segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

[#785][3DO/ARC] KINGDOM: The Far Reaches [Abril de 1984]


Talvez um dos mais antigos ditados da humanidade seja o mais verdadeiro para a industria dos videogames: "de boas intenções, o inferno está cheio" e dentre esses talvez nenhum exemplo seja maior do que esse Kingdom: The Far Reaches, que foi originalmente lançado nos arcades em 1984 com o nome de "Thayer's Quest".

Isso porque é um fato notorio e sabido que jogos de Full Motion Video - os famigerados FMV - não são jogos tanto quanto são filmes interativos criados para comer suas fichas enlouquecidamente se você não apertar o botão certo na hora certa. Verdade que para sua época, jogos como DRAGON'S LAIR e SPACE ACE chamavam muito atenção pelos seus gráficos de longa metragem de animação... mas é meio que tudo esses "jogos" tinham, na verdade, era inteiramente tudo que eles tinham.

"E seu pagamento será este saco de panquecas!"

Desde então, várias tentativas de transformar FMV em "jogos de verdade" foram feitas com maior ou menor grau de sucesso, de NIGHT TRAP (bad boys will find you) a WAY OF THE WARRIOR. Mas a primeira das tentativas verdadeiras de transformar os FMV em jogos de verdade foi esse Thayer's Quest. Então, como eu disse, não tem como discutir que é um jogo realmente bem intencionado, eles realmente estavam tentando acertar.

Mas eles conseguiram? Bem, de boas intenções...

Então é assim que as coisas rolam por aqui: esse jogo é uma mistura de FMV com point'n click. Logo, a primeira coisa que vc pode se perguntar é "espera, eles fizeram um point'n click para arcades? Isso não parece fazer sentido comercialmente!". Mas foi exatamente o que eles fizeram.


Como dá pra ver, a cabine do arcade vinha com um teclado ao invés de joystick e botões - porque em 1984 mouses não eram uma coisa plenamente difundida, então toda interação com computadores era feita através de teclados (mouses se tornaram populares a partir de 86/87 com a criação das portas PS/2 que se usava até bem pouco tempo antes de ser tudo USB).
Então, na teoria, isso significa que a sobrevivência e o sucesso dependem mais de suas decisões do que de seus reflexos. Em um jogo como Dragon's Lair o jogo é inteiramente sobre apertar o botão certo no milissegundo certo, aqui é mais sobre ter os itens certos e visitaros locais do mapa na ordem certa - daí o elemento point'n click.

Mas o que acontece se você visitar um lugar fora da ordem ou não tiver um item que você deveria ter naquela tela?


É óbvio que sim, de alguma forma essas fichas não iam se comer sozinhas. Aí então, cabe outra pergunta sobre esse jogo: você tem um mapa com varias locações para visitar e nelas você coleciona itens, e você precisa visitar em uma ordem especifica, okay, mas... como você sabe qual é essa ordem?

Bastante simples: tentativa e erro. Ou seja, quebra o cofrinho e taca-lhe pau na ficha Marco véio! Então a única maneira de saber como terminar o jogo é jogá-lo centenas de vezes, o que é o objetivo de qualquer jogo de arcade, mas ainda assim a maioria das causas de morte na busca de Thayer são simplesmente bobas. Se você usar um dos três pergaminhos mágicos que recebeu no lugar errado, você morre. Se você tentar arrancar uma flor do chão, você morre. Se você vai a uma piscina para se curar, descobre no último momento que a água está realmente contaminada e morre.



Então é um point'n click que não apenas você tem que saber de antemão onde vc pode ir e tem que saber que itens tem que ter no inventário, você tem que saber de antemão em quais itens na tela você pode clicar. Porque é assim que esse jogo rola.

Ah, e como desgraça pouca é bobagem você só pode carregar um pequeno número de itens, e chegará o momento em que você terá que descartar algo que está carregando para pegar um novo item. Jogando o jogo cerca de 100 vezes você vai descobrir quais itens podem ser recolhidos novamente e quais não (descartar o item errado leva a um beco sem saída em que o jogo se torna invencível). 

Acho que esse é o único jogo que eu conheço que você perde seus itens no inventário pq eles estão camuflados

Do ponto de vista técnico, a animação é razoável. Nível cartoon de televisão do final dos anos 80 um pouquinho melhorado. Já os dialogos... bem, é um arcade em que literalmente time is money. Um diálogo típico nesse jogo é mais ou menos assim:

Thayer: “Você pode me ajudar?”
Dríades: “No castelo de cristal, por trás do bronze está o conhecimento, por trás do cristal está a magia e a escuridão leva à morte.”
(Fim da conversa.)

Nesta cena nosso herói leva uma rasteira da neblina

Então não espere um grande desprendimento emocional muito grande aqui. Ou mesmo uma história, na verdade. "A busca de Thayer" narra as tentativas de um jovem aprendiz de mágico de coletar cinco relíquias de cada um dos cinco reinos de seu mundo. Um feiticeiro malvado chamado Sorsabal também está atrás das relíquias, com planos de usá-las para governar todos os reinos. Como tal, Thayer tem que chegar a cada um antes que o tal do Sorsabal pegue elas. 

E o jogo nem mesmo conta essa história completa quando você finalmente chega ao fim. A história oficial do jogo diz que existem cinco relíquias para encontrar ao todo, mas a missão de Thayer cobre apenas as três primeiras. Isso porque uma sequência deveria encerrar a história, mas ela só veio a ser lançada para PC em 1996 - DOZE anos depois do primeiro jogo. Carai quiridim, não é literatura russa saporra não, custava ter pelo menos terminado a história?

Toda vez que o jogo tenta fazer efeitos especiais de vozes para monstros ou algo assim, o som sai completamente incompreensível. Essas driades, por exemplo, falam algo como "Nowtharfoundahpristol tharenchantmendoldsitbah themyoomususeyormajicktooreleethespelofreh"

Esse jogo também pode não ter a incrível animação de Dragon’s Lair, e ainda sim de alguma forma é mais injusto e dificil já que em DL pelo menos uma vez que voce decorou os comandos vc termina o jogo em 20 minutos, aqui é mais de uma hora de dezenas variaveis que você tem que decorar na ordem certa. 

É sério, entrar na tela errada morreu sem choro nem vela

Enfim, como dá pra ver esse título tem muitos defeitos. Ainda sim, Thayer’s Quest pelo menos tentou fazer algo diferente entre seus irmãos FMV e pelo menos isso de positivo pode ser dito a seu respeito. Eu também gosto de como o jogo tem uma ferramenta de leitura que você pode colocar o seu nome no começo do jogo e o jogo vai ler ele como o nome do personagem - o que não é nada demais em tempos de voz do google onipresente em nossas vidas, mas em 1984 era sem precedentes. Claro que as crianças usavam isso para fazer o arcade dizer palavrões, mas essa é outra história hehe.

Valeu o esforço... eu acho?

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