ache tentador ser o diferentão melhor que vocês (o que eu sou), tenho que dizer que a galera está certa nesse aqui. Shaq Fu realmente é o pior jogo de luta que eu já joguei até hoje, e um dos piores de todos os tempos. Você parece ser muito gente boa Shaq, mas puta merda esse jogo não dá. MUITO não dá. 

Mas hey, você não precisa acreditar na minha palavra nisso, vamos ver o que os próprios criadores do jogo tem a dizer sobre sua perola de 1994 quando fizeram uma campanha no Kickstarter em 2018:


It sucked really bad. 

Mas hey, se você precisa de ainda mais prova do quanto esse jogo sucks, vamos então ouvir a opinião do homem em pessoa sobre o seu próprio jogo:



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 009


Edição 029